O poder Executivo, particularmente a presidente, deveria ser mais competente.
Por Patricia Fachin*
“A história recente de um país é condicionada por toda a história precedente”, diz o economista Rodolfo Hoffmann em entrevista, ao comentar a atual crise econômica do país. Entre as respostas para compreender a conjuntura, o economista relembra medidas tomadas no final de 2011, durante o primeiro mandato da presidente Dilma, como a redução do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) de automóveis e de outros produtos industriais, e a manutenção artificial dos preços da gasolina e da energia elétrica, que já somaram R$ 458 bilhões em desonerações. Para ele, o primeiro mandato da presidente Dilma foi influenciado “por um keynesianismo ingênuo ou simplório, no qual se acredita que basta aumentar a demanda para incentivar o crescimento econômico”.
Eis a entrevista:
Como o senhor está analisando a atual conjuntura econômica?
Por um lado, estou preocupado com a desorientação do governo federal, com divergências dentro do próprio poder Executivo e uma disputa de vaidades no Legislativo. Por outro lado, confio que a solução ocorra dentro das instituições democráticas de nossa República. É um absurdo pensar que a solução possa vir de uma ditadura militar. Confio que a liberdade de expressão, a liberdade da imprensa e a independência do Judiciário sejam conquistas definitivas do povo brasileiro.
O senhor afirma que o problema de desequilíbrio fiscal foi agravado por medidas tomadas no primeiro mandato da presidente Dilma. Quais foram os erros cometidos pela equipe econômica?
Hoje até mesmo a Presidente já reconheceu que foram cometidos erros na condução da política econômica. Foi um erro, por exemplo, reduzir o IPI de automóveis e de outros produtos industriais. Foi um erro, também, segurar artificialmente os preços da gasolina e da energia elétrica. Não se trata de argumentar que o governo não deve interferir no “livre” funcionamento dos mercados. O bom funcionamento do capitalismo exige, sim, que o Estado regule os mercados. O jogo não funciona sem regras e sem juiz. Mas o juiz não pode jogar no lugar de um jogador porque ele está muito cansado. Fica a impressão de que durante o primeiro mandato de Dilma, a política econômica foi muito influenciada por um keynesianismo ingênuo ou simplório, no qual se acredita que basta aumentar a demanda para incentivar o crescimento econômico.
Como os erros cometidos poderiam ter sido evitados? Que outras medidas poderiam ter sido tomadas?
Pergunta difícil de responder com profundidade. É fácil responder com superficialidade: o poder Executivo, particularmente a presidente, deveria ser mais competente; o PT não deveria se dedicar tanto ao aparelhamento do Estado, respeitando mais as análises de políticos e economistas com avaliações distintas da conjuntura econômica; o Legislativo deveria fiscalizar o Executivo e se dedicar a elaborar leis claras e apropriadas e os partidos políticos deveriam apresentar alternativas bem elaboradas para que os eleitores pudessem fazer escolhas com conhecimento de suas consequências.
Gostamos de explicações simples, mas de fato a história recente de um país é condicionada por toda a história precedente. Embora Hitler tenha sua parcela de culpa, é obviamente um absurdo dizer que ele é o único culpado pela II Guerra Mundial. Uma das causas do atual desequilíbrio fiscal é a ineficiência da máquina pública. Essa ineficiência se torna catastrófica com greves que se prolongam por meses, como está ocorrendo em diversas universidades federais.
À época do primeiro governo Dilma, o ex-ministro Guido Mantega afirmava que a economia estava bem, como a própria presidente, durante as eleições, afirmou. Agora, diante da crise, depois de menos de um ano, parece que a situação que se desenha é mais grave do que se imaginava. Não foi possível prever o que estava por vir ou o que aconteceu?
Não é sem motivo que a presidente Dilma tem sido representada com nariz de Pinóquio. No esforço de ganhar as eleições em 2014, a candidata Dilma e seus assessores pintaram um quadro róseo da economia e a necessidade de um ajuste fiscal foi apontada como ideia descabida da oposição. Agora ela reconhece a necessidade de remédios amargos. É possível que a candidata Dilma tenha sido sincera no seu erro de avaliação, mas já havia, sim, sinais claros de desequilíbrio.
O ajuste fiscal que está sendo feito pelo governo Dilma é inevitável, dada a situação da crise?
Não há dúvida de que há necessidade de ajuste fiscal. Isso fica óbvio quando o Executivo envia ao Congresso um projeto de orçamento para 2016 com déficit de R$ 30,5 bilhões. Infelizmente, nem se pode dizer que o ajuste necessário “está sendo feito pelo governo Dilma”. Por enquanto (11/09/2015) foi muito pouco o que o Ministro Levy conseguiu fazer, pois o próprio poder Executivo mostra indecisão e o Legislativo tomou decisões que caracterizam verdadeira sabotagem do ajuste. A falta de confiança na efetiva realização do ajuste fiscal levou a Standart&Poor’s a rebaixar nota de crédito brasileira em 09/09/2015.
O ajuste fiscal já está impactando os programas sociais e as políticas públicas que vinham sendo desenvolvidas até o momento? De que modo?
Insisto: o ajuste ainda não foi feito. Houve as mudanças nas regras do Seguro Desemprego, que podem ser justificadas inclusive como maneiras de evitar abusos no recebimento do benefício. Também houve mudança nas regras da pensão por morte, obviamente necessária em função da crescente participação das mulheres no mercado de trabalho. Pelo que sei, não houve (e espero que não haja) impacto sobre programas sociais como o Programa Bolsa Família.
Como analisa o discurso da presidente, de que os remédios para a crise econômica serão amargos? Alguns especulam que se trata de cortar programas sociais.
O ajuste fiscal significa reduzir gastos do governo e/ou aumentar impostos. As duas possibilidades implicam reduzir a renda disponível de algumas pessoas, que irão sentir o remédio amargo. A analogia com remédio para uma pessoa doente não é perfeita. No caso de uma pessoa doente, apenas ela vai sentir o gosto amargo do remédio. Mas no caso do ajuste fiscal, tipicamente o ônus não será igualitariamente distribuído. Se for criada uma faixa adicional de imposto sobre a renda, com taxa superior aos 27,5% que hoje é a taxa máxima, serão os relativamente ricos que sentirão o gosto amargo. Se o piso das aposentadorias e pensões deixar de acompanhar o crescimento real do salário mínimo, passando a ser reajustado apenas pela inflação, são os aposentados e pensionistas que recebem esse piso que se sentirão diretamente prejudicados.
Eis a entrevista:
Como o senhor está analisando a atual conjuntura econômica?
Por um lado, estou preocupado com a desorientação do governo federal, com divergências dentro do próprio poder Executivo e uma disputa de vaidades no Legislativo. Por outro lado, confio que a solução ocorra dentro das instituições democráticas de nossa República. É um absurdo pensar que a solução possa vir de uma ditadura militar. Confio que a liberdade de expressão, a liberdade da imprensa e a independência do Judiciário sejam conquistas definitivas do povo brasileiro.
O senhor afirma que o problema de desequilíbrio fiscal foi agravado por medidas tomadas no primeiro mandato da presidente Dilma. Quais foram os erros cometidos pela equipe econômica?
Hoje até mesmo a Presidente já reconheceu que foram cometidos erros na condução da política econômica. Foi um erro, por exemplo, reduzir o IPI de automóveis e de outros produtos industriais. Foi um erro, também, segurar artificialmente os preços da gasolina e da energia elétrica. Não se trata de argumentar que o governo não deve interferir no “livre” funcionamento dos mercados. O bom funcionamento do capitalismo exige, sim, que o Estado regule os mercados. O jogo não funciona sem regras e sem juiz. Mas o juiz não pode jogar no lugar de um jogador porque ele está muito cansado. Fica a impressão de que durante o primeiro mandato de Dilma, a política econômica foi muito influenciada por um keynesianismo ingênuo ou simplório, no qual se acredita que basta aumentar a demanda para incentivar o crescimento econômico.
Como os erros cometidos poderiam ter sido evitados? Que outras medidas poderiam ter sido tomadas?
Pergunta difícil de responder com profundidade. É fácil responder com superficialidade: o poder Executivo, particularmente a presidente, deveria ser mais competente; o PT não deveria se dedicar tanto ao aparelhamento do Estado, respeitando mais as análises de políticos e economistas com avaliações distintas da conjuntura econômica; o Legislativo deveria fiscalizar o Executivo e se dedicar a elaborar leis claras e apropriadas e os partidos políticos deveriam apresentar alternativas bem elaboradas para que os eleitores pudessem fazer escolhas com conhecimento de suas consequências.
Gostamos de explicações simples, mas de fato a história recente de um país é condicionada por toda a história precedente. Embora Hitler tenha sua parcela de culpa, é obviamente um absurdo dizer que ele é o único culpado pela II Guerra Mundial. Uma das causas do atual desequilíbrio fiscal é a ineficiência da máquina pública. Essa ineficiência se torna catastrófica com greves que se prolongam por meses, como está ocorrendo em diversas universidades federais.
À época do primeiro governo Dilma, o ex-ministro Guido Mantega afirmava que a economia estava bem, como a própria presidente, durante as eleições, afirmou. Agora, diante da crise, depois de menos de um ano, parece que a situação que se desenha é mais grave do que se imaginava. Não foi possível prever o que estava por vir ou o que aconteceu?
Não é sem motivo que a presidente Dilma tem sido representada com nariz de Pinóquio. No esforço de ganhar as eleições em 2014, a candidata Dilma e seus assessores pintaram um quadro róseo da economia e a necessidade de um ajuste fiscal foi apontada como ideia descabida da oposição. Agora ela reconhece a necessidade de remédios amargos. É possível que a candidata Dilma tenha sido sincera no seu erro de avaliação, mas já havia, sim, sinais claros de desequilíbrio.
O ajuste fiscal que está sendo feito pelo governo Dilma é inevitável, dada a situação da crise?
Não há dúvida de que há necessidade de ajuste fiscal. Isso fica óbvio quando o Executivo envia ao Congresso um projeto de orçamento para 2016 com déficit de R$ 30,5 bilhões. Infelizmente, nem se pode dizer que o ajuste necessário “está sendo feito pelo governo Dilma”. Por enquanto (11/09/2015) foi muito pouco o que o Ministro Levy conseguiu fazer, pois o próprio poder Executivo mostra indecisão e o Legislativo tomou decisões que caracterizam verdadeira sabotagem do ajuste. A falta de confiança na efetiva realização do ajuste fiscal levou a Standart&Poor’s a rebaixar nota de crédito brasileira em 09/09/2015.
O ajuste fiscal já está impactando os programas sociais e as políticas públicas que vinham sendo desenvolvidas até o momento? De que modo?
Insisto: o ajuste ainda não foi feito. Houve as mudanças nas regras do Seguro Desemprego, que podem ser justificadas inclusive como maneiras de evitar abusos no recebimento do benefício. Também houve mudança nas regras da pensão por morte, obviamente necessária em função da crescente participação das mulheres no mercado de trabalho. Pelo que sei, não houve (e espero que não haja) impacto sobre programas sociais como o Programa Bolsa Família.
Como analisa o discurso da presidente, de que os remédios para a crise econômica serão amargos? Alguns especulam que se trata de cortar programas sociais.
O ajuste fiscal significa reduzir gastos do governo e/ou aumentar impostos. As duas possibilidades implicam reduzir a renda disponível de algumas pessoas, que irão sentir o remédio amargo. A analogia com remédio para uma pessoa doente não é perfeita. No caso de uma pessoa doente, apenas ela vai sentir o gosto amargo do remédio. Mas no caso do ajuste fiscal, tipicamente o ônus não será igualitariamente distribuído. Se for criada uma faixa adicional de imposto sobre a renda, com taxa superior aos 27,5% que hoje é a taxa máxima, serão os relativamente ricos que sentirão o gosto amargo. Se o piso das aposentadorias e pensões deixar de acompanhar o crescimento real do salário mínimo, passando a ser reajustado apenas pela inflação, são os aposentados e pensionistas que recebem esse piso que se sentirão diretamente prejudicados.
*Rodolfo Hoffmann é graduado em Agronomia, mestre em Ciências Sociais Rurais e doutor em Economia Agrária. É professor da Universidade de São Paulo (USP). A entrevista de Patricia Fachin foi publicada pelo IHU On-Line
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