segunda-feira, 17 de agosto de 2015

As cartas de amor

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Carregadas de alegria, às vezes de lamento e dor, elas incendeiam o coração de quem as lê.
Marco Lacerda*
Numa cena do filme ‘Sexo e a cidade’ a atriz Sarah Jessica Parker aparece lendo um livro romântico com cartas escritas por grandes personagens da história para suas amadas. A coleção nunca existiu, mas as cartas são verdadeiras. Declarações de amor – às vezes carregadas de dor e lamento – incendeiam as linhas dessas missivas e arrancam suspiros, lágrimas, reflexões de amantes do mundo inteiro, principalmente dos admiradores de certas figuras históricas. Afinal, são algumas das cartas mais românticas já escritas e quando nada provam que os seres humanos são iguais ou muito parecidos quando se trata de declarações de amor.
Leia a seguir trechos de cartas desses personagens hoje imortalizadas em livros lançados nos quatro cantos do planeta:
De Beethoven para sua Amada Imortal
“Meu anjo, meu tudo, meu próprio ser. Pode o teu amor resistir a todo sacrifício embora não exijamos tudo um do outro? Podes tu mudar o fato de que és completamente minha e eu completamente teu? Oh Deus! Olha para as belezas da natureza e conforta o teu coração. O amor exige tudo, assim sou como tu, e tu és comigo.
Mas esqueces-te tão facilmente que eu vivo por ti e por mim. Se estivéssemos completamente unidos, tu sentirias essa dor assim como eu a sinto. O meu coração está cheio de coisas que eu gostaria de te dizer – ah – há momentos em que sinto que esse discurso é tão vazio. Alegra-te. Lembra-te da minha verdade, o meu único tesouro, o meu tudo como eu sou o teu. Os deuses devem-nos mandar paz. Teu fiel Ludwig”
De Jean Paul Sartre para Simone de Beauvoir
“Tente entender-me: te quero enquanto presto atenção nas coisas que acontecem. Em Toulouse simplesmente te quis. Esta noite te quero numa tarde de primavera. Te quero com a janela aberta. És minha e as coisas são minhas e meu amor altera as coisas ao meu redor e as coisas ao meu redor alteram meu amor”.
De Caio Fernando Abreu para seus pais
“Querida mãe, querido pai,
Não sei mais conviver com as pessoas. Tenho medo de uma casa cheia de pais e mães e irmãos e sobrinhos e cunhados e cunhadas. Tenho vivido tão só durante tantos – quase 40 – anos. Devo estar acostumado.
Dormir 24 horas foi a maneira mais delicada que encontrei de não perturbar o equilíbrio de vocês – que é muito delicado. E também de não perturbar o meu próprio equilíbrio – que é tão ou mais delicado.
Estou me transformando aos poucos num ser humano meio viciado em solidão. E que só sabe escrever. Não sei mais falar, abraçar, dar beijos, dizer coisas aparentemente simples como “eu gosto de você”. Gosto de mim. Acho que é o destino dos escritores. E tenho pensado que, mais do que qualquer outra coisa, sou um escritor. Uma pessoa que escreve sobre a vida – como quem olha de uma janela – mas não consegue vivê-la.
Amo vocês como quem escreve para uma ficção: sem conseguir dizer nem mostrar isso. O que sobra é o áspero do gesto, a secura da palavra. Por trás disso, há muito amor. Amor louco – todas as pessoas são loucas, inclusive nós; amor encabulado – nós, da fronteira com a Argentina, somos especialmente encabulados. Mas amor de verdade. Perdoem o silêncio, o sono, a rispidez, a solidão. Está ficando tarde, e eu tenho medo de ter desaprendido o jeito. É muito difícil ficar adulto.
Amo vocês, seu filho,
Caio”
De Napoleão Bonaparte para Josefina
“Já não te amo: ao contrário, detesto-te. És uma desgraçada, verdadeiramente perversa, verdadeiramente tola, uma verdadeira Cinderela. Nunca me escreves; não amas o teu marido; sabes quanto prazer tuas cartas dão a ele e ainda assim não podes sequer escrever-lhe meia dúzia de linhas, rabiscadas apressadamente. Que fazes o dia todo, Madame? Que negócio é assim tão importante que te rouba o tempo para escrever ao teu devotado amante? Que afeição abala e põe de lado o amor, o terno e constante amor que lhe prometeste?
Quem será esse maravilhoso novo amante que te ocupa todos os momentos, tiraniza seus dias e te impede de dedicar qualquer atenção ao teu esposo? Cuidado, Josefina: alguma bela noite as portas se abrirão e eu surgirei. Na verdade, meu amor, estou preocupado por não receber notícias tuas; escreve-me neste instante quatro páginas plenas daquelas palavras agradáveis que me enchem o coração de emoção e alegria. Espero poder em breve segurar-te em meus braços e cobrir-te com um milhão de beijos, candentes como o sol do Equador. Bonaparte”.
De Yoko Ono para John Lennon
“Sinto saudades, John. 27 anos se passaram e ainda desejo poder voltar no tempo até aquele verão de 1980. Lembro-me de tudo – dividindo nosso café da manhã, caminhando juntos no parque em um dia bonito, e ver sua mão pegando a minha – que me garantia que não deveria me preocupar com nada, porque nossa vida era boa. Não tinha ideia de que a vida estava a ponto de me ensinar a lição mais dura de todas. Aprendi a intensa dor de perder um ser amado de repente, sem aviso prévio, e sem ter o tempo para um último abraço e a oportunidade de dizer “Te amo” uma última vez.
A dor e o choque de perder você tão de repente está comigo a cada momento de cada dia. Quando toquei o lado de John na nossa cama na noite de 08 de dezembro de 1980, percebi que ainda estava quente. Esse momento ficou comigo nos últimos 27 anos – e vai ficar comigo para sempre. Ainda mais difícil foi ver o que foi tirado de nosso lindo filho Sean. Ele vive com uma raiva silenciosa por não ter seu pai, a quem ele tanto amava e com quem compartilhou sua vida.
Eu sei que não estamos sozinhos. Nossa dor é compartilhada com muitas outras famílias que sofrem por serem vítimas de violência sem sentido. Esta dor tem de parar. Não percamos as vidas daqueles que perdemos. Juntos, façamos o mundo um lugar de amor e alegria e não um lugar de medo e raiva.
Este dia em que se comemora a morte de John, tornou-se cada vez mais importante para muitas pessoas ao redor do mundo como um dia para lembrar a sua mensagem de Paz e Amor e fazer o que cada um de nós podemos fazer para curar este planeta que nos acolhe.
Pensem em Paz. Atuem em paz. Compartilhem a Paz. John trabalhou para ele toda a sua vida. Ele costumava dizer: “Sem problemas, somente soluções”. Lembre-se, estamos todos juntos. Podemos fazê-lo, devemos. Eu te amo! Yoko Ono Lennon.”
De Machado de Assis para Carolina de Novais
“Diz a Madame de Stael que os primeiros amores não são os mais fortes porque nascem simplesmente da necessidade de amar. Assim é comigo; mas, além dessa, há uma razão capital, e é que tu não te pareces nada com as mulheres vulgares que tenho conhecido. Espírito e coração como o teu são prendas raras; alma tão boa e tão elevada, sensibilidade tão melindrosa, razão tão recta não são bens que a natureza espalhasse às mãos cheias. Tu pertences ao pequeno número de mulheres que ainda sabem amar, sentir, e pensar. Como te não amaria eu? Além disso tens para mim um dote que realça os mais: sofreste. É minha ambição dizer à tua grande alma desanimada: «levanta-te, crê e ama: aqui está uma alma que te compreende e te ama também".
A responsabilidade de fazer-te feliz é decerto melindrosa; mas eu aceito-a com alegria, e estou certo que saberei desempenhar este agradável encargo. Olha, querida, também eu tenho pressentimento acerca da minha felicidade; mas que é isto senão o justo receio de quem não foi ainda completamente feliz?
Obrigado pela flor que mandaste; dei-lhe dois beijos como se fosse a ti mesma, pois que apesar de seca e sem perfume, trouxe-me ela um pouco de tua alma. Sábado é o dia da minha ida; faltam poucos dias e está tão longe! Mas que fazer? A resignação é necessária para quem está à porta do paraíso; não afrontemos o destino que é tão bom connosco. Depois… depois querida, queimaremos o Mundo, porque só é verdadeiramente senhor do Mundo quem está acima das suas glórias fofas e das suas ambições estéreis. Estamos ambos neste caso; amamo-nos; e eu vivo e morro por ti”.
De Albert Einstein para sua amada Mileva
“Em todo o mundo não poderia encontrar outra melhor que você, agora é quando o vejo claro, quando conheço outra gente. Até meu trabalho me parece inútil e desnecessário se não penso que também você se alegra com o que sou e o que faço”.
De Franz Kafka para Felice
“Querida: te peço com as mãos alçadas que não sintas ciúmes do meu romance. Quando os personagens do romance se dão conta dos seu ciúmes, eles me escapam principalmente quando só os tenho agarrando-os pela ponta de suas roupas.
Leve em conta que, se me escapam, teria de correr atrás deles, ainda que tivesse que ir até o mundo das sombras onde eles vivem. O romance sou eu, minhas histórias sou eu. Por isso te imploro, onde está o motivo para ciúmes? Quando tudo mais está em ordem, meus personagens se dão as mãos e correm ao teu encontro para, em última instância, servir-te. Graças a isso me mantenho vivo, me aferro a esse barco no qual te encontras tu, Felice. É muito triste que eu já não consiga separar-me dele. Mas, compreenda, Felice, que teria de perder-te e todas as coisas se alguma vez perdesse a minha escrita”.
A balada de John e Yoko. Veja o vídeo:
*Marco Lacerda é jornalista, escritor e Editor Especial do DomTotal.

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