Por José Couto Nogueira*
Ontem, domingo dia 4, os portugueses foram pela 14ª vez às urnas, para elegerem um novo Parlamento, de onde sairá o 20º Governo Constitucional. Após 48 anos de ditadura reacionária, há muito ultrapassada pela História, em 1976 foi votada uma constituição democrática, e nestes 39 anos o país elegeu 12 legislaturas (com uma única câmara de deputados) e teve 12 primeiros-ministros (o executivo governa, e o Presidente da República tem um papel moderador e poderes restritos). O sistema tem funcionado com grande estabilidade e o mix de partidos poucas alterações sofreu.
Começando à esquerda, há o Partido Comunista Português (PCP), ortodoxo, leninista (considerado por muitos como estalinista, embora não tenha tido ocasião de praticar o método), que nunca aprovou um único orçamento de Estado e recusa sistematicamente alianças, constituindo uma força de bloqueio de quaisquer reformas de esquerda, que considera exclusivo seu, e sempre com cerca de 10% dos votos. Outro partido comunista, o Bloco de Esquerda (BE), mais moderninho, que incorpora várias tendências (trotskistas, maoistas, etc), e defende políticas mais ousadas e controversas (como liberalização das drogas leves, aborto, igualdade LGTB) e que tem variado entre os 4% e os 8%. Depois o grande partido de centro esquerda, o Partido Socialista (PS), há anos mais social-democrata ao estilo Tony Blair, e que tem dividido o poder com o outro grande agrupamento português, o Partido Social-Democrata(PSD), que nas últimas legislaturas foi tomado pela ala do ultra-liberalismo económico, tipo Escola de Chicago. Finalmente, à direita fica um pequeno partido conservador, às vezes democrata-cristão, outras vezes apenas oportunista, e que tem conseguido chegar ao poder coligando-se com o PSD.
O país só viu em três ocasiões maiorias absolutas de um só partido, duas com o PSD e uma com o PS. A que vigorou nos últimos quatro anos resultou da soma dos deputados do PSD e do CDS após eleições, e conseguiu cumprir o mandato inteiro. Um feito notável, pois Portugal entrou em bancarrota em 2011 (Governo PS) e teve de se submeter a um programa sufocante orientado pelo FMI – que o Brasil tão bem conhece... A Coligação PSD/CDS não só cumpriu todas as obrigações exigidas pelos credores como ainda foi mais além num programa ultra-liberal, que incluiu privatização de todas as grandes empresas nacionais, como a TAP e a EDP (energia) e severas restrições aos mais pobres, reformados, aposentados e funcionários públicos. Meio milhão de portugueses, sobretudo jovens com formação superior, foi obrigado a emigrar. O salário médio nacional baixou e as condições de trabalho pioraram sensivelmente. Mas, por outro lado, Portugal tem cumprido as suas obrigações internacionais, viu a classificação da dívida ser melhorada e aumentou substancialmente as exportações, que pela primeira vez em 2015 ultrapassaram os 51% do PIB. Ou seja, conforme disse um Ministro, severamente criticado por dizê-lo: “Os portugueses podem estar pior, mas o país está muito melhor”.
Neste quadro, todos esperavam que as eleições de ontem dessem uma vitória retumbante ao PS. Mas o novo líder do partido, António Costa, não conseguiu convencer o eleitorado de que os socialistas, responsáveis pela bancarrota, seriam capazes de reverter a situação de penúria ocorrida nos últimos quatro anos. Por outro lado, acham que o pior já passou e que as politicas ultra-liberais da Coligação, apesar de terríveis, vão no caminho de tornar o país economicamente viável.
Os resultados de ontem (provisórios a esta hora, mas garantidos) dão uma vitória à Coligação CDS/PSD, que contudo perde a maioria absoluta na Câmara dos Deputados. O PS fica num desonroso segundo lugar e o BE sobe, ultrapassando o PCP.
Nas suas declarações pós-contagem dos votos, domingo à noite, todos os partidos declararam vitória. A Coligação PSD/CDS porque efectivamente ganhou; o PS, porque conseguiu retirar a maioria à Coligação; o BE, porque duplicou a sua representação parlamentar, atingido a mais alta de sempre; e o PCP porque demonstrou a sua força e mais uma vez derrotou a reacção (embora tenha perdido deputados...).
Contudo a estabilidade da nova Câmara está seriamente comprometida. O país vai ser governado por uma minoria de direita(porque foi a mais votada, mas os três partidos oficialmente de esquerda, PS, BE e PCP, têm a maioria.
Porque não se coligam, então?
Isso nunca aconteceu, nem poderá acontecer. Para o PCP, o PS é um partido de direita. O BE só aceitaria coligar-se com o PS se este partido, que é dez vezes maior, aceitasse as reformas comunizantes do Bloco – coisa que a ala menos esquerdista do PS jamais aceitaria.
Mas, se os partidos de esquerda não se conseguem coligar, certamente que votarão juntos para fazer a vida impossível à Coligação, tornando o país efectivamente ingovernável. Por razões constitucionais, a próxima eleição só poderá ocorrer daqui a seis a oito meses.
Resumindo: todos os partidos estão satisfeitos com seus ganhos (menos o PS, que contudo não o admite) mas o próximo governo não conseguirá aprovar o orçamento nem fazer votar praticamente nenhuma legislação. O país ficará naquilo a que se chama “gestão corrente”, uma situação muito má para o crédito internacional e, evidentemente, para os cidadãos, que verão reformas e mesmo a manutenção dos equipamentos e programas básicos seriamente ameaçadas.
Mais uma vez, o jogo de xadrez partidário deixa os peões sem o apoio das torres, bispos e cavalos...
Ontem, domingo dia 4, os portugueses foram pela 14ª vez às urnas, para elegerem um novo Parlamento, de onde sairá o 20º Governo Constitucional. Após 48 anos de ditadura reacionária, há muito ultrapassada pela História, em 1976 foi votada uma constituição democrática, e nestes 39 anos o país elegeu 12 legislaturas (com uma única câmara de deputados) e teve 12 primeiros-ministros (o executivo governa, e o Presidente da República tem um papel moderador e poderes restritos). O sistema tem funcionado com grande estabilidade e o mix de partidos poucas alterações sofreu.
Começando à esquerda, há o Partido Comunista Português (PCP), ortodoxo, leninista (considerado por muitos como estalinista, embora não tenha tido ocasião de praticar o método), que nunca aprovou um único orçamento de Estado e recusa sistematicamente alianças, constituindo uma força de bloqueio de quaisquer reformas de esquerda, que considera exclusivo seu, e sempre com cerca de 10% dos votos. Outro partido comunista, o Bloco de Esquerda (BE), mais moderninho, que incorpora várias tendências (trotskistas, maoistas, etc), e defende políticas mais ousadas e controversas (como liberalização das drogas leves, aborto, igualdade LGTB) e que tem variado entre os 4% e os 8%. Depois o grande partido de centro esquerda, o Partido Socialista (PS), há anos mais social-democrata ao estilo Tony Blair, e que tem dividido o poder com o outro grande agrupamento português, o Partido Social-Democrata(PSD), que nas últimas legislaturas foi tomado pela ala do ultra-liberalismo económico, tipo Escola de Chicago. Finalmente, à direita fica um pequeno partido conservador, às vezes democrata-cristão, outras vezes apenas oportunista, e que tem conseguido chegar ao poder coligando-se com o PSD.
O país só viu em três ocasiões maiorias absolutas de um só partido, duas com o PSD e uma com o PS. A que vigorou nos últimos quatro anos resultou da soma dos deputados do PSD e do CDS após eleições, e conseguiu cumprir o mandato inteiro. Um feito notável, pois Portugal entrou em bancarrota em 2011 (Governo PS) e teve de se submeter a um programa sufocante orientado pelo FMI – que o Brasil tão bem conhece... A Coligação PSD/CDS não só cumpriu todas as obrigações exigidas pelos credores como ainda foi mais além num programa ultra-liberal, que incluiu privatização de todas as grandes empresas nacionais, como a TAP e a EDP (energia) e severas restrições aos mais pobres, reformados, aposentados e funcionários públicos. Meio milhão de portugueses, sobretudo jovens com formação superior, foi obrigado a emigrar. O salário médio nacional baixou e as condições de trabalho pioraram sensivelmente. Mas, por outro lado, Portugal tem cumprido as suas obrigações internacionais, viu a classificação da dívida ser melhorada e aumentou substancialmente as exportações, que pela primeira vez em 2015 ultrapassaram os 51% do PIB. Ou seja, conforme disse um Ministro, severamente criticado por dizê-lo: “Os portugueses podem estar pior, mas o país está muito melhor”.
Neste quadro, todos esperavam que as eleições de ontem dessem uma vitória retumbante ao PS. Mas o novo líder do partido, António Costa, não conseguiu convencer o eleitorado de que os socialistas, responsáveis pela bancarrota, seriam capazes de reverter a situação de penúria ocorrida nos últimos quatro anos. Por outro lado, acham que o pior já passou e que as politicas ultra-liberais da Coligação, apesar de terríveis, vão no caminho de tornar o país economicamente viável.
Os resultados de ontem (provisórios a esta hora, mas garantidos) dão uma vitória à Coligação CDS/PSD, que contudo perde a maioria absoluta na Câmara dos Deputados. O PS fica num desonroso segundo lugar e o BE sobe, ultrapassando o PCP.
Nas suas declarações pós-contagem dos votos, domingo à noite, todos os partidos declararam vitória. A Coligação PSD/CDS porque efectivamente ganhou; o PS, porque conseguiu retirar a maioria à Coligação; o BE, porque duplicou a sua representação parlamentar, atingido a mais alta de sempre; e o PCP porque demonstrou a sua força e mais uma vez derrotou a reacção (embora tenha perdido deputados...).
Contudo a estabilidade da nova Câmara está seriamente comprometida. O país vai ser governado por uma minoria de direita(porque foi a mais votada, mas os três partidos oficialmente de esquerda, PS, BE e PCP, têm a maioria.
Porque não se coligam, então?
Isso nunca aconteceu, nem poderá acontecer. Para o PCP, o PS é um partido de direita. O BE só aceitaria coligar-se com o PS se este partido, que é dez vezes maior, aceitasse as reformas comunizantes do Bloco – coisa que a ala menos esquerdista do PS jamais aceitaria.
Mas, se os partidos de esquerda não se conseguem coligar, certamente que votarão juntos para fazer a vida impossível à Coligação, tornando o país efectivamente ingovernável. Por razões constitucionais, a próxima eleição só poderá ocorrer daqui a seis a oito meses.
Resumindo: todos os partidos estão satisfeitos com seus ganhos (menos o PS, que contudo não o admite) mas o próximo governo não conseguirá aprovar o orçamento nem fazer votar praticamente nenhuma legislação. O país ficará naquilo a que se chama “gestão corrente”, uma situação muito má para o crédito internacional e, evidentemente, para os cidadãos, que verão reformas e mesmo a manutenção dos equipamentos e programas básicos seriamente ameaçadas.
Mais uma vez, o jogo de xadrez partidário deixa os peões sem o apoio das torres, bispos e cavalos...
*O jornalista José Couto Nogueira, nascido em Lisboa, tem longa carreira feita dos dois lados do Atlântico. No Brasil foi chefe de redação da Vogue, redator da Status, colunista da Playboy e diretor da Around/AZ. Em Nova Iorque foi correspondente do Estado de São Paulo e da Bizz. Tem três romances publicados em Portugal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário