terça-feira, 29 de setembro de 2015

Palavra de Deus

Nela, podemos encontrar indicações para resgatar valores que a sociedade tende a marginalizar.
Por Dom Jaime Spengler*
O mês de setembro é dedicado à Bíblia. A Bíblia, com seus 73 livros, oferece a verdade de Deus a todos os homens e mulheres para sua salvação. O cristianismo é a religião da palavra de Deus, não de uma palavra escrita e muda, mas do verbo feito carne e vivo. Por isso, o futuro da Igreja e o futuro do mundo se encontram na palavra de Deus, que conserva e apresenta a promessa de Deus para todos os tempos e povos.
O estudo da Bíblia se torna imperativo, pois ela é palavra pronunciada por Deus, com a graça de nos comunicar e restituir a identidade mesma do ser humano: é filho de Deus e irmão entre irmãos!
Experimentamos uma mudança de época. Participamos de transformações que atingem todos os setores da vida humana. Essas transformações atingem as expressões de fé de nosso povo, marcadas por momentos, rotatividade, individualização, comercialização, descrédito.
Também a atividade política está marcada por transformações e descredito. A população brasileira acompanha, apreensiva, a grave crise que atinge o país, procurando conhecer suas origens, resistir às suas consequências e, sobretudo, vislumbrar as soluções.
Diante da mudança de época, da crise em que vivemos, somos convocados a dar atenção ao elementar da vida. As coisas mais elementares da vida são as mais importantes: a intimidade familiar, a solidariedade, a partilha, o trabalho para viver, a palavra de Deus. São aspectos da vida que apresentam não poucas dificuldades.
Nesse contexto, causa talvez estranheza afirmar que a palavra de Deus seja importante. É muito importante! Nela, podemos encontrar indicações seguras para resgatar valores que a sociedade tende a marginalizar. De fato, nossa sociedade tudo consome, mas não queima e não arde, ao contrário da sarça ardente (Ex 3,2), que arde e não se consuma.
Mas será que Deus e sua palavra ainda encontram lugar em nossa cultura e sociedade? Não seria urgente a necessidade de reencontrar uma linguagem, um modo de falar de Deus, de apresentar sua palavra, compreensível à nossa época?
Deus é certamente dizível. É também uma necessidade radical do ser humano de todos os tempos. Quanto mais o ser humano se abre à possibilidade da experiência do encontro com Deus e sua Palavra, e depois recontar essa experiência, tanto mais será capaz de abordar questões fundamentais da convivência humana, como amor, perdão, respeito, solidariedade, piedade, fragilidade, esperança, saúde, integridade, honra, filiação, caridade, pecado, fé, prece.
A familiaridade com a palavra e o empenho por tornar Deus dizível à hodierna sociedade vão demonstrando e ensinando que ninguém "possui" a verdade. O que atingimos são afirmações verdadeiras! Quem pretende ter a verdade não compreendeu o que seja a verdade, pois a verdade é um mostrar-se constante, um desvelar-se generosa e gratuitamente no tempo.
Deus é eterno! A palavra é eterna! Por isso, em todos os tempos é possível recorrer à palavra para, na intimidade, no medir-se com ela e por ela, no buscar viver no hoje da história a partir da palavra, no fazer d'ela alimento para o cotidiano, encontrar indicações seguras para bem viver.
O tempo histórico impõe escolhas. Diante disso, é possível enclausurar-se na própria identidade, na própria compreensão – e isso significa sectarismo, ou erguer o olhar buscando horizontes mais amplos.
Apresenta-se, assim, o nosso grande desafio. Não basta reafirmar as próprias raízes. Urge confrontá-las com outras possíveis experiências, ampliando horizontes. Aqui se expressa a exigência daquilo que a tradição denominou obra do discernimento. Ora, a obra do discernimento pressupõe disposição para o estudo, o confronto com a palavra de Deus, a prece e o diálogo.
Não estaria aqui o indício de um caminho possível para a superação da crise que experimentamos e que atinge distintas dimensões da vida humana?
CNBB 28-09-2015.
*Dom Jaime Spengler é arcebispo de Porto Alegre.

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