terça-feira, 23 de junho de 2015

Da aldeia encantada de Cabral à bela Lisboa

Durante a viagem, pensei muito no meu encontro com a turma do Laurentino Gomes.

Por Lev Chaim*
Eram 8 horas em ponto quando deixamos Belmonte para trás. Como não estava dirigindo, podia observar a bela paisagem. Lá, à beira da Serra da Estrela, terra de Pedro Álvares Cabral, ficava ainda alguns dias o escritor Laurentino Gomes. Até a próxima Belmonte linda, misteriosa e salvadora, palco de tantas coisas da história de Portugal, Brasil e Holanda.
Descíamos por uma bela rodovia em direção à Lisboa, há 270 quilômetros distante. Agora, as serras eram mais baixas e por todo o lado estavam aqueles arbustos amarelos, a colorir a paisagem. Em holandês, eram denominados de brem e, em português, segundo o dicionário, de giesta- (planta ornamental, da família das leguminosas, poucas folhas e flores amarelas e cheirosas). Nunca havia ouvido esta palavra antes.
Seguimos rumo a Aveiro, para mais tarde pegarmos a rodovia que ia nos levar à Lisboa. Ao aproximar da capital, paramos num posto de gasolina para enchermos o tanque – entregar o carro com o tanque cheio, como o havíamos recebido. Com isto aprendi mais uma coisa que não sabia: diesel comum em Portugal é chamado, inteligentemente, de gasóleo. É lógico: esmiúcem a palavra e vocês notam o que falo –gas+óleo. Existe também o diesel, mas já é com aditivo.
Durante a viagem, pensei muito no meu encontro com a turma do Laurentino Gomes. Antes de Belmonte, eles havia estado no Porto e se encontrado com o escritor português-americano Richard Zimler, autor de várias obras, entre elas, o imperdível ‘O último cabalista de Lisboa’. É o retrato da Lisboa dos tempos dos tribunais da inquisição, onde os ‘ditos hereges’ eram queimados vivos em praças públicas. Sem dúvida, um romance fabuloso e intrigante. E Belmonte, no norte do país, foi um refúgio para muitos desses que fugiam da morte certa.
Enfim, chegamos ao aeroporto de Lisboa, onde entregamos o carro, pegamos um taxi para o hotel, que situava-se numa travessa da Avenida Liberdade, próximo à praça Marques de Pombal. Era a primeira vez que ficávamos ali, pois das outras vezes, alojávamos num hotel na própria Avenida da Liberdade, dos tempos da ‘zagaia’, como se dizia lá em casa.
De cara, já na recepção, nos sentimos em casa, pois o hotel era da cadeia Porto Bay, e logo vimos uma cara conhecida dos tempos da Madeira, a senhorita Fátima. Ela nos levou ao quarto, mostrou tudo e nos convidou para um drink à tarde, no último andar, onde teríamos uma vista fantástica de Lisboa. Mas, enquanto isto, deixamos as malas no quarto e partimos para o centro velho, para a rua Garret, onde situa-se a Livraria Bertrand, no bairro do Chiado, onde sempre vou quando estou em Lisboa. Esta livraria era o ponto de encontro importante de vários escritores, inclusive Fernando Pessoa, que também morava ali perto.
Afoito, sem pensar ou mesmo respirar mais fundo, depois da longa caminhada do hotel até à rua Garret, entrei na livraria e já perguntei pelo livro do um autor português, que os brasileiros, neste momento, estavam a descobrir: José Luís Peixoto. Um literata de primeira, amado pela intelectualidade portuguesa, com vários prêmios no currículo, inclusive o prêmio Saramago.
Naquele mar de livros entre um cômodo e outro, soltei a pergunta que deixou todos parados, boquiabertos, com um sorriso nos olhos e petrificado nas bocas, pois eles, portugueses, não queriam ser mal educados: “Vocês têm o livro, fininho, de José Luís Peixoto, ‘Mataste-me’?”
Logo dei-me por mim e corrige o erro: “Desculpem-me, ‘Morreste-me’, queria dizer”! Ai, todos sorriram aliviados, pois agora sim, eles podiam atender ao meu pedido. Até mesmo um senhor idoso ali presente fez um comentário jocoso: “O vosso título não é nada mal. Temos que dá-lo ao autor para o seu próximo livro!” O jeito foi rir junto com todos...
José Luís Peixoto, apenas 41 anos,  e já fez tudo que fez. Licenciado em línguas e literaturas modernas (inglês e alemão), sua obra ficcional e poética já foi traduzida em várias idiomas e é estudado em várias universidades de todo o mundo. Acabei levando também um outro romance dele, ‘Nenhum Olhar’, em que Peixoto narra a vida de uma aldeia do Alentejo, com o pano de fundo, a severa pobreza dos moradores locais.
Voltamos ao hotel prontos para o drink no terraço do último andar, em companhia da diretora do hotel, dona Sofia, da bela Fátima e para a nossa surpresa, agora como chefe do restaurante Bistrô, Victor, que conhecíamos também da Madeira. Enfim, lá estávamos rodeados pela família do Porto Bay, com um espumante na mão, a lembrar da viagem pelo interior de Portugal, dos encontros surpresas e da minha mais recente aquisição literária: Peixoto.  
*Lev Chaim é jornalista, colunista, publicista da FalaBrasil e trabalhou mais de 20 anos para a Radio Internacional da Holanda, país onde mora até hoje. Ele escreve todos as terças-feiras para o Domtotal.

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