Resíduos sólidos poderiam movimentar até R$ 10 milhões por ano só com a reciclagem.
Por Mônica Prestes
Todos os dias, cada habitante de Manaus produz, em média, 1,272 kg de todo tipo de lixo e boa parte dele nem deveria ser chamada assim. O que a gente joga fora e nenhum dos garis e catadores retira das ruas ou dos Pontos de Entrega Voluntária (PEVs) poderia movimentar aproximadamente R$ 10 milhões por ano só com a reciclagem.
Mas, em vez de gerar riqueza, 98,8% das 2.621,429 toneladas de resíduos sólidos coletadas diariamente pela prefeitura ainda são descartadas sem passar por essa etapa, acelerando o fim da vida útil do aterro da capital – que tem, hoje, não mais que cinco anos – e trazendo à tona uma pergunta: onde nosso lixo vai parar?
“Muita gente pensa que o problema termina quando ela coloca a sacolinha pra fora do portão, mas não: É ali que ele começa”, lembra Vanderlei Soares Coelho, 50, que dedicou os últimos 21 anos da vida dele a garimpar materiais recicláveis em meio a montanhas de resíduos no lixão do Município de Novo Airão (a 180 quilômetros de Manaus), às margens da rodovia AM-070, um dos muitos a céu aberto espalhados pelos 61 municípios do interior do Amazonas, que amargam situação ainda mais preocupante que a capital.
E o Vanderlei está certo, segundo o estudo Perspectivas 2014, elaborado pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) e publicado em agosto: nossa geração de lixo está crescendo em um ritmo bem maior que a população e a maior parte dela não está sendo reaproveitada como poderia – e deveria. O levantamento revelou que, enquanto o crescimento populacional do Brasil nos últimos cinco anos (2010-2014) foi de 6%, nossa geração de lixo aumentou 29% e a evolução do que teve o destino correto aumentou apenas 0,8% no último ano.
No Amazonas, dados da Abrelpe e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que, em 2014, cada habitante do Estado produzia 0,936 quilos de resíduos por dia. Em Manaus, essa quantidade, nos oito primeiros meses de 2015, foi 35% maior: 1,272 quilos diários, de acordo com a Secretaria Municipal de Limpeza Urbana e Serviços Públicos (Semulsp). Ainda segundo a secretaria, a média mensal de resíduos sólidos coletados em Manaus cresceu 20,6% se comparada com 2005, acumulando, ao longo dos últimos dez anos, mais de 10 milhões de toneladas de lixo – e quase tudo foi parar no mesmo lugar: o aterro.
Alerta
Quantidade suficiente para sobrecarregar uma estrutura que, em funcionamento desde 1986, a cada dia se aproxima mais do limite de operação, de acordo com um estudo realizado pela empresa Fral em 2014, para subsidiar um Termo de Ajustamento de Conduta Administrativo (Taca) que apontou, no início do ano passado, vida útil de cinco anos e sete meses para o aterro sanitário de Manaus. Alterações feitas na estrutura dele no ano passado, no entanto, ampliaram essa capacidade para suportar os próximos cinco anos, informou o titular da Semulsp, Paulo Farias.
“A situação é alarmante. Manaus é o único município do Amazonas que possui aterro sanitário, e ele está chegando perto do limite. No interior, na maior parte das cidades não se tem ideia do que fazer”, alertou o titular da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), Antônio Stroski.
De acordo com Paulo Farias, a proposta da prefeitura é terceirizar o serviço dentro dos próximos cinco anos. “As grandes cidades não constroem mais aterros próprios, elas contratam. A prefeitura vai licitar serviços de disposição final de resíduos. Isso, com certeza, antes do final da vida útil do nosso aterro”, explicou o secretário.
Coleta seletiva a passos lentos
A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) estabelece o ano de 2018 como “data limite” para as prefeituras de capitais e Regiões Metropolitanas do País se adequarem à nova legislação. O prazo inicial, agosto de 2014, terminou sem que a maioria das cidades brasileiras – entre elas todas as amazonenses – conseguisse se adequar à PNRS, que faz uma série de exigências, entre elas implantar aterros sanitários e instituir a coleta seletiva.
Realidade bem distante da encontrada no Amazonas, onde a capital, a única cidade do Estado a ter aterro sanitário, ainda esbarra na implantação da logística reversa – responsabilidade compartilhada dos geradores de resíduos pela coleta e reaproveitamento – para elevar a coleta seletiva, explica o engenheiro ambiental da Semulsp, Alcemir Oliveira.
De acordo com o engenheiro, apenas 14,9% da população de Manaus é atendida pelo sistema de coleta seletiva, que conta com apenas quatro veículos coletores para atender uma cidade com mais de 2 milhões de habitantes. A taxa de reciclagem em Manaus – 1,2% – ainda é pequena, mas representa sete vezes mais do que a de 2013, quando a prefeitura submeteu à coleta seletiva pífios 0,17% das mais de 947 mil toneladas de resíduos coletadas nos domicílios.
O secretário da Semulsp, Paulo Farias, esclareceu que a logística reversa deve ser regulamentada por acordos setoriais que estão sendo discutidos em Brasília. Além disso, a expansão da reciclagem depende da demanda da indústria. “A reciclagem não é só coleta seletiva, ela depende da indústria de transformação, que é outro gargalo. É preciso que haja a devida capacidade de processamento para que esse potencial da reciclagem seja concretizado”, lembrou.
No interior, o problema é ainda maior. De acordo com dados da Abrelpe e do IBGE, quase metade (46,9%) dos municípios do Amazonas não tinham iniciativa de coleta seletiva, em 2014. Na maioria, esse trabalho ainda é feito por catadores de material reciclável sob condições precárias: horas seguidas de trabalho disputando espaço com ratos e urubus em meio a montanhas de lixo e, o pior: obrigados a vender os produtos a preços irrisórios.
Essa é a rotina das irmãs Raimunda, 48, e Francisca Paiva, 36, que há quatro anos vivem da venda do material que retiram do lixo. Para elas, o lixão de Novo Airão foi o destino depois de meses à procura de emprego. “A única opção era esta. Tenho sete filhos e eles já trabalharam aqui para ajudar em casa, mas graças a Deus, conseguiram sair. Isso aqui não é vida: sol, cansaço, lixo, urubus, ratos, doenças… e ainda somos explorados por gente que quer pagar R$ 0,08 o quilo do papelão”, denunciou Francisca.
Licitação prevista para até cinco anos
O aterro sanitário de Manaus atende à Política Nacional de Resíduos Sólidos, mas tem vida útil de não mais que cinco anos, segundo a Semulsp. Para dar ‘vazão’ ao aumento na geração de resíduos, a prefeitura pretende licitar os serviços de disposição final de resíduos nos próximos cinco anos, ou seja, terceirizar a atividade.
Projetos ficaram só ‘no papel’
Nenhum dos municípios do interior do Estado tem, sequer, prazo para a construção do aterro sanitário exigido pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), revelou a engenheira ambiental da Associação Amazonense de Municípios (AAM), Delma Brasil, que acompanha a implantação da política nos municípios do interior do Amazonas.
De acordo com ela, apesar de terem se destacado na parte teórica – o Amazonas teve a melhor média nacional de municípios que apresentaram planos de resíduos sólidos antes do prazo final, em 2012 -, as prefeituras do interior estagnaram. Juruá e Boca do Acre, segundo Delma, foram as únicas que ainda não concluíram os planos municipais de resíduos sólidos – que deveriam ter sido apresentados em 2012.
“Fomos os primeiros a concluir os projetos, o problema é que tudo ficou no papel. As prefeituras esbarraram em problemas como falta de áreas adequadas, de recursos e, claro, a logística, tanto para a coleta e destinação ao aterro – que muitas vezes precisa ser feita por rios -, quanto para a reciclagem. Transportar esse material reciclável do interior para as empresas, que ficam em Manaus, tem um custo, muitas vezes, mais alto do que o lucro que a venda desse material dá”, explicou.
Se o problema fosse apenas a destinação da coleta seletiva, tudo bem. Mas, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico do IBGE, divulgada em 2008, das 62 cidades amazonenses pesquisadas, seis declararam não terem condições de fazer a coleta dos resíduos em locais de difícil acesso.
Em São Paulo de Olivença (a 988 quilômetros da capital) a prefeitura não coleta sequer o lixo doméstico urbano, revelou Delma. A cidade ajuda a engrossar o índice de lixo gerado e não coletado que, no Amazonas, foi de 520 toneladas em 2014, segundo a Abrelpe.
“São Paulo de Olivença não tem lixão, porque lixão é quando a prefeitura coleta o lixo e despeja num lugar irregular. A prefeitura, lá, não faz sequer coleta de lixo, só varrição e limpeza das ruas. O lixo domiciliar é queimado, jogado no rio…”
Pelos rios
Uma das alternativas estudadas pela Sema para solucionar o impasse nos municípios do interior com acesso mais difícil é fazer a coleta de resíduos em balsas adaptadas para tal, pelas calhas dos rios, e criar polos para a gestão conjunta dos resíduos. O obstáculo, além da adequação das balsas, é a logística: a distância e ausência de estradas entre os municípios encarece a coleta e transporte dos resíduos. “Hoje só temos três polos viáveis, que englobam cerca de seis municípios”, revelou Stroski.
Diante de tantas dificuldades e de uma lacuna na PNRS, que não prevê dotação orçamentária para a implantação dos projetos, Stroski defende que as prefeituras estipulem a gestão dos resíduos sólidos como prioridade, o que ainda não está acontecendo. “A responsabilidade é do município, ele precisa incluir isso no seu orçamento, rever suas prioridades”, destacou.
Desafios no interior do Estado
E se o cenário para implantação dos aterros sanitários já é desfavorável na capital, o que dizer das prefeituras do interior do Amazonas, cuja maioria ainda despeja todo tipo de resíduos em lixões a céu aberto, onde centenas de pessoas se arriscam para, literalmente, garimpar o próprio sustento?
De acordo com o secretário estadual de Meio Ambiente, Antônio Stroski, nos 61 municípios do interior todo o lixo produzido ainda é despejado em lixões a céu aberto e aterros controlados – não existem aterros sanitários. Com exceção de Boca do Acre (a 1.028 quilômetros de Manaus), em todos os outros há presença de catadores, de crianças a idosos. E, para piorar, em pelo menos dez cidades os lixões já estão perto – ou além – da capacidade de armazenamento de resíduos, alertou Stroski.
“A pior situação é em Tabatinga, onde o lixão já está muito além da capacidade e encontra agora limitações físicas. Ele faz fronteira com um assentamento, uma terra indígena, uma área de proteção e terras do exército. Não tem para onde crescer, está crescendo para cima. É preocupante. Sem falar na presença de catadores estrangeiros, inclusive crianças brasileiras, peruanas e até colombianas”, revelou o secretário.
Além de Tabatinga, o Município de Itacoatiara, na Região Metropolitana de Manaus (RMM), também enfrenta o mesmo desafio: o lixão já chegou ao limite da capacidade e ainda não foi definida sequer a área em que será construído o aterro – igualmente sem previsão para início das obras.
Depois de Tabatinga e Itacoatiara, Tefé e Parintins são os municípios que mais preocupam o secretário estadual de Meio Ambiente, por estarem com os lixões perto do limite da capacidade e igualmente sem propostas concretas para resolver o problema.
Figurinha repetida
O mesmo impasse deve se repetir, em breve, em outras seis cidades amazonenses, aponta Stroski: Pauiní, Codajás, Coari, Anori, Iranduba e Barreirinha. Nos casos de Barreirinha e Parintins, o problema deve ser agravado pela geografia: por terem praticamente todo o território em áreas de várzea, as prefeituras ainda não conseguiram encontrar um terreno adequado para a construção dos aterros, visto que a legislação proíbe tais empreendimentos próximos a leitos d’água. Obstáculo semelhante atravanca a implantação dos aterros nos municípios de Canutama, Nhamundá, Silves e Anamã, explicou.
Mas, mesmo nas cidades que não enfrentam esses obstáculos naturais, há muito o que avançar, segundo o secretário. “Nenhuma cidade do interior iniciou a implantação do aterro sanitário, quase todas têm a presença de catadores nos lixões e, quando o assunto é coleta seletiva, os avanços são mínimos”, revelou Stroski.
Em números
520 toneladas de resíduos sólidos geradas ao longo de 2014 no Amazonas não foram coletadas pelas prefeituras, de acordo com a Abrelpe.
2,5 toneladas de resíduos recicláveis são coletadas e entregues pela prefeitura a cada um dos cinco núcleos de catadores, movimentando até R$ 1,9 mil por mês.
Todos os dias, cada habitante de Manaus produz, em média, 1,272 kg de todo tipo de lixo e boa parte dele nem deveria ser chamada assim. O que a gente joga fora e nenhum dos garis e catadores retira das ruas ou dos Pontos de Entrega Voluntária (PEVs) poderia movimentar aproximadamente R$ 10 milhões por ano só com a reciclagem.
Mas, em vez de gerar riqueza, 98,8% das 2.621,429 toneladas de resíduos sólidos coletadas diariamente pela prefeitura ainda são descartadas sem passar por essa etapa, acelerando o fim da vida útil do aterro da capital – que tem, hoje, não mais que cinco anos – e trazendo à tona uma pergunta: onde nosso lixo vai parar?
“Muita gente pensa que o problema termina quando ela coloca a sacolinha pra fora do portão, mas não: É ali que ele começa”, lembra Vanderlei Soares Coelho, 50, que dedicou os últimos 21 anos da vida dele a garimpar materiais recicláveis em meio a montanhas de resíduos no lixão do Município de Novo Airão (a 180 quilômetros de Manaus), às margens da rodovia AM-070, um dos muitos a céu aberto espalhados pelos 61 municípios do interior do Amazonas, que amargam situação ainda mais preocupante que a capital.
E o Vanderlei está certo, segundo o estudo Perspectivas 2014, elaborado pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) e publicado em agosto: nossa geração de lixo está crescendo em um ritmo bem maior que a população e a maior parte dela não está sendo reaproveitada como poderia – e deveria. O levantamento revelou que, enquanto o crescimento populacional do Brasil nos últimos cinco anos (2010-2014) foi de 6%, nossa geração de lixo aumentou 29% e a evolução do que teve o destino correto aumentou apenas 0,8% no último ano.
No Amazonas, dados da Abrelpe e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que, em 2014, cada habitante do Estado produzia 0,936 quilos de resíduos por dia. Em Manaus, essa quantidade, nos oito primeiros meses de 2015, foi 35% maior: 1,272 quilos diários, de acordo com a Secretaria Municipal de Limpeza Urbana e Serviços Públicos (Semulsp). Ainda segundo a secretaria, a média mensal de resíduos sólidos coletados em Manaus cresceu 20,6% se comparada com 2005, acumulando, ao longo dos últimos dez anos, mais de 10 milhões de toneladas de lixo – e quase tudo foi parar no mesmo lugar: o aterro.
Alerta
Quantidade suficiente para sobrecarregar uma estrutura que, em funcionamento desde 1986, a cada dia se aproxima mais do limite de operação, de acordo com um estudo realizado pela empresa Fral em 2014, para subsidiar um Termo de Ajustamento de Conduta Administrativo (Taca) que apontou, no início do ano passado, vida útil de cinco anos e sete meses para o aterro sanitário de Manaus. Alterações feitas na estrutura dele no ano passado, no entanto, ampliaram essa capacidade para suportar os próximos cinco anos, informou o titular da Semulsp, Paulo Farias.
“A situação é alarmante. Manaus é o único município do Amazonas que possui aterro sanitário, e ele está chegando perto do limite. No interior, na maior parte das cidades não se tem ideia do que fazer”, alertou o titular da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), Antônio Stroski.
De acordo com Paulo Farias, a proposta da prefeitura é terceirizar o serviço dentro dos próximos cinco anos. “As grandes cidades não constroem mais aterros próprios, elas contratam. A prefeitura vai licitar serviços de disposição final de resíduos. Isso, com certeza, antes do final da vida útil do nosso aterro”, explicou o secretário.
Coleta seletiva a passos lentos
A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) estabelece o ano de 2018 como “data limite” para as prefeituras de capitais e Regiões Metropolitanas do País se adequarem à nova legislação. O prazo inicial, agosto de 2014, terminou sem que a maioria das cidades brasileiras – entre elas todas as amazonenses – conseguisse se adequar à PNRS, que faz uma série de exigências, entre elas implantar aterros sanitários e instituir a coleta seletiva.
Realidade bem distante da encontrada no Amazonas, onde a capital, a única cidade do Estado a ter aterro sanitário, ainda esbarra na implantação da logística reversa – responsabilidade compartilhada dos geradores de resíduos pela coleta e reaproveitamento – para elevar a coleta seletiva, explica o engenheiro ambiental da Semulsp, Alcemir Oliveira.
De acordo com o engenheiro, apenas 14,9% da população de Manaus é atendida pelo sistema de coleta seletiva, que conta com apenas quatro veículos coletores para atender uma cidade com mais de 2 milhões de habitantes. A taxa de reciclagem em Manaus – 1,2% – ainda é pequena, mas representa sete vezes mais do que a de 2013, quando a prefeitura submeteu à coleta seletiva pífios 0,17% das mais de 947 mil toneladas de resíduos coletadas nos domicílios.
O secretário da Semulsp, Paulo Farias, esclareceu que a logística reversa deve ser regulamentada por acordos setoriais que estão sendo discutidos em Brasília. Além disso, a expansão da reciclagem depende da demanda da indústria. “A reciclagem não é só coleta seletiva, ela depende da indústria de transformação, que é outro gargalo. É preciso que haja a devida capacidade de processamento para que esse potencial da reciclagem seja concretizado”, lembrou.
No interior, o problema é ainda maior. De acordo com dados da Abrelpe e do IBGE, quase metade (46,9%) dos municípios do Amazonas não tinham iniciativa de coleta seletiva, em 2014. Na maioria, esse trabalho ainda é feito por catadores de material reciclável sob condições precárias: horas seguidas de trabalho disputando espaço com ratos e urubus em meio a montanhas de lixo e, o pior: obrigados a vender os produtos a preços irrisórios.
Essa é a rotina das irmãs Raimunda, 48, e Francisca Paiva, 36, que há quatro anos vivem da venda do material que retiram do lixo. Para elas, o lixão de Novo Airão foi o destino depois de meses à procura de emprego. “A única opção era esta. Tenho sete filhos e eles já trabalharam aqui para ajudar em casa, mas graças a Deus, conseguiram sair. Isso aqui não é vida: sol, cansaço, lixo, urubus, ratos, doenças… e ainda somos explorados por gente que quer pagar R$ 0,08 o quilo do papelão”, denunciou Francisca.
Licitação prevista para até cinco anos
O aterro sanitário de Manaus atende à Política Nacional de Resíduos Sólidos, mas tem vida útil de não mais que cinco anos, segundo a Semulsp. Para dar ‘vazão’ ao aumento na geração de resíduos, a prefeitura pretende licitar os serviços de disposição final de resíduos nos próximos cinco anos, ou seja, terceirizar a atividade.
Projetos ficaram só ‘no papel’
Nenhum dos municípios do interior do Estado tem, sequer, prazo para a construção do aterro sanitário exigido pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), revelou a engenheira ambiental da Associação Amazonense de Municípios (AAM), Delma Brasil, que acompanha a implantação da política nos municípios do interior do Amazonas.
De acordo com ela, apesar de terem se destacado na parte teórica – o Amazonas teve a melhor média nacional de municípios que apresentaram planos de resíduos sólidos antes do prazo final, em 2012 -, as prefeituras do interior estagnaram. Juruá e Boca do Acre, segundo Delma, foram as únicas que ainda não concluíram os planos municipais de resíduos sólidos – que deveriam ter sido apresentados em 2012.
“Fomos os primeiros a concluir os projetos, o problema é que tudo ficou no papel. As prefeituras esbarraram em problemas como falta de áreas adequadas, de recursos e, claro, a logística, tanto para a coleta e destinação ao aterro – que muitas vezes precisa ser feita por rios -, quanto para a reciclagem. Transportar esse material reciclável do interior para as empresas, que ficam em Manaus, tem um custo, muitas vezes, mais alto do que o lucro que a venda desse material dá”, explicou.
Se o problema fosse apenas a destinação da coleta seletiva, tudo bem. Mas, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico do IBGE, divulgada em 2008, das 62 cidades amazonenses pesquisadas, seis declararam não terem condições de fazer a coleta dos resíduos em locais de difícil acesso.
Em São Paulo de Olivença (a 988 quilômetros da capital) a prefeitura não coleta sequer o lixo doméstico urbano, revelou Delma. A cidade ajuda a engrossar o índice de lixo gerado e não coletado que, no Amazonas, foi de 520 toneladas em 2014, segundo a Abrelpe.
“São Paulo de Olivença não tem lixão, porque lixão é quando a prefeitura coleta o lixo e despeja num lugar irregular. A prefeitura, lá, não faz sequer coleta de lixo, só varrição e limpeza das ruas. O lixo domiciliar é queimado, jogado no rio…”
Pelos rios
Uma das alternativas estudadas pela Sema para solucionar o impasse nos municípios do interior com acesso mais difícil é fazer a coleta de resíduos em balsas adaptadas para tal, pelas calhas dos rios, e criar polos para a gestão conjunta dos resíduos. O obstáculo, além da adequação das balsas, é a logística: a distância e ausência de estradas entre os municípios encarece a coleta e transporte dos resíduos. “Hoje só temos três polos viáveis, que englobam cerca de seis municípios”, revelou Stroski.
Diante de tantas dificuldades e de uma lacuna na PNRS, que não prevê dotação orçamentária para a implantação dos projetos, Stroski defende que as prefeituras estipulem a gestão dos resíduos sólidos como prioridade, o que ainda não está acontecendo. “A responsabilidade é do município, ele precisa incluir isso no seu orçamento, rever suas prioridades”, destacou.
Desafios no interior do Estado
E se o cenário para implantação dos aterros sanitários já é desfavorável na capital, o que dizer das prefeituras do interior do Amazonas, cuja maioria ainda despeja todo tipo de resíduos em lixões a céu aberto, onde centenas de pessoas se arriscam para, literalmente, garimpar o próprio sustento?
De acordo com o secretário estadual de Meio Ambiente, Antônio Stroski, nos 61 municípios do interior todo o lixo produzido ainda é despejado em lixões a céu aberto e aterros controlados – não existem aterros sanitários. Com exceção de Boca do Acre (a 1.028 quilômetros de Manaus), em todos os outros há presença de catadores, de crianças a idosos. E, para piorar, em pelo menos dez cidades os lixões já estão perto – ou além – da capacidade de armazenamento de resíduos, alertou Stroski.
“A pior situação é em Tabatinga, onde o lixão já está muito além da capacidade e encontra agora limitações físicas. Ele faz fronteira com um assentamento, uma terra indígena, uma área de proteção e terras do exército. Não tem para onde crescer, está crescendo para cima. É preocupante. Sem falar na presença de catadores estrangeiros, inclusive crianças brasileiras, peruanas e até colombianas”, revelou o secretário.
Além de Tabatinga, o Município de Itacoatiara, na Região Metropolitana de Manaus (RMM), também enfrenta o mesmo desafio: o lixão já chegou ao limite da capacidade e ainda não foi definida sequer a área em que será construído o aterro – igualmente sem previsão para início das obras.
Depois de Tabatinga e Itacoatiara, Tefé e Parintins são os municípios que mais preocupam o secretário estadual de Meio Ambiente, por estarem com os lixões perto do limite da capacidade e igualmente sem propostas concretas para resolver o problema.
Figurinha repetida
O mesmo impasse deve se repetir, em breve, em outras seis cidades amazonenses, aponta Stroski: Pauiní, Codajás, Coari, Anori, Iranduba e Barreirinha. Nos casos de Barreirinha e Parintins, o problema deve ser agravado pela geografia: por terem praticamente todo o território em áreas de várzea, as prefeituras ainda não conseguiram encontrar um terreno adequado para a construção dos aterros, visto que a legislação proíbe tais empreendimentos próximos a leitos d’água. Obstáculo semelhante atravanca a implantação dos aterros nos municípios de Canutama, Nhamundá, Silves e Anamã, explicou.
Mas, mesmo nas cidades que não enfrentam esses obstáculos naturais, há muito o que avançar, segundo o secretário. “Nenhuma cidade do interior iniciou a implantação do aterro sanitário, quase todas têm a presença de catadores nos lixões e, quando o assunto é coleta seletiva, os avanços são mínimos”, revelou Stroski.
Em números
520 toneladas de resíduos sólidos geradas ao longo de 2014 no Amazonas não foram coletadas pelas prefeituras, de acordo com a Abrelpe.
2,5 toneladas de resíduos recicláveis são coletadas e entregues pela prefeitura a cada um dos cinco núcleos de catadores, movimentando até R$ 1,9 mil por mês.
Amazônia, 02-10-2015.
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