segunda-feira, 15 de junho de 2015

A "envelhescência" é dura

A maioria não reconhece no mais velho o conhecimento de onde se localizam as minas do caminho.

Por Ricardo Soares*
Envelhecer não é exatamente saber onde se carrega mais (ou menos) no molho da comida nem em que lado da cama definitivamente deva se dormir. Não é crer todo dia na balela da qualidade ao invés da quantidade e nem festejar cabelos que ficam grisalhos ou que minguam enquanto o tempo passa na janela e abaixo dela a juventude, os amores fortuitos, as paixões baratas, os gritos, suores e gemidos e nosso apego em nos apegarmos a situações provisórias como se fossem definitivas. Envelhecer não é exatamente suave nesses tempos modernos onde não é moderna a "envelhescência".
Aqui, Brasil,  ficar mais velho é um nada sutil pedido para que a gente se manque, para que trombeteemos nosso próprio toque de recolher pois o alvorecer é para os mais jovens. Assim é se lhe parece. Assim parece que a maioria não reconhece no mais velho a experiência, o conhecimento de onde se localizam as minas do caminho. Os jovens querem, enfim, pisar nelas, arcar com suas próprias explosões. Não os culpo. Fui assim, muitos de nós fomos assim. No entanto quero, envelhecendo, continuar a me explodir e não a implodir minhas ilusões, ambições e anseios. O velho não cabe nessa publicidade de um mundo jovem e bem resolvido. É isso que não faz sentido e me deixa sentido.
Você pode achar, como achei, que a juventude é eterna e ficar "p" da vida com o Nelson Rodrigues que dizia : "jovens, envelheçam". Quando eu era jovem odiava essa frase, hoje a entendo perfeitamente. Só que não acho que o patrimônio da sapiência esteja necessariamente com os mais velhos. Há hordas de estúpidos e hordas de esclarecidos entre os jovens, os nem tão jovens e os velhos.  Dizem , para tentar nos consolar, of course, que os 60 são os novos 40. Dá um certo conforto pensar assim, um consolo de mercado para aplacar nossas angustias mas, vá lá, é um consolo. Ainda tenho uns anos para os 60 e prefiro me espelhar nos grandes amigos que já chegaram lá e se comportam com uma dignidade invejável. Nem querendo ser os jovens que não são e nem se rendendo a um saudosismo prejudicial como às vezes faço.
Dia desses vi um lindo e poético filme indiano chamado "Lunchbox" onde um viúvo burocrático e triste acaba por se interessar por uma linda mulher muito mais nova do que ele com um casamento destroçado . Se correspondem por bilhetes que ela coloca nas marmitas dele. Um dia resolvem se conhecer ao vivo e ele refuga. Observa sua beleza e ansiedade de longe mas não a aborda num café onde marcaram o encontro . Diz, quase ao fim do filme, que ela ainda é muito jovem e tem muito tempo pra sonhar enquanto ele se vê subitamente velho diante de um espelho , cheirando como seu avô. Que foi um velho. E, para ele, os velhos se encontram diante de um pragmatismo que não dá espaço pra sonhar. Eu, sinceramente, fico dividido. Mas o recado que o "Lunchbox" me passou foi avassalador. Como domar as emoções baratas que tem no coração todo envelhecido.
*Ricardo Soares é diretor de tv, escritor, roteirista e jornalista. Foi cronista dos jornais "O Estado de S.Paulo", "Jornal da Tarde","Diário do Grande ABC" e da revista "Rolling Stone".

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