quinta-feira, 30 de julho de 2015

Literatura brasileira. Nem chatura, nem frescura

Por Ricardo Soares*
Raphael Montes é um autor jovem brasileiro que escreve livros policiais que nunca li.Ontem ele causou relativa celeuma no meio literário ao publicar um texto no jornal “O Globo” no qual, de certa forma, desdenhava de certa síndrome de obra-prima que acomete autores nacionais que, para se levarem a sério ou aos colegas ou para serem bem tratados por uma crítica literária ( inexistente no país), soltam frases feitas a esmo e vivem falando de pesquisa de linguagem, vanguarda, “realidade indizível”, “instâncias sociais”, falácias e falésias de linguagem que acabam por desviar o foco do que interessa, que é pura e simplesmente escrever para ser lido, para ser entendido.
Muitos escritores não gostaram do que disse Raphael Montes. Eu, sinceramente, o entendo. Ao menos ele se expõe e assume que faz literatura de mercado. Menos mal...a maioria quer esconder isso sob o manto de "grande literatura". O que se pede na verdade é que exista espaço para gregos e troianos e não apenas para as panelinhas que estão sempre na mídia e nem vendem como o  Raphael. Não são nem literatura de entretenimento e nem grande literatura mas abocanham prêmios, alternam posições de concorrentes, curadores e jurados, vão e voltam para feiras nacionais e internacionais como se representassem o todo da literatura brasileira.
Não representam, pois apesar de combalida ela é muito mais que esse clubinho. E nesse todo deve caber tanto a ‘panelinha” como excelentes autores excluídos dela como Márcia Denser e Marcelo Mirisola. Mas devem também caber os Raphael Montes ou Marcelo Rubens Paiva que me parecem não se constranger – e nem deveriam- de contar histórias e produzir literatura de entretenimento. Não cometamos aqui erros que já cometeram os “acadêmicos” americanos que sempre torceram o nariz para Stephen King , por exemplo, e hoje são obrigados a reverem as suas posições.
Até porque, como muitos sabem, King sempre bebeu na tal “alta literatura” de Poe, Lovecraft e muitos mais. O que é preciso existir ( como bem definiu minha companheira) é uma democratização da representatividade na literatura brasileira.
Menos chatura e menos frescura. Que venham à tona os eternos defensores dos tediosos conceitos da poesia concreta mas que também deixem fluir os arautos da poesia romântica, da rara porém boa poesia que anda sendo praticadas em nossas capitais.
O problema é que entre os egos artísticos os dos escritores são os mais transatlânticos. Só entre publicitários se vê tanta “pavoneação”. O marketing não pode se sobrepor ao que se escreve mas, para o bem e para o mal, ele está presente hoje em qualquer divulgação de obra literária como admitiu, resignado, o próprio Leonardo Padura, escritor cubano recentemente adotado como queridinho damídia brasileira.
Em setembro, no Centro Cultural, em São Paulo, parte disso tudo estará em discussão num encontro que surgiu da iniciativa da escritora Márcia Denser e do poeta Cláudio Daniel. Eu passei de observador a organizador do evento com a Márcia. E torço para que ele seja uma chance de discutirmos um pouco a literatura nacional e esse tal direito de uma panelinha se dizer representante de todos.
Repito, a parte não é um todo. Com meus sete livros publicados  (cinco infanto-juvenis, um romance adulto e um livro de poesia )mais a coautoria de uma porção e participação em antologias, sou tão escritor quanto os da panelinha, a Márcia Denser ou o Raphael Montes. E não estou nessa de competir para saber quem é o melhor. Mário Quintana dizia que literatura não era corrida de cavalo. Não é mesmo. Mas é justo e democrático que todos estejam no páreo.
*Ricardo Soares é diretor de tv, escritor , roteirista e jornalista. De 1998 a 2005 dirigiu, escreveu e apresentou os programas “Literatura” e “Mundo da Literatura” exibidos em vários canais de tv. É autor de sete livros.

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