quinta-feira, 28 de maio de 2015

Papa terá sucesso na reforma da Cúria?

Católicos estão ficando impacientes com o tempo que o projeto está tomando.
O padre Ladislas Orsy, um dos mais importantes e respeitados advogados canônicos do catolicismo destas últimas décadas, tem uma visão clara sobre o assunto. Ele diz que não pode haver uma verdadeira reforma da Cúria Romana sem uma descentralização das estruturas de governo da Igreja e de seu aparato de tomada de decisão.
O jesuíta de origem húngara foi um perito, ou conselheiro teológico, de vários bispos participantes do Concílio Vaticano II (1962-1965) e, mesmo enquanto se prepara para comemorar seu 94 aniversário no final de julho, continua a dar aulas na Georgetown University, em Washington.
Durante uma recente visita à capital dos Estados Unidos, passei várias horas em conversação com este nonagenário incrivelmente jovem. Com seu intelecto fresco e vivaz, ele compartilhou alguns de seus pontos de vista e suas preocupações sobre como Francisco, seu confrade jesuíta, tem se esforçado para renovar a Igreja durante seus dois anos no cargo.
"Se não houver uma descentralização, não haverá uma reforma duradoura da Cúria Romana," disse Orsy categoricamente. Ele ressaltou que nos últimos 800 anos, cada tentativa de reformar verdadeiramente a burocracia centralizada da Igreja falhou porque o poder manteve-se muito altamente concentrado em Roma.
"Em uma Igreja global que continua a se expandir muito além da Europa, esse não é um modelo sustentável de governo", disse ele. Ele enfatizou que esse modelo também estava fora de sincronia com a eclesiologia do Concílio Vaticano II, que apontou para uma mudança da centralização romana e procurou recuperar e desenvolver a antiga doutrina da colegialidade episcopal baseada na sinodalidade e na subsidiariedade.
Em seus muitos escritos e palestras, que ele continua a realizar em um ritmo constante, Orsy sempre defendeu que uma das grandes tarefas não cumpridas depois do Concílio foi a criação ou a reforma de estruturas especificamente destinadas a implementar a sua visão.
Essa é a tarefa que está diante do Papa Francisco. E, felizmente, ele está plenamente consciente disso.
A Cúria Romana está, principalmente, a serviço do bispo de Roma, em suas funções específicas como pastor e primaz da Igreja universal. Ela não tem nenhuma autoridade que não seja dada pelo papa.
Mas, conforme sua exortação apostólica Evangelii Gaudium, de 2013, Francisco pensa "que não se deve esperar do magistério papal uma palavra definitiva ou completa sobre todas as questões que dizem respeito à Igreja e ao mundo". Ele diz que "não convém que o Papa substitua os episcopados locais no discernimento de todas as problemáticas que sobressaem nos seus territórios". Se o papa não toma o lugar dos bispos, os escritórios da Cúria Romana - que estão diretamente dependentes da sua autoridade e somente dela - certamente não podem tomar também. E, no entanto, em muitos aspectos, isso é exatamente o que a Cúria faz há muito tempo.
Na Evangelii Gaudium, que ele chamou de uma espécie de modelo de seu pontificado, Francisco diz claramente: "Sinto a necessidade de proceder a uma salutar 'descentralização'". Neste sentido, ele indica que o papel doutrinário das conferências episcopais locais e regionais deve ser desenvolvido, como também a colegialidade e a sinodalidade.
A melhor oportunidade para a realização de uma descentralização salutar, ao que parece, é dando mais autoridade às conferências e ao Sínodo dos Bispos. Uma terceira instituição que também poderia ser reformada com o objetivo de descentralizar a tomada de decisão é através do ofício dos arcebispos metropolitanos. Desde o Concílio de Trento (1545-1563), a autoridade jurídica, uma vez constituinte dos metropolitas, praticamente desapareceu, deixando-os somente com aquela estranha faixa de lã caída sobre os ombros [pálio] e a precedência nas procissões litúrgicas como as únicas coisas que os diferenciam de outros bispos.
Reforçar o papel dessas três instituições, bem como utilizar o Conselho de Cardeais que o Papa Francisco estabeleceu, são as melhores maneiras de reformar a Cúria através da necessária descentralização que Orsy fortemente defende.
O papa já mostrou sua seriedade sobre reforçar o papel do Sínodo, do qual - assim como os patriarcas são para as Igrejas Orientais - é o chefe ou presidente. Esta semana, ele novamente presidiu a reunião de dois dias do conselho orientador do Sínodo. Desde que Paulo VI ressuscitou esse antigo organismo (ou, pelo menos, uma forma dele), em 1965, nenhum papa jamais esteve tão diretamente envolvido no seu governo.
É um indicativo de quão empobrecida e altamente centralizada nossa eclesiologia está, mesmo depois do Concílio Vaticano II, que ninguém nunca perguntou seriamente o porquê. Todos os papas, de Paulo VI em diante, relegaram a sua autoridade sobre o Sínodo aos presidentes delegados. Francisco continuou a prática quando o Sínodo realiza suas assembleias gerais, mas talvez devesse repensar isso e começar a exercer a sua presidência - sem esses delegados - durante esses encontros, também. Isso reforçaria o sentimento de colegialidade, inserindo o bispo de Roma mais plenamente nas sessões, tornando-o um participante ativo em vez de um tipo de figura sagrada que paira sobre eles. Tal mudança também levaria, necessariamente, a conferir o poder de decisão ao Sínodo e a promover a colegialidade de todos os bispos que estariam agindo cum et sub (com e sob) a autoridade do sucessor de Pedro.
Se o Papa Francisco está contemplando tal mudança para o Sínodo dos Bispos ainda não está claro. Mas é evidente que ele quer mudar o papel e os métodos desse órgão colegial. Logo após as reuniões desta semana com o Conselho do Sínodo, ele manteve conversas privadas com o secretário-geral do Sínodo, cardeal Lorenzo Baldisseri, e seu vice, Dom Fabio Fabene, para discutir esse e outros assuntos. Algumas mudanças na metodologia estão previstas para ser anunciadas antes de outubro, quando o Sínodo realiza a sua segunda assembleia-geral sobre as questões relacionadas ao ensinamento e à prática pastoral da Igreja sobre o casamento, a família e a sexualidade humana.
O plano original era que este segundo encontro produziria orientações atualizadas (ou reforçadas) nesta área multifacetada. Mas parece que há muita carne no fogo e várias questões controversas, tornando quase impossível para os bispos conseguirem chegar a um consenso (como o papa está querendo) em apenas três semanas de reuniões.
Se, como esperado, não houver consenso, o Papa Francisco poderia dar mais um passo sem precedentes e prolongar a discussão do Sínodo, talvez convocando-o novamente através de uma assembleia geral dentro de alguns meses. Ou ele poderia instruir as conferências episcopais a continuar as deliberações a nível regional ou nacional. Isso lhe ofereceria a oportunidade perfeita de atualizar o Sínodo ao convocá-lo com mais frequência (talvez várias vezes por ano), tornando-o assim uma parte mais constitutiva da estrutura de governo da Igreja universal. Ele também daria a chance de restaurar um pouco da autoridade que os sínodos e conselhos regionais, uma vez possuíam, estendendo também às conferências episcopais.
Tudo isso não só descentralizaria a autoridade na Igreja, mas também iria reformar radicalmente a Cúria Romana através da construção e reforço das estruturas que implementam a visão eclesiológica do Concílio Vaticano II. Em tal cenário, o bispo de Roma exerceria sua primazia em união com os bispos locais de todo o mundo, e não através da poderosa burocracia que há muito tempo reside na Cidade do Vaticano.
National Catholic Reporter, 26-05-2015.
*Robert Mickens é editor-chefe da revista Global Pulse. A tradução é de Claudia Sbardelotto.

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