segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Convocação inapelável para a classe de 59

Você se dá conta que não sabe quantos são os homens nascidos em 1959.
Por Ricardo Soares*
Toda manhã você escapa, silencioso e sinuoso como uma cobra, para uma mal cuidada pista de corrida , num mal cuidado parque da cidade, onde combate sua diabetes com mal cuidado percurso matinal feito com respiração ofegante.
Mas essa manhã, depois da caminhada, você descobre nos jornais, em recados dados no rádio e na Internet  que uma curiosa convocação está sendo feita e você está incluído nela. Todos os homens desse país, nascidos no ano de 1959 , estão sendo convocados para a batalha. Mesmo os que já morreram.
De repente você se dá conta que não sabe quantos são os homens nascidos em 1959 que ainda estão vivos nesse país. Foi preciso você pensar nisso para perceber  finalmente que não é mais jovem embora queira ser.  Todos os nascidos em 1959 estão convocados para  a batalha. Não há o que fazer. Não há como fugir. Devem estar agora na linha de frente retribuindo o sacrifício que alguns jovens antes já fizeram.
Aí você pensa o que pode unir, o que pode ser um ponto em comum entre você e alguns muitos nascidos em 1959 . Terem gostado, visto, voado e se identificado com o Nacional Kid? Terem acompanhado as aventuras de Carlos, o vigilante rodoviário , e Lobo , o seu fiel cão? Terem sido marcados para sempre pela Copa de 70 no México onde o Brasil foi tri-campeão? Terem ido dormir muitas vezes com o jingle dos cobertores Parahyba , “tá na hora de dormir, não espere a mamãe mandar?”.
Se os pontos em comum agora importam é porque vocês todos juntos estarão a cerrar fileiras para defender a todos nós. A classe de 1959. O surpreendente é que com essa cármica designação todos receberam também o dom de ver o dia em que nasceram em 1959.
De meu lado, antes de ver, eu ouvi Cely Campelo cantando que tomava banho de lua e ficava clara como a neve. O luar era tão cândido  e em uma noite muito fria minha mãe se esvaiu em sangue numa mal protegida cama cirúrgica – só um lençolzinho sobre ela – para me parir. Foi um  parto difícil e desde aquele dia até o fim de sua vida ela sofreu com uma bronquite incurável.
Roxo, gordo e cabeludo eu vim ao mundo  e agora o maior pedágio me é cobrado com muitos dos meus “colegas” de classe de 1959. Devo me sacrificar e ir para o campo de batalha. É uma dor canalha.
*Ricardo Soares é escritor, diretor de tv, roteirista e jornalista. Autor de sete livros escreveu crônicas para os jornais “O Estado de S.Paulo”, “Diário do Grande ABC”, “Jornal da Tarde” e revista “Rolling Stone” onde integrou o conselho editorial.

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