Responsável pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil critica, em entrevista a jornal de Brasília, a relação escusa entre os poderes político e econômico e afirma que o eleitor é o juiz dos candidatos. O arcebispo de Brasília, dom Sergio da Rocha, considera missão da Igreja participar da política. Mas a atuação, segundo ele, deve seguir os propósitos católicos, baseados na ética e no bem comum, diferentemente dos interesses partidários e corporativos que ditam governos e campanhas eleitorais.
Atento observador da sociedade, o arcebispo afirma que, em tempos de crise, a Igreja tem de exercer o papel do profeta: questionar, transformar, sem receio de desagradar ao senso comum. Esse posicionamento explica a decepção com a atabalhoada reforma política conduzida no Congresso - "a gente esperava muito mais" - e a ressalva ao pacto pela governabilidade - "Um pacto não vai deixar de lado, por exemplo, a luta contra a corrupção". A postura cristã também fundamenta a posição da CNBB contra a redução da maioridade penal, apesar da imensa vontade popular. Paulista da cidade de Dobrada, dom Sérgio diz "ter cabeça de cidade, mas coração rural".
Aos 55 anos, está encantado com a receptividade do brasiliense, em particular nas regiões mais simples. Mas chama a atenção para os problemas sociais. Cita em particular o drama dos imigrantes, que vêm de regiões conflituosas da Ásia e da África e vivem em condições precárias nas cidades do DF.
A CNBB se posicionou firmemente em favor da reforma política. Houve avanço?
A gente esperava muito mais. O assunto merecia ser muito mais discutido pela sociedade civil organizada. É claro que se trata de um tema complexo, permite diferentes posturas, mas não quer dizer que não era importante. Ou que a Igreja não tinha nada a ver com isso. É claro que a Igreja tem a ver com isso! Ninguém é cristão apenas dentro da Igreja, só dentro do templo. Nós somos cristãos fora dele, no dia a dia. A Igreja não pode ficar só na sacristia. Tem de sair, ir ao encontro das pessoas. Precisa ter a palavra dela. Não sei se o projeto da reforma política ainda consegue avançar, mas pelo nível da tramitação, é difícil esperar muito mais. E não é porque um assunto está há muito tempo no Congresso que ele deve ser resolvido logo. Por mais urgente que seja, se não há uma participação maior da sociedade, fica difícil ter esperança de que um projeto vai realmente atender à necessidade da população. É preciso escutar mais para tomar decisões sábias.
A corrupção é outro grave problema?
A corrupção também poderia ser superada com a ajuda de uma reforma política. Poder-se-ia ao menos prever melhor medidas que ao menos ajudariam a superar o problema da corrupção, que é uma praga. O próprio papa Francisco diz que a corrupção é uma praga que clama aos céus. É algo que destrói a vida das pessoas. O processo ainda não está concluído no Congresso; portanto, ainda não se pode perder a esperança.
O que fazer para melhorar?
Esse campo é muito delicado, qualquer coisa que se afirme é motivo de controvérsia. Por isso, a CNBB não dogmatizou a questão. Alguns entenderam de uma forma que não era adequada. A igreja não se manifestou ameaçando ninguém. Na verdade, era uma ocasião para refletir, para se informar mais, para participar mais da vida política. Política no Brasil está muito restrita a partidos. Não se pode ficar refém de partidos. O povo, as comunidades têm de participar. No caso da Igreja, é claro que não temos postura político-partidária. Insistimos na importância da participação. Por exemplo, a questão do financiamento de campanha: esse é ponto que precisa ser mais bem considerado. Converse com as pessoas - não precisa ser um especialista - e diga que uma determinada empresa ofereceu milhões para um determinado candidato. Nunca ouvi ninguém dizer que acreditava que isso era por patriotismo.
O poder econômico interfere?
Não estou dizendo que está tudo errado. Estou dizendo que, no mínimo, é de se questionar as intenções. Com tantas necessidades no país, com tantas obras assistenciais precisando de dinheiro, como é que alguém vai entender que uma empresa oferece tanto? A gente tem visto que, no fundo, essa questão tem, sim, relação com a corrupção.
A empresa deve doar?
A CNBB foi uma das mais de cem entidades que participaram dessa coalizão em favor da reforma política. Ali a postura é contrária ao financiamento por parte de empresas. Se não se criar uma nova forma de fazer política no Brasil, é muito complicado a gente continuar com esse esquema baseado em interesse mais particular, de grupos, de bancada. Precisamos criar mecanismos legais para que a política, os políticos, as autoridades coloquem o bem comum acima de tudo. Muitas vezes vemos brigas tremendas, mas nem sempre esses conflitos são por causa do bem do povo. São por interesses de grupos. Seria bom que brigassem por interesse público.
O movimento do Ministério Público e da Polícia Federal, com a Operação Lava-Jato, é uma tentativa de mudança para que a corrupção não continue sendo uma praga?
Creio que essas entidades têm dado um contribuição muito importante. Permitem uma nova maneira de pensar política, de fazer política, de resgatar a ética. Esperamos que possa surgir um novo modo de fazer política desse processo doloroso que estamos vivendo. O povo já não aguenta mais tanta corrupção.
As mídias sociais ajudam na politização da população?
Elas têm um alcance imenso, mas há uma ambiguidade presente. Insistimos para que essa crise política e econômica não descambe em uma crise institucional, pondo em risco a ordem democrática. É importante, em momentos de crise, que haja diálogo, respeito entre as instituições. E o que acontece nas redes sociais? Delas sai de tudo. As redes sociais não são território imune, sob o ponto de vista moral. Ao contrário, ali também podem se expressar posturas, atitudes, propostas que não são convenientes.
Alguns grupos falam em um grande pacto para manter a governabilidade. A CNBB está pronta a integrar algum desses grupos?
Depende do que se entende por pacto, que é uma palavra de múltiplos significados. Hoje nós estamos em um momento de polarização política muito forte e com uma diversidade muito grande de partidos. Temos contato com diversas autoridades, inclusive a presidente da República. Tivemos esse momento inicial de diálogo e continuamos dispostos a dialogar para buscar o melhor ao nosso povo. Mas creio que qualquer pacto jamais vai sacrificar a verdade ou a justiça. Ao contrário, um pacto não vai deixar de lado, por exemplo, a luta contra a corrupção. O que significa, então, esse pacto? É colocar o bem do povo acima de qualquer interesse particular, partidário etc. Preocupa muito esse jeito corporativista de fazer política.
Está cada vez mais arraigado?
Sim, e com isso fica muito difícil superar aquilo que está na raiz da corrupção, que é esse tomá lá dá cá. A coisa pública fica em um segundo plano, e os interesses partidários, pessoais ou de grupos prevalecem. Sempre haverá a necessidade de vigilância, com a Justiça Eleitoral e a Polícia Federal, por exemplo. Mas eu diria que o primeiro juiz deveria ser o eleitor. Se o povo tivesse um pouco mais de discernimento na época da eleição, daria menos trabalho para a Justiça Eleitoral. Se o primeiro tribunal fosse a consciência do eleitor, restaria menos trabalho para os tribunais que cuidam de tudo isso. É lógico que nunca haverá eleitores perfeitos, com discernimento pleno. Mas nada exclui de ter uma reflexão mais séria.
A Igreja pode ajudar nisso. Na verdade, sempre ajudou.
A Igreja ajuda, e alguns até acham que a CNBB ajuda demais, que ela interfere além da conta. A CNBB não tem postura político-partidária. Se um ponto ou outro de seu ensinamento e de suas práticas coincidir com a de algum partido, não é por opção nossa. A CNBB, desde os seus inícios, foi objeto de questionamento, de discordância. Em outros períodos da nossa história, a CNBB também era questionada, e sempre será. Mas, se ela for questionada por fidelidade a Cristo, a valores éticos, é até melhor.
Essa postura mais crítica, de maior conscientização, será uma característica de seu mandato?
Acredito que estamos dando continuidade ao que já se fazia anteriormente. O que acontece é que o momento que temos vivido tem levado a CNBB a pronunciamentos. O que estamos fazendo agora é ter presente essa missão da Igreja nas atuais circunstâncias, de crise. Crise exige mais profetismo. Só que é preciso cuidado: se pegarmos a palavra crise nas suas origens, ela tem o sentido de purificar para surgir algo novo. Nós estamos esperando que desse processo todo, que é doloroso, possa surgir um novo jeito de fazer política, um novo jeito de servir o povo.
Fonte: Correio Brasiliense
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