Quem vai à Arábia Saudita em busca de riqueza, ajoelha mas não pode rezar.
Por Cláudia Parreiras
Segundo o livro Palavras de Arame, publicado pela Editora Letramento em parceria com a Livraria Quixote, o enriquecimento de brasileiros na Arábia Saudita é cunhado em severas condições. No país dos sheikhs, ser cristão é passível de levar tiros. Carregar um simples crucifixo pode resultar numa década de prisão ou, na melhor das hipóteses, em extradição sumária. Ingerir álcool, jamais, e qualquer manifestação de carinho em público motiva covardes ataques com ácido. Sauditas alegam que as proibições constam no Corão, mas muçulmanos de outras nações discordam, alguns afirmam que elas não passam de profanação ao livro sagrado do Islã.
Escrito por Staël Gontijo, Palavras de Arame trata justamente dessa habilidade humana em decodificar a verdade revelada de uma religião. Quanto da interpretação dos livros sagrados é verdadeiro e quanto é razão para duvidar, são questões que a autora aborda sem condenar ou absolver, apenas trazendo as contradições entre cristãos e muçulmanos e apresentando uma cultura ainda pouco conhecida pelos ocidentais.
O que se esconde por trás da intolerância é o dilema narrado por dois personagens, ao primeiro olhar, radicalmente opostos. De um lado, Aurora, uma mulher brasileira, morando na Arábia Saudita, que tenta tornar a coexistência de estrangeiros ocidentais, moradores do condomínio que administra, em algo pacífico. Ao mesmo tempo, procura resguardar esses estrangeiros dos perigos de desafiar as leis muçulmanas. Do outro lado Hasan, um menino saudita com o estranho costume de colecionar palavras difíceis; procurando seguir as leis islâmicas, mas, interiormente, duvidando da validade de algumas delas, principalmente por conviver com sua mãe, Salmà, uma mulher com sede de saber e de experiências diferentes daquelas às que sua cultura a “condena”.
Mais que mostrar a vida de brasileiros, ingleses e franceses que todos os anos aportam num país “privado”, enfrentando a discriminação e o ódio, o romance nos faz refletir sobre o conceito de pessoa, um sujeito e não objeto, singular, único, e cuja dignidade não depende de concessão.
Embora tenha trilhado longo caminho no jornalismo investigativo, foi a literatura que levou Staël Gontijo à Arábia Saudita, tornando-a primeira brasileira jornalista-escritora-não-muçulmana a obter visto para pisar num território dos mais fechados do planeta. “Viver atualmente significa uma relação global não somente econômica, mas cultural, política e social. Isso nos leva a pensar um mundo sem divisas no futuro, ou o mais provável, um mundo que contenha apenas uma fronteira: a que separará o Ocidente do Oriente”– diz a escritora. Em seu texto nada é desperdiçado, pois a autora compartilha com os personagens a crença na força das palavras, como se elas fossem, e talvez sejam, faca de dois gumes.
Numa narrativa que mistura delicadeza com dor e brutalidade, amor e violência, Palavras de Arame concentra em suas páginas um panorama impactante das leis não escritas dos costumes e dos estatutos infalíveis do ser humano. Mostra a capacidade do indivíduo de ser intolerante e cruel com o próximo, pelos mais variados motivos, mas sempre devido às diferenças que tornam o "outro" um "estrangeiro" indigno de confiança e de solidariedade, um outro que pode ser o árabe ou o nosso semelhante mais próximo.
Serviço
Lançamento do livro ‘Palavras de Arame’, de Staël Gontijo
Data: 19 de maio de 2015, às 19 horas
Local: Livraria Quixote (Rua Fernandes Tourinho, 274 – Savassi)
Preço: R$ 41,00
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