segunda-feira, 11 de maio de 2015

Os bispos dos confins da Terra

Prelado de Papua Nova Guiné fala da beatificação de Dom Oscar Romero.

Em meio às estatísticas sobre os bispos que estarão presentes no dia da beatificação de Dom Oscar Romero, no dia 23 de maio, um ponto geográfico se destaca: a Papua Nova Guiné. O bispo que virá deste país terá de viajar cerca de 15 mil quilômetros para participar da cerimônia – até agora, este é o lugar mais distante entre os prelados confirmados para o evento.
Nós, do Super Martyrio, nos encontramos com Dom Donald Lippert, OFM Cap., quem se deslocará da Diocese de Mendi, em um país insular ao norte da Austrália, para a ocasião.
“Bispo Don”, como ele gosta de ser chamado, nasceu em Pittsburgh (Pensilvânia) e foi nomeado Bispo da Diocese de Mendi pelo Papa Bento XVI em 2012. Don foi investido numa cerimônia profundamente imbuída com notas culturais de sua terra missionária, com a presença de muitos percussionistas e membros de uma tribo local vestindo suas roupas indígenas em uma cerimônia a céu aberto para cerca de 3 mil pessoas.
A cerimônia foi celebrada no dia 3 de fevereiro de 2012, a mesma data em que Dom Oscar Romero foi nomeado em 1977, e a data em que o Papa Francisco assinou o decreto que aprovava o seu martírio este ano. O lema episcopal de Lippert é “Sentir com a Igreja” – o mesmo de Dom Oscar Romero.
Antes de sua nomeação como bispo, ele serviu como professor de filosofia no Catholic Theological Institute, na localidade de Bomana, perto de Porto Moresby, a capital da Papua Nova Guiné.
Há anos Lippert tem estado envolvido na formação de missionários capuchinhos que atual na ilha: “Digo a eles que estão realmente vivendo os Atos dos Apóstolos”, diz ele. “Eles são os primeiros a trazer a Boa Nova a este povo. Não existem muitas regiões assim no mundo”. Nos Estados Unidos, Lippert era também conhecido por seu ministério junto à comunidade latina, que remonta ao seu ano diaconal em Porto Rico.
Confira a entrevista:
Como vai ser a viagem de Mendi a San Salvador?
Mendi está a 16 horas à frente de San Salvador. Estarei viajando sozinho. Saio de Mendi num pequeno avião no dia 19 de maio e passo uma hora em Porto Moresby. No dia seguinte, viajo a Brisbane [Austrália] e sigo para San Salvador. Farei duas escalas: Los Angeles e Atlanta. Só aqui já são 41 horas. O maior sacrifício são os gastos, visto que os nossos salários – de padres e religiosos – somam o equivalente a 120,00 (cento e vinte) dólares mensais, dos quais a metade vai para a alimentação. Mas esta viagem é uma peregrinação, e os benefícios espirituais superarão quaisquer dificuldades ou desafios. Volto para Papua Nova Guiné três dias depois da beatificação – após uma breve visita a amigos salvadorenhos.
Como o senhor acabou se interessando por Dom Oscar Romero?
Dom Romero foi martirizado no ano em que comecei a estudar teologia em Washington, DC. Juntei-me a protestos pacíficos contra o envolvimento dos EUA no conflito civil em El Salvador.
Ouvia histórias de primeira mão sobre os efeitos deste conflito contados por inúmeros refugiados salvadorenhos que se juntavam na região metropolitana desta cidade.
Nestes anos eu era um jovem interno no Centro Católico Hispano dirigido, na ocasião, pelo hoje Cardeal Seán O’Malley; mais tarde, eu trabalhei no Santuário do Sagrado Coração, localizado no que era o bairro mais latino de Washington DC (onde as pessoas me apelidaram de “Padre Donato”).
Eu “tirei” o meu amor por Dom Oscar Romero dos campesinos para os quais este líder era o único farol de luz e esperança em meio à escuridão indizível em que se encontravam. Eles, desde o início, o veneravam como um santo. Fiquei inspirado, para além do que as palavras podem dizer, pelo que ele escrevia em seu diário e em suas cartas pastorais. Tornei-me um discípulo. Em Washington, assim como em El Salvador, alguns adotaram (e eu diria perverteram) a mensagem de Dom Romero em nome de sua própria ideologia política (e teologia).
Eu via o Dom. Romero, sempre e em sua totalidade, como um homem de Deus, um homem da Igreja, que com coragem incarnou o evangelho de Jesus Cristo apesar da oposição feroz que recebeu – tanto da esquerda quanto da direita. Quis seguir o seu exemplo. Eu ainda quero seguir o exemplo deixado por ele. Quando surpreendentemente fui chamado para o ministério episcopal, não havia dúvidas de que eu escolheria o mesmo lema que o dele: “Sentir con la Iglesia”.
Para mim, este lema tem dois aspectos que refletem o gênio evangélico de Dom Romero. O primeiro, segundo o meu entendimento, é que nós, como cristãos, somos chamados a serem fiéis ao Senhor seguindo os ensinamentos dos pastores que ele chamou para cuidar do seu rebanho. O segundo aspecto é que os pastores podem melhor conduzir e servir se conhecerem bem o seu povo e serem um com eles. Dom Romero sabia o que era ter “o cheiro das ovelhas” muito antes de o Papa Francisco articular este insight de forma tão bela.
O que o senhor espera ganhar participando desta cerimônia?
Esta beatificação nos mostra, claramente, um capítulo do evangelho que veio ao mundo através da vida, do ministério e do martírio inspirador de Dom Romero. O mundo agora, como em qualquer época, precisa da luz dos evangelhos para dar esperança e voz aos excluídos e marginalizados, e para falar a verdade aos poderes que reprimem e exploram.
Dom Romero, homem santo, servo apaixonado, testemunho corajoso, é um sinal inegável de que Deus ainda ouve o grito dos pobres e que não está distante de Seu Povo. Desde que o blog Super Martyrio e outros meios de comunicação começaram a falar sobre esta possível beatificação – pela qual eu tenho orado há muito tempo –, senti um chamado em meu coração para participar. Eu gostaria de estar presente para acrescentar o meu pequeno “amém” ao grande “Amém” da Igreja ao santo testemunho deste homem de Deus e do povo.
Super Martyrio, 08-05-2015.
*Tradução de Isaque Gomes Correa.

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