José Dirceu foi um principais nomes da luta contra a ditadura e das campanhas de Lula.
Em 1980, Dirceu (esq.) foi um dos mais ativos articuladores da fundação do Partido dos Trabalhadores.
Por Talita Bedinelli*
Aos 22 anos, o proeminente líder estudantil José Dirceu viu um batalhão de 215 policiais invadirem o sítio Muduru, em Ibiúna (interior de São Paulo), às 7h15 daquele sábado 12 de outubro de 1968. Ele participava, ao lado de cerca de mil jovens, de um congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), proibido pela ditadura militar que governava o país na época. Alinhado em uma fileira com outros colegas, foi reconhecido por um investigador:
- Aquela cara não é conhecida?, questionou ao delegado.
- É o José Dirceu!, exclamou o responsável pelas prisões.
O estudante, um dos mais procurados pela polícia política, foi retirado da massa e colocado em um carro, enquanto sorria, relata uma reportagem da Folha de S.Paulo, publicada no dia seguinte aos fatos. Seria este o início da montanha-russa política que ele viveria até ser preso pela terceira vez nesta segunda-feira, agora acusado de participar de um esquema de corrupção, a segunda acusação do tipo na última década.
Entre as prisões de 1968 e de 2015, Dirceu passou pela extradição, o treinamento de guerrilha em Cuba, uma cirurgia plástica para viver clandestinamente, até se tornar um dos principais artífices da transformação do PT em uma sigla eleitoralmente competitiva, pelo que ganhou o posto de principal nome do primeiro Governo Lula. Daí, voltou a cair: foi condenado no escândalo do mensalão e foi para a prisão, de onde almejava influenciar o debate político por meio de seu blog e tentava se reerguer junto à esquerda militante.
Até a prisão de Ibiúna, a história de Dirceu se parecia a muitas de estudantes vindos do interior. Natural da Cidade de Passa Quatro, Minas Gerais, em 16 de março de 1946, ele se mudou para São Paulo aos 15 anos, para trabalhar como office boy e estudar. Em 1965, foi aprovado no curso de direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), o que mudaria sua vida. Foi lá onde iniciou sua vida política dentro do movimento estudantil para coordenar o congresso estudantil.
Naquele 1968, Dirceu começaria um périplo por quatro cadeias diferentes até ser solto, quase um ano depois, em setembro do ano seguinte. Seu nome já havia ganhado relevância suficiente para constar na lista de 15 presos políticos que seriam trocados pelo embaixador norte-americano, Charles Burke Elbrick, sequestrado pela Aliança Libertadora Nacional (ANL) no que se tornaria um dos episódios mais importantes do período ditatorial brasileiro.
Ao ser libertado, foi deportado para o México. Seguiu, então, para Cuba, onde passou por treinamentos de guerrilha promovidos pelo Governo da ilha comunista. Voltou ao Brasil clandestinamente em duas ocasiões. Na primeira, permaneceu no país por um ano, entre 71 e 72. Na segunda, chegou em 74, após passar por uma cirurgia plástica em solo cubano e mudar de nome. “Fiz prótese no nariz, puxei o rosto e mudei os olhos, passei a usar óculos, deixei o bigode crescer e mudei o corte de cabelo", contou ele à imprensa, anos depois.
Sua antiga identidade foi escondida até da mulher com quem casou na época. Para a empresária Clara Becker, Dirceu era Carlos Henrique Gouveia de Mello. Ela só soube da verdadeira identidade do marido em 28 de agosto de 1979, quando foi declarada a anistia aos presos políticos brasileiros. Dirceu voltou a Cuba, desfez a plástica e retomou sua identidade original, retornando ao Brasil definitivamente para ingressar na vida política oficial.
Dirceu liderou corrupção na Petrobras e enriqueceu mesmo preso, diz MPF
Em 1980, foi um dos mais ativos articuladores da fundação do Partido dos Trabalhadores (PT), uma nova legenda de esquerda que tinha como nome mais importante o do então metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva. Foi Dirceu um dos principais organizadores da primeira campanha de Lula a um cargo público, em 1982, quando o sindicalista de candidatou ao Governo de São Paulo e perdeu. Nessa época concluiu, 18 anos depois, o curso de direito interrompido.
No partido, ocupou cargos de relevância, como a secretaria de formação política, a secretaria geral do Diretório Nacional e foi presidente por quatro vezes, a última em 2001. Em 1986, foi eleito deputado estadual em São Paulo e, quatro anos depois, deputado federal pelo mesmo Estado. Já no Parlamento, assumiu protagonismo na campanha que levaria Lula, finalmente, à presidência da República, após três tentativas frustradas. O deputado foi central na estratégia de tornar o partido mais competitivo eleitoralmente, forjando alianças com políticos fisiológicos e aprovando propostas mais ao centro. O pragmatismo assumido pela legenda para ganhar as eleições criou forte descontentamento entre as alas petistas mais radicais.
Como recompensa pela articulação vitoriosa, Dirceu assumiu a equipe de transição do Governo Lula e viu o presidente eleito declarar na imprensa que ele seria “dono do espaço que quisesse ocupar”. Escolheu, então, a Casa Civil – o ministério mais importante, responsável por chefiar as políticas de diversas pastas e por aconselhar o presidente. Tornou-se o homem forte, o braço direito de Lula.
Foi de lá que, segundo sua condenação pelo Supremo Tribunal Federal, teria liderado o mensalão –um esquema de corrupção descoberto em 2005 que revelou que parlamentares recebiam dinheiro desviado de órgãos públicos para aprovar as medidas propostas pelo Governo na Câmara. Teve seu mandato de deputado cassado e, nas ruas, chegou a enfrentar grande hostilidade. Conta a revista Piauí que em 2008 um homem se aproximou dele em uma churrascaria em que almoçava com uma filha.
- Sa-fa-do! Seu safado! Sou eu que pago minha comida! Não é o PT ou o Governo, gritava o homem.
Em 2012, no julgamento do caso no STF, foi condenado como o “chefe de quadrilha” a 7 anos e 11 meses de prisão. Rechaçou veementemente a condenação, afirmando que não haviam provas substanciais para a condenação. Parte de seus apoiadores organizou uma vaquinha virtual que arrecadou dinheiro para pagar a multa de 971 mil reais a que foi condenado pela participação no esquema. Durante todo esse período turbulento, recebeu apoio de parte da militância petista, que chegava a gritar nos encontros que ele era um “guerreiro do povo brasileiro.”
Cumprindo pena em regime domiciliar, após ficar 11 meses preso, o ex-ministro dava poucas entrevistas, mas começou a fazer movimentos públicos nos últimos meses quando começou ser citado nas investigações da Lava Jato. No último dia 7 de junho, reportagem do Estado de S. Paulo revelou que ele teria dito a amigos que guarda mágoa de Lula e de Dilma Rousseff pela atitude “covarde” que ambos assumiram durante a crise do mensalão e o escândalo da Petrobras
Dirceu repete que todas as acusações de corrupção são injustas. Considera-se perseguido por seu papel no PT e pelo sucesso que diz ter obtido em sua reinvenção, após o mensalão, como consultor de negócios — uma performance turbinada pelos seus contatos com empresários em seus anos no poder e por suas credenciais na esquerda latino-americana. O trabalho da JD consultoria rendeu, entre 2006 e 2013, um faturamento de 39,1 milhões de reais, mas, para a nova a acusação do Ministério Público, essa cifra teria relação com a máfia investigada pela Lava Jato.
No blog mantido por ele, em que analisava os rumos da política brasileira, a equipe do ex-político afirmou que o dinheiro obtido pela empresa vinha dos cerca de 60 clientes que ele mantinha, entre os quais a espanhola Telefónica e o magnata mexicano Carlos Slim, a quem ele ajudava a agendar encontros com Hugo Chávez ou Raúl Castro e construir estratégias para atuação em mercados brasileiros e externos, como América Latina, Europa e Estados Unidos.
Com o sigilo bancário quebrado desde janeiro, ele não recebeu com surpresa a notícia de sua prisão. De fato, seus advogados haviam tentado duas vezes, sem sucesso, conseguir para ele um habeas corpus preventivo. Relato do jornal Folha de S.Paulo afirma que amigos que o visitaram recentemente o encontraram abatido e cansado. Perdeu peso e passava as manhãs vendo desenho animado ao lado da filha de 5 anos. Nada poderia ser mais distante dos seus dias de enfático líder estudantil contra a ditadura.
O Congresso de Ibiúna 45 anos depois. Veja o vídeo:
*Talita Bedinelli escreve para o El País
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