sexta-feira, 24 de julho de 2015

Casas sem muros

'Continuo aguardando o dia em que o Brasil venha virar, mesmo, alguma coisa decente'.

Canadá: casas sem muros, jardins abertos, ruas absolutamente limpas e bonitas.
Por Fernando Fabbrini*
Concordo com os amigos: também acho meio provinciano comparar os atrasos do Brasil com asmaravilhas do chamado primeiro mundo. Na minha teoria particular, acredito que os países são como as pessoas; precisam passar por muitas fases e problemas para evoluírem. Pelo menos, assim espero. Entretanto, sempre que viajo pra fora, regresso com o mesmo pensamento intrigante: “Se eles conseguem, por que nós não?” A este desconforto se soma o complicador de que ando pela casa dos 60, idoso pelas estatísticas, o que significa que já acreditei muito nesse eterno país do futuro e já me decepcionei outro tanto. Sem alternativa, continuo aguardando o dia em que o Brasil – tão rico e de gente tão boa (fora os políticos canalhas, claro) – venha virar, mesmo, alguma coisa decente. Estarei vivo para ver? Certamente não.  
Retornando do Canadá, que ainda não conhecia, voltou-me a assombrar o cruel fantasma da comparação e sua ironia dolorosa. Em Montreal, fazia minhas caminhadas matinais pelos quarteirões do Côte-des-Neiges, bairro onde residem os amigos Mara e Fábio, que para lá emigraram há mais de dez anos levando mudança, filhos e sonhos.  Claro: as ruas são absolutamente limpas, silenciosas, bonitas e todos os carros param à aproximação do pedestre ou até de um apressado atleta fora da faixa. A cidade tem regras solidárias de convivência, como estacionar os automóveis de um lado ou de outro em certos dias da semana, para facilitar a coleta de lixo. (Ah, sim: há vagas de sobra de ambos os lados da rua, a qualquer hora). Existem parques imensos a cada canto e neles vi bebedouros inclusive para cachorros, o que me trouxe alguma esperança naquela outra raça, a dos humanos. Como em várias cidades da América do Norte, as casas não têm muros – mas jardins abertos, gramados caprichados onde donas de casa cultivam suas flores em paz, levantam os olhos e nos lançam um simpático bonjour, só por gentileza. Comparação inevitável: lembrei-me do dia triste quando fui obrigado a instalar cercas elétricas na minha casa em Belo Horizonte. Após resistir por anos a fio à medida de segurança adotada em massa pela vizinhança, acabei vencido depois de uma invasão de domicílio.
Com Gabriel, estudante de Medicina, visitei a Mc Gill, considerada uma das dez melhores universidades do mundo.  Contou-me que para ser aceito é essencial que o candidato construa um bom histórico escolar, mas isto não basta. No seu vestibular, se podemos chamá-lo assim, Gabriel enfrentou ainda um punhado de situações delicadas onde atores profissionais dramatizavam conflitos, ansiedades e problemas pessoais, cabendo a ele resolvê-los com prudência e bom senso – sob os olhares de uma banca examinadora instalada atrás de vidros foscos.  Ou seja: jovens com baixa inteligência emocional levam pau. Olha aí, Brasil: não é um ótimo critério para selecionar futuros médicos, advogados, psicólogos?
Alexandre, irmão de Gabriel, tem 17 anos; concluiu a sua high-school e agora, de férias, trabalha em tempo integral na colônia de verão do centro comunitário Saint Laurents. A bela estrutura ocupa uma quadra inteira e sua arquitetura e equipamentos de lazer me fizeram lembrar resorts de luxo no Brasil. Alexandre chega cedo, trabalha duro e é pago – bem pago, diria – pela Prefeitura. Além do dinheiro, pensei também em outros ganhos que um garoto de sua idade exercitava naquela função: responsabilidade, respeito às diferenças, liderança e por aí vai.  
Por trás de tudo isso - onipresente, palpável, soberana - está uma política de estado que valoriza a educação, os alunos e professores, priorizando a formação, o conhecimento e os mecanismos de superação e autonomia à disposição do povo.  Pequenos e novos empresários também contam com uma infinidade de linhas de crédito a juros simbólicos, além de assistência constante e incentivos generosos. Enfim: o Governo está lá para ajudar quem quer seguir em frente - e não para complicar, atrasar e atrapalhar, como acontece no... Puxa, quase lá vou eu de novo caindo no provincianismo!  
Redação Dom Total
Fernando Fabbrini é roteirista, cronista e escritor, com dois livros publicados. Participa de coletâneas literárias no Brasil e na Itália.

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