sexta-feira, 25 de setembro de 2015

As desventuras do Dr. Brasil

Torço para que o Dr. Brasil se torne um ícone para a libertação nacional dos exploradores.
Por Evaldo D´Assumpção*
Gosto de ver alguns poucos jornais televisivos, contudo o dia 22 de setembro ficará para sempre marcado em minha memória pela notícia que considero a mais trágica, violenta e deprimente já apresentada. Um verdadeiro soco na cara dos brasileiros com um mínimo de consciência crítica e vergonha na cara. Refiro-me ao episódio protagonizado por um médico do Hospital de Base, referência para o atendimento das urgências na capital federal, a Brasília dos sonhos de Dom Bosco e Juscelino, hoje transformada em pesadelo para os brasileiros.
Como médico que sou, com 77 anos de idade, 52 de medicina, e por trinta anos plantonista do Hospital de Pronto Socorro de Belo Horizonte, senti, em sua trágica totalidade, o drama daquele colega mostrado, respeitosamente sem ser identificado, nas reportagens de ontem e de hoje, impressas e televisivas, do Oiapoque ao Chuí.
Mas eu o identifiquei: seu nome, Dr. Brasil Brasileiro da Silva. Seu registro no Conselho Federal de Medicina vai do número 0001 a 400.000. Sua especialidade: integridade médica-hipocrática. Sua moradia: o coração dos brasileiros oprimidos, roubados, violentados, desrespeitados, jogados nos corredores dos hospitais públicos, plantados madrugada adentro nas filas de atendimento, sofrendo dores, morrendo nos braços impotentes dos seus familiares.
O Dr. Brasil ultrapassou o seu limite de tolerância e indignação. Enquanto isso, a três míseros quilômetros de onde estava, um bando de marginais, eleitos (talvez com raríssimas exceções) graças às pixuletas recebidas de diferentes fontes; às mentiras deslavadas apresentadas como ridículas promessas para enganar e conquistar votos da massa de manobra constituída por uma maioria inculta e iletrada, não por vontade própria, mas pela necessidade de sobrevivência, alcançada milagrosamente com salários ridículos, especialmente quando confrontados com aqueles recebidos pelos nobres deputados e senadores, ministros e governantes, juízes e demais autoridades blindadas e resguardadas por leis construídas e sufragadas por eles mesmos; discutia aumentos de impostos, juntamente com aumentos insultuosos dos seus próprios salários e vantagens.
O Dr. Brasil já não se continha diante de tantos desafios e desrespeito aos enfermos que choviam em suas mãos, trazidos de todas as partes onde hospitais e postos de saúde, construídos com o dinheiro público, estavam fechados ou eternamente por inaugurar, carentes de recursos materiais e profissionais, deteriorando e apodrecendo como os corações dos ocupantes do núcleo de poder brasiliense. 
O Dr. Brasil, confrontado com mais um brasileiro ferido, arrebentado, teve seu limite de tolerância ultrapassado. Explodiu. Não em bombas destrutivas, mas em indignação e repulsa. E, para aumentar sua revolta, recebeu de um despreparado soldado do valoroso Corpo de Bombeiros, que também é vítima dos descasos político-administrativos, voz de prisão! O “Teje preso, por desacato à autoridade” foi mais um soco na face transtornada do Dr. Brasil. E eu, solidário com ele, recebi também aquela explosão em meu rosto, pois tantas vezes já protestei e continuarei protestando, contra o descaso pela saúde e pela ética em nosso país.
Felizmente, da equipe de salvamento destacou-se o médico, único capaz de compreender toda a extensão do drama vivido pelo Dr. Brasil, que num gesto invejável abraçou-o, retirando-o da frente daquele soldado que fora incapaz de agir com um verdadeiro Bombeiro, atuando somente como uma “autoridade” ofendida em seus brios, por não ter sido acolhido subservientemente pelo médico, a quem somente importava a vida de um ser humano como ele.
Torço para que o Dr. Brasil Brasileiro da Silva se torne um ícone para a libertação nacional dos exploradores contumazes deste país tão rico, tão maravilhoso, mas espoliado e destroçado pela ganância e avidez de um bando de aproveitadores da ingenuidade popular.
Evaldo D´Assumpção – Médico e Escritor.

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