domingo, 27 de setembro de 2015

O exemplo de grandes líderes nos momentos de crise

Mais à esquerda ou mais à direita, governantes com diferentes qualidades já mostraram como enfrentar crises. Nenhum se portou como um poste

MARCELO MOURA E MARCOS CORONATO
26/09/2015 - 10h05 - Atualizado 26/09/2015 10h05
Quando Bill Clinton assumiu a Presidência dos Estados Unidos, em 1992, encontrou uma taxa de desemprego de 7,5%, alarmante para os padrões americanos. A solução fácil para abrir postos de trabalho, na tradição de seu Partido Democrata, seria aumentar gastos públicos e criar barreiras contra produtos estrangeiros. Clinton resistiu à pressão e entrou para a história como um líder negociador, flexível e inteligente. Quando Margaret Thatcher se tornou primeira-
ministra do Reino Unido, em 1979, encontrou desafios igualmente formidáveis. O governo trabalhava com saldo negativo nas contas ano após ano, havia pedido um empréstimo ao Fundo Monetário Internacional e a inflação registrava 13% ao ano. Ao fazer o ajuste que se propôs, Thatcher enfrentou pressões de empresários, sindicalistas e políticos. Entrou para a história como uma líder transformadora, convicta das grandes reformas que precisava fazer.
 
Bill Clinton e Margaret Thatcher (Foto: Corbis)
Clinton e Thatcher mostram que há formas diferentes, embora igualmente eficazes, de liderar. Mostram também que a boa liderança, longe de caber numa fórmula única, pode ser alcançada por meio de diferentes conjuntos de qualidades, desde que preservados os pilares da governança moderna: democracia eresponsabilidade fiscal. Os estilos de Clinton e Thatcher se encaixariam bem nas definições de um dos pensadores seminais do tema, o historiador e cientista político americano James Burns, em 1978. Ele concluiu que há líderes transformadores e negociadores. O primeiro tipo é o melhor para mudar as crenças dos que o cercam e colocar sociedades inteiras num novo curso. O segundo tipo é o indicado para moldar novas relações com os que o cercam, obter mudanças graduais e administrar crises. Qualquer dos dois tipos seria bem-vindo no Brasil atual, preso entre um governo fraco e dividido e uma oposição confusa e oportunista. “Para reformar, umgoverno deve se dispor a enfrentar interesses bem representados e de curto prazo, em favor de ganhos difusos no longo prazo”, dizFernando Schüler, professor de ciência política do Insper. “Isso requer um líder.”
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Thatcher e Clinton fazem parte da última geração de líderes do fim da Guerra Fria, segundo o cientista político Carlos Melo, também professor do Insper. Após o fim do comunismo, diz Melo, prevaleceu uma visão de Estado que despreza a política e acredita que as principais questões podem ser resolvidas pela economia e com pragmatismo gerencial. A ascensão da presidente Dilma Rousseff é em parte fruto dessa mentalidade. Ela chegou ao Palácio do Planaltoem sua primeira eleição, com trajetória pública restrita a cargos burocráticos.
 
Thatcher, aos 24 anos, na primeira campanha (Foto: Chris Ware/Getty Images)
Thatcher e Clinton, em contraste, subiram uma longa escadaria política. Amadureceram em eleições distritais, que requerem do candidato mais ideias e menos padrinhos. Em 1950, Thatcher era a mais jovem e a única mulher a disputar o cargo de representante do distrito de Dartford no Parlamento britânico. Thatcher perdeu duaseleições, mas sua oratória impressionante reduziu a vantagem dos adversários na região e fez dela uma estrela no Partido Conservador. Chegou ao Parlamento na quarta tentativa, em 1959. Depois disso, fez cursos de locução, para tornar a voz mais segura e menos juvenil. Na mesma época, em 1963, Clinton desistiu da carreira de saxofonista devido a dois episódios: ouviu no rádio o discurso “Eu tenho um sonho”, de Martin Luther King, e visitou o presidente John Kennedy, na Casa Branca, como “senador mirim” pelo Arkansas. Quando se tornou governador, Clinton tinha 32 anos e já era um veterano. Devagar, Thatcher e Clinton desenvolveram qualidades que, segundo Melo, são essenciais para um líder: visão de futuro, persuasão, persistência, humildade, diplomacia e visão de mundo.
Clinton, aos 16 anos, com o presidente John Kennedy (Foto: Arnold Sachs/Getty Images)
VISÃO DE FUTURO
Havia oito anos que Thatcher lutava para reduzir gastos públicos, em 1987. Ela havia feito um forte ajuste na economia – a inflação caíra de 13% para menos de 5% ao ano, e o orçamento público chegava perto do primeiro saldo positivo. Mas ainda havia decisões difíceis a tomar. Conselheiros, incluindo executivos de empresas como a Rolls-Royce, incentivavam Thatcher a preservar investimento de apoio à indústria no desenvolvimento de novas tecnologias. Mesmo sob pressão, a líder evocou seus princípios: queria uma Inglaterra confiante no livre mercado e menos dependente do governo. Assumiu pessoalmente a chefia do Gabinete de Ciência e Tecnologia e anunciou que o governo se concentraria no indispensável, a ciência básica das universidades, que demora mais a mostrar resultados. Mostrou visão de longo prazo.
PERSUASÃO
A firmeza de convicções não dispensa um bom líder de saber persuadir. Ele deve convencer os aliados das vantagens de seguir o rumo indicado. Para os adversários, o líder deve deixar claro, ao menos, que tem um rumo. Thatcher aprendeu isso ao longo de sua carreira política. Em 1971, quando era secretária de Educação do Reino Unido, defendeu que o governo abrisse mão de um objetivo adotado na década anterior –  garantir acesso ao ensino superior de todo cidadão apto para isso. Thatcher concluiu que o esforço drenava recursos preciosos, que ela preferiria concentrar no ensino fundamental. Explicou a ideia ao então primeiro-­ministro, Edward Heath, e deixou claro que haveria pela frente um embate contra universidades e estudantes. Por isso, parte do esforço da reforma foi dirigida a esclarecer eleitores. Habilmente, Thatcher propôs simultaneamente o corte de gasto com as universidades e o aumento de gasto com o ensino fundamental.
PERSISTÊNCIA
Líderes devem manter o vigor para enfrentar desafios. Na reta final de seu governo, em 1989, Thatcher mantinha o fôlego para entrar em brigas difíceis. Naquele momento, 60 portos britânicos eram ineficientes, em comparação com os de outras economias desenvolvidas. O sistema então vigente havia sido adotado logo após a Segunda Guerra Mundial, para proteger os trabalhadores de jornadas abusivas, informalidade e falta de segurança no trabalho. Quatro décadas depois, havia se tornado um sistema fossilizado, que garantia a 9 mil estivadores estabilidade no emprego. A primeira-­ministra lembrava quão duro havia sido o confronto com os empregados das minas de carvão, em 1984, quando ela reformara as regras trabalhistas do setor. Não esmoreceu e aboliu o sistema de trabalho nos portos. Os estivadores fizeram greve por quatro meses e levaram a disputa à Justiça. Perderam e votaram por encerrar a greve.
HUMILDADE
Clinton fracassou na primeira experiência como governador de Arkansas. Sem dinheiro em caixa para cumprir seu plano, adotou um impopular aumento de impostos que lhe custou a reeleição. “Meu governo foi desastroso”, disse em 1982, quando voltou ao poder. Aprendeu com o erro. Encomendou plebiscitos para decidir prioridades e dividir a responsabilidade por decisões amargas. Governou o Arkansas por mais quatro mandatos, até chegar à Presidência. Na Casa Branca, mobilizou sua maioria no Congresso para aprovar uma reforma da Saúde. Perdeu a batalha e, nas eleições parlamentares, perdeu a maioria. Aprendeu a governar em minoria.
DIPLOMACIA
“A era do governo que impõe suas vontades acabou”, disse Clinton, ao perder a maioria no Congresso. Em vez de se sentir acuado, buscou apoio na oposição e capturou para o Partido Democrata o centro da política americana – um movimento que não foi desfeito até hoje. Na economia, Clinton adotou a agenda liberal. Convidou para o Banco Central egressos do mercado financeiro – a combinação entre políticos social-democratas e economistas liberais está no cerne do que os cientistas políticos chamam de “nova esquerda”. Pela primeira vez em décadas, o governo americano se comprometeu a não gastar mais do que arrecadava – e obteve saldo positivo. Clinton convenceu a oposição de que a reforma da assistência social também atendia às prioridades do Partido Republicano. Enfrentou o sindicato dos professores, ao criar uma avaliação nacional de qualidade de ensino. Ao mesmo tempo, aumentou o investimento em educação. Enfrentou o sindicato dos metalúrgicos, ao assinar o tratado de livre-comércio com Canadá e México. Ao mesmo tempo, aumentou o salário mínimo e conseguiu a menor taxa de inflação em 30 anos. Nunca um governo americano criou tantos empregos: 23 milhões – 92% deles na iniciativa privada. “O melhor programa social é um bom emprego”, disse.

VISÃO DE MUNDO
“Clinton é nosso primeiro presidente negro. Mais negro que qualquer negro que poderia ser eleito durante a vida de nossos filhos”, disse em 1998 Toni Morrison, escritora negra ganhadora dos prêmios Pulitzer e Nobel. Toni via em Clinton a capacidade de entender o assalariado pobre  americano. “Trabalhei por dois anos no comitê de relações exteriores do Senado, pela oportunidade de trabalhar a cada dia contra uma guerra pela qual desenvolvi um tipo de desgosto que eu só tinha pelo racismo”, escreveu Clinton, em 1969, para o sargento que o livrou da farda. Eram tempos de Guerra do Vietnã. Clinton já estava em outra. Em 1992, na campanha eleitoral, disse que experimentou maconha. Eleito presidente, proibiu a discriminação contra gays e lésbicas nas Forças Armadas, com a doutrina “eu não pergunto e você não responde”. Forjou a postura dos Estados Unidos como líder único de uma ordem mundial pós-Guerra Fria. Apostou na globalização econômica. Patrocinou a entrada da China na Organização Mundial de Comércio. Nada disso era natural quando Clinton bancou suas apostas, décadas atrás. Para enxergar o caminho milhas à frente, é preciso farol alto. Poste ilumina só perto – e sem direção definida. 

Um comentário:

  1. Margareth Thatcher... ora faz favor, Padre Geovane......!!!! não vou nem comentar.
    Graças a Deus, se foi! E vimos como foi suas "exéquias". Não foi bem uma despedida de um povo "agradecido" por sua gestão.

    E quanto a isto aqui:
    "Após o fim do comunismo, diz Melo, prevaleceu uma visão de Estado que despreza a política e acredita que as principais questões podem ser resolvidas pela economia e com pragmatismo gerencial. A ascensão da presidente Dilma Rousseff é em parte fruto dessa mentalidade. Ela chegou ao Palácio do Planalto em sua primeira eleição, com trajetória pública restrita a cargos burocráticos."

    É não saber nada do que se passa no gerenciamento da Presidenta.
    É não ter noção do seu trabalho e o de seu antecessor.
    O Papa Francisco, que não mora aqui, sabe melhor. Muito melhor.




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