sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Francisco: um profeta que faz as coisas

Por Christine Schenk
No último sábado, voltei da Filadélfia após visitar alguns amigos e amigas. Nesta cidade, as autoridades locais há pouco tinham anunciado novas medidas de segurança para a visita, em setembro, do Papa Francisco. Um novo muro está sendo construído; ele irá circundar grandes áreas das avenidas centrais da cidade, onde o papa irá aparecer.
Nenhum automóvel tem permissão para trafegar, o que está causando grandes transtornos para os moradores e trabalhadores. Bilhetes para o transporte público estão sendo disponibilizados apenas por sorteio, e os que desejam obtê-los são avisados de que terão de fazer longas caminhadas e passar por alguns detectores eletrônicos. Todas as escolas municipais e prédios governamentais estarão fechados durante a visita.
Embora os cidadãos da Filadélfia estejam entre os católicos mais animados da visita papal ao país, duvido que estes transtornos não acabem tirando a paciência de muitos deles. E embora tantos preparativos de segurança sejam elementos necessários em um mundo pós-11 de setembro, eles tendem a alimentar uma angustiante “papolatria” – uma idolatria que o Papa Francisco lamenta.
Por outro lado, se algum papa alguma vez mereceu ser aclamado, ele é o Papa Francisco.
Este nosso papa é um homem extraordinariamente pastoral, apaixonado pelos marginalizados e quer que usemos a riqueza eclesiástica em nome deles.
Mas este papa é mais que um pastor.
Francisco é uma notável combinação de profeta e administrador astuto, características raramente vistas em uma única pessoa – e muito menos em um papa.
Francisco, o profeta, denuncia o capitalismo selvagem, a exploração ambiental e o ostracismo de coração duro para com os imigrantes carentes.
Dentro da própria Igreja ele desafia os clérigos no sentido de se despojarem dos trajes eclesiásticos extravagantes e buscarem “cheirar como as ovelhas”.
O seu empenho em descentralizar as tomadas de decisão pastoral e em empoderar as conferências episcopais locais evoca um novo momento magnífico de “derrubar do trono os poderosos e elevar os humildes” (Lc 1, 46-56). Isto vem numa época em que, sem dúvida, mais poder eclesial acabou se concentrando no Vaticano do que em qualquer outro período da história da Igreja.
Sim, com certeza é disso que se trata o idealismo profético da “Palavra do Senhor”.
Mas fazer esses ideais proféticos se tornarem realidade é outra história.
É aí que entra Francisco, o astuto administrador/organizador que, até agora, tem um histórico impressionante de sacudir as coisas e fazê-las acontecer.
O principal exemplo é a muito esperada “limpeza” do Banco do Vaticano. Durante séculos, esta instituição transferia secretamente fundos – por vezes de maneira legítima – a ordens religiosas que necessitavam contornar governos corruptos de forma que os seus membros pudessem ministrar aos pobres e explorados.
Mas, muitas vezes, agentes obscuros do submundo usaram o banco para lavar dinheiro derivado de transações criminosas, e funcionários corruptos buscaram ajudar os seus clientes a evitar as leis tributárias.
Depois do 11 de setembro, os bancos do mundo todos deixariam de fazer negócios com qualquer banco que não fosse transparente.
Mesmo assim, o Banco do Vaticano mostrou-se intransigente e resistiu a todo tipo de reforma. O Banco da Itália finalmente precisou instruir todos os seus filiados a se livrar das contas vaticanas. No dia 1º de janeiro de 2013, o Deutsche Bank [instituição financeira alemã] acabou com todos os seus caixas eletrônicos e desativou os seus cartões de crédito que operavam na Cidade do Vaticano, resultando em uma perda de 40 mil euros por dia.
O Papa Bento tentou reformar o Banco do Vaticano, mas foi traído por terceiros. Ele renunciou ao papado algumas semanas depois das ações do Deutsche Bank na cidade-Estado.
Novamente, entra o Papa Francisco em cena, eleito com a tarefa de limpar o Banco, trazendo cardeais de fora da Cúria – religiosos que estavam cansados de tantas lutas internas e corrupção.
O pontífice começou reduzindo para 25 mil euros o bônus anual extravagante pago aos cinco cardeais supervisores do banco. Em seguida, trouxe consultores da área de administração, incluindo Elizabeth McCaul. Ex-superintendente de bancos para o estado de Nova York, McCaul ajudou a estabilizar o setor bancário regional após os ataques de 9 de setembro.
Membro do grupo financeiro Promontory, sediado nos EUA, McCaul foi com 25 especialistas em regulamentação para o Vaticano com o objetivo de rever todas as contas bancárias da instituição vaticana. Os consultores encontraram vários problemas graves, incluindo falhas básicas nos procedimentos de diligência, verificações de fluxo de caixa pobres e ofuscação quanto a quem realmente controlava grande parte das contas.
Depois que os especialistas financeiros deram as suas recomendações, Francisco nomeou o cardeal australiano George Pell para reformular o sistema financeiro instalado. Pell havia renovado com sucesso o sistema financeiro na Arquidiocese de Melbourne e na Arquidiocese de Sidney. Ele também é um dos nove cardeais assessores do Papa Francisco.
Embora já estando de posse de tanto poder, Pell seria também o responsável por um conselho supervisor presidido por outro membro do próximo de Francisco, o Cardeal Reinhard Marx, arcebispo de Munique.
Enquanto Pell é conhecidamente um conservador, Marx tende mais para o lado progressista, atestando a capacidade incomum deste pontífice de, ao mesmo tempo, separar e equilibrar o poder dentro do Vaticano.
Apesar das tentativas de desacreditar Pell (provavelmente por pessoas descontentes de dentro da Cúria), Francisco apoiou vigorosamente as suas reformas.
Se o Banco do Vaticano é o nosso principal exemplo, o segundo vai ser, certamente, a encíclica Laudato Si’ – o chamado corajoso de Francisco a amarmos e protegermos a Terra em época de mudanças climáticas devastadoras.
Por causa da Laudato Si’, as dioceses americanas e organizações católicas estão, cada vez mais, desafiadas a desinvestir de bilhões de dólares antes investidos em combustíveis fósseis. Há um ano, a University of Dayton, instituição marista nos EUA, prometeu desinvestir em empresas de combustíveis fósseis. Em junho, uma campanha liderada por um aluno convenceu a Universidade de Georgetown a anunciar que não mais iria investir diretamente em empresas de carvão.
Recentemente, a Arquidiocese de Chicago disse à Reuters que iria rever os seus investimentos de 100 milhões dólares em combustíveis fósseis.
Ken Hackett, embaixador americano no Vaticano, acredita que a reunião do presidente Barack Obama com Francisco em março de 2014 pode ter contribuído para a decisão corajosa, tomada em 3 de agosto daquele ano, de reduzir as emissões de carbono em 32% com base nos níveis de 2005 até 2030.
Provavelmente não é coincidência que o Movimento Católico Global pelo Clima foi lançado nas Filipinas pelo Cardeal Luis Antonio Tagle em 7 de julho, apenas três semanas depois que a encíclica do Papa, Laudato Si’, havia sido emitida.
Tagle é alguém especial para o Francisco. Este recentemente o nomeou como um dos três presidentes do Sínodo dos Bispos sobre a família a acontecer em outubro próximo em Roma.
O Movimento Católico Global pelo Clima é uma coalizão de 140 organizações católicas que buscam coletar pelo menos 1 milhão de assinaturas antes da cúpula das Nações Unidas sobre o clima a se realizar em Paris em novembro deste ano. Em maio, o Papa Francisco endossou a campanha, quando ele se reuniu com representantes do próprio movimento no Vaticano.
Para coincidir com o anúncio de Francisco de proclamar 1º de setembro como o “Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação”, o Movimento Católico Global pelo Clima pensou atividades e celebrações destinadas a educar as pessoas sobre o tema e defender o meio ambiente. (Os materiais produzidos estão disponíveis neste link.)
Com a ajuda de prelados progressistas como Tagle, Francisco está conseguindo se conectar com os movimentos de base que apoiam esta prioridade de seu papado.
Talvez devêssemos acrescentar “organizador comunitário” à extensa lista de atributos do papa.
Aposto que o presidente Obama iria gostar deste apelido.
Com estes dois líderes, talvez possamos inspirar as pessoas comuns em todo o planeta a louvar e proteger a nossa bela casa.
National Catholic Reporter, 20-08-2015.

Um comentário:

  1. "Talvez devêssemos acrescentar “organizador comunitário” à extensa lista de atributos do papa."

    a História já o vai inscrevendo, dia após dia, nos anais planetário.

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