Todo mundo tem histórias ligadas a espaços. De fato, há lugares que nos fazem reviver momentos, situações. E isso de tal modo que se tornam verdadeiras câmaras a nos reportar a tempos passados. Assim acontece com a casa onde se passou a infância, o lugar furtivo do primeiro beijo, a escola onde se fez grandes amigos, a igreja na qual se celebrou o casamento. Talvez aqui caiba a diferença entre casa e lar; uma sendo simples edifício, a outra designando a humanização ligada ao espaço. Isso faz com que a palavra ambiente refira-se mais que a um conceito espacial e diga, de um só passo, o lugar onde se está bem como o conjunto de relações que o povoam, o que inclui seus membros. Os ambientes também se compõem de pessoas e de memórias.
Voltar a um lugar pode também ser voltar no tempo. Lembro-me de um palacete abandonado próximo à casa da minha infância. Dizem que os antigos donos compunham uma família festiva e que sua sorte havia mudado quando o filho morreu em um acidente em frente à casa. O fantasma do filho passou a habitar o espaço. Mas não era o espírito de um morto, mas algo pior; era a presença de uma ausência. A imagem do filho ligava-se ao antigo castelinho, mesmo com a saída daquela família. Essa imagem vaga do esplendor e da frustração imbricava-se nas paredes depredadas imprimindo ao lugar o sentido de melancolia e indicativo da perda e da morte. São tais visões que criam as casas mal-assombradas. Enquanto algo evocar o que lá não está mais, ter-se-á vagando pelos cômodos o fantasma do que ali se viveu. Destrói-se a memória quando se destrói todos os elementos que a evocam (ou convocam).
Onde hoje é o shopping Rio Sul, entre Botafogo e Copacabana, no Rio de Janeiro, funcionou um casarão conhecido como Solar da Fossa. Oficialmente era Pensão Santa Terezinha, mas a “fossa” curtida pelo carnavalesco Fernando Pamplona, motivada por sua separação conjugal, deu novo nome a casa quando este lá se hospedava. O estilo colonial da antiga sede da Chácara do Vigário Geral acolhia quem queria tentar fazer a vida na Cidade Maravilhosa, bem como descasados e jovens interessados em sair da casa dos pais sem ter que pagar um absurdo de aluguel.
Pois esse solar começou a atrair um público bem interessante (entre 1964 e 1971) marcado pela criatividade e desejo de liberdade. Eram tempos de ditadura e ali se tornou um celeiro de artistas que influenciaram muito a cultura nacional. Entre os hospedes do casarão podemos citar Caetano Veloso, Gal Costa, Paulo Coelho, Paulo Leminski, Maria Gladys, Paulinho da Viola, Tim Maia, Betty Faria, Antonio Pitanga, Nandi, Guttemberg Guarabyra, Zé Keti, Abel Silva, Cláudio Marzo, Naná Vasconcelos, Darlene Glória, Ruy Castro e Adelzon Alves. Até o grupo Teatro Jovem, de onde surgiram José Wilker e Renata Sorrah, reuniu-se ali. Mais que uma pensão, era uma incubadora de artes, gênese do tropicalismo. Destruiu-se o espaço, mas seu fantasma ainda resiste.
São as memórias evocadas por esse casarão que o coletivo Complexo Duplo revive no musicalContra o Vento (um musicaos). A narrativa apresenta a história do Tropicalismo a partir de um diário (fictício) que teria sido encontrado no local por ocasião de sua demolição. O conteúdo do caderno, com exceção das páginas do início e do fim, estaria despregado. Por isso, cabe ao público a decisão sobre a ordem com que seus elementos serão apresentados. O ordenamento diferente dos três blocos nos quais as páginas soltas podem ser dispostas faz com que a história ganhe novos sentidos. Mas não espere um relato histórico. Mesmo os personagens são inspirados e criados na fusão daqueles que habitaram a pensão na vida real. Trata-se, então, de uma peça repleta de dobras na qual resplandece a aura do Solar da Fossa, embalada por músicas que guardam relação com o lugar como outras originalmente compostas por Luciano Moreira e Felipe Vidal, sendo interpretadas ao vivo pelos atores que não só cantam como também tocam os instrumentos.
Contra o Vento (um musicaos)
Data: 10/09 a 04/10, de 5ª a Dom
Horário: 19h
Local: Centro Cultural Banco do Brasil - BH
Valor: 10,00 (inteira)
Voltar a um lugar pode também ser voltar no tempo. Lembro-me de um palacete abandonado próximo à casa da minha infância. Dizem que os antigos donos compunham uma família festiva e que sua sorte havia mudado quando o filho morreu em um acidente em frente à casa. O fantasma do filho passou a habitar o espaço. Mas não era o espírito de um morto, mas algo pior; era a presença de uma ausência. A imagem do filho ligava-se ao antigo castelinho, mesmo com a saída daquela família. Essa imagem vaga do esplendor e da frustração imbricava-se nas paredes depredadas imprimindo ao lugar o sentido de melancolia e indicativo da perda e da morte. São tais visões que criam as casas mal-assombradas. Enquanto algo evocar o que lá não está mais, ter-se-á vagando pelos cômodos o fantasma do que ali se viveu. Destrói-se a memória quando se destrói todos os elementos que a evocam (ou convocam).
Onde hoje é o shopping Rio Sul, entre Botafogo e Copacabana, no Rio de Janeiro, funcionou um casarão conhecido como Solar da Fossa. Oficialmente era Pensão Santa Terezinha, mas a “fossa” curtida pelo carnavalesco Fernando Pamplona, motivada por sua separação conjugal, deu novo nome a casa quando este lá se hospedava. O estilo colonial da antiga sede da Chácara do Vigário Geral acolhia quem queria tentar fazer a vida na Cidade Maravilhosa, bem como descasados e jovens interessados em sair da casa dos pais sem ter que pagar um absurdo de aluguel.
Pois esse solar começou a atrair um público bem interessante (entre 1964 e 1971) marcado pela criatividade e desejo de liberdade. Eram tempos de ditadura e ali se tornou um celeiro de artistas que influenciaram muito a cultura nacional. Entre os hospedes do casarão podemos citar Caetano Veloso, Gal Costa, Paulo Coelho, Paulo Leminski, Maria Gladys, Paulinho da Viola, Tim Maia, Betty Faria, Antonio Pitanga, Nandi, Guttemberg Guarabyra, Zé Keti, Abel Silva, Cláudio Marzo, Naná Vasconcelos, Darlene Glória, Ruy Castro e Adelzon Alves. Até o grupo Teatro Jovem, de onde surgiram José Wilker e Renata Sorrah, reuniu-se ali. Mais que uma pensão, era uma incubadora de artes, gênese do tropicalismo. Destruiu-se o espaço, mas seu fantasma ainda resiste.
São as memórias evocadas por esse casarão que o coletivo Complexo Duplo revive no musicalContra o Vento (um musicaos). A narrativa apresenta a história do Tropicalismo a partir de um diário (fictício) que teria sido encontrado no local por ocasião de sua demolição. O conteúdo do caderno, com exceção das páginas do início e do fim, estaria despregado. Por isso, cabe ao público a decisão sobre a ordem com que seus elementos serão apresentados. O ordenamento diferente dos três blocos nos quais as páginas soltas podem ser dispostas faz com que a história ganhe novos sentidos. Mas não espere um relato histórico. Mesmo os personagens são inspirados e criados na fusão daqueles que habitaram a pensão na vida real. Trata-se, então, de uma peça repleta de dobras na qual resplandece a aura do Solar da Fossa, embalada por músicas que guardam relação com o lugar como outras originalmente compostas por Luciano Moreira e Felipe Vidal, sendo interpretadas ao vivo pelos atores que não só cantam como também tocam os instrumentos.
Contra o Vento (um musicaos)
Data: 10/09 a 04/10, de 5ª a Dom
Horário: 19h
Local: Centro Cultural Banco do Brasil - BH
Valor: 10,00 (inteira)
Gilmar P. da Silva SJMestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, com pesquisa em Signo e Significação nas Mídias, Cultura e Ambientes Midiáticos. Graduação em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Possui Graduação em Filosofia (Bacharelado e Licenciatura) pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. Experiência na área de Filosofia, com ênfase na filosofia kierkegaardiana.
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