26 MAIO 2015
“A missão não é proselitismo, nem mera estratégia; a missão faz parte da gramática da fé, é algo imprescindível para quem se coloca à escuta da voz do Espírito, que sussurra ‘vem’ e ‘vai’”, disse o papa Francisco na mensagem para o 89º Dia Mundial das Missões, que será celebrado em 18 de outubro. O texto foi divulgado no domingo, 24 de maio, na Solenidade de Pentecostes.
O papa recordou, ainda, que hoje a missão enfrenta o desafio de respeitar a necessidade de todos os povos. “Trata-se de conhecer e respeitar as outras tradições e sistemas filosóficos e reconhecer em cada povo e cultura”, refletiu Francisco. Leia a íntegra do texto:
MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO PARA O DIA MUNDIAL DAS MISSÕES DE 2015
(18 de Outubro de 2015)
Queridos irmãos e irmãs
O Dia Mundial das Missões 2015 se realiza no contexto do Ano da Vida Consagrada e recebe um estímulo para a oração e a reflexão. Na verdade, se todo batizado é chamado a testemunhar o Senhor Jesus proclamando a fé recebida como um presente, isso vale, de modo particular, para a pessoa consagrada, pois entre vida consagrada e missão existe uma ligação forte. O seguimento a Jesus, que determinou o surgimento da vida consagrada na Igreja, responde ao chamado a tomar a cruz e segui-Lo, a imitar a sua dedicação ao Pai e seus gestos de serviço e amor, e a perder a vida para reencontrá-la. Como a existência de Cristo tem um caráter missionário, os homens e mulheres que o seguem mais de perto assumem plenamente esse mesmo caráter.
A dimensão missionária, que pertence à própria natureza da Igreja, é intrínseca a todas as formas de vida consagrada, e não pode ser negligenciada sem deixar um vazio que desfigura o carisma. A missão não é proselitismo ou mera estratégia; a missão faz parte da “gramática” da fé, é algo imprescindível para quem escuta a voz do Espírito que sussurra “vem” e “vai”. Quem segue Cristo se torna missionário e sabe que Jesus «caminha com ele, fala com ele e respira com ele. Sente Jesus vivo junto com ele no compromisso missionário» (EG, 266).
A missão é ter paixão por Jesus Cristo e ao mesmo tempo paixão pelas pessoas. Quando nos colocamos em oração diante de Jesus crucificado, reconhecemos a grandeza do seu amor que nos dá dignidade e nos sustenta; e no mesmo momento percebemos que aquele amor que parte de seu coração transpassado se estende a todo o povo de Deus e a toda a humanidade; e assim sentimos também que Ele quer servir-se de nós para chegar cada vez mais perto de seu povo amado (cf. ibid., 268) e de todos aqueles que o procuram de coração sincero. No mandamento de Jesus: “ide”, existem cenários e sempre novos desafios para a missão evangelizadora da Igreja. Nela, todos são chamados a anunciar o Evangelho por meio do seu testemunho de vida; e os consagrados, especialmente, são convidados a ouvir a voz do Espírito que os chama para ir rumo às grandes periferias da missão, entre as pessoas que ainda não receberam o Evangelho.
O quinquagésimo aniversário do Decreto conciliar Ad gentes nos convida a reler e a meditar esse documento que despertou um forte impulso missionário nos Institutos de vida consagrada. Nas comunidades contemplativas, retomou luz e eloquência à figura de Santa Teresa do Menino Jesus, padroeira das missões, como inspiradora da ligação íntima da vida contemplativa com a missão. Para muitas congregações religiosas de vida ativa, o anseio missionário que surgiu do Concílio Vaticano II se concretizou com uma abertura extraordinária para a missão ad gentes, muitas vezes acompanhada pelo acolhimento a irmãos e irmãs provenientes de terras e culturas encontradas na evangelização, de modo que hoje se pode falar de uma interculturalidade difundida na vida consagrada. Por esse motivo, é urgente repropor o ideal da missão em seu centro: Jesus Cristo, e em sua exigência: o dom total de si ao anúncio do Evangelho. Não pode haver tratativa sobre isto: quem, pela graça de Deus, acolhe a missão, é chamado a viver de missão. Para essas pessoas, a proclamação de Cristo nas várias periferias do mundo se torna o modo de como viver o seguimento a Ele e a recompensa de muitas dificuldades e privações. Toda tendência que desvia dessa vocação, mesmo que acompanhada por motivos nobres relacionados com as muitas necessidades pastorais, eclesiais e humanitárias, não é coerente com o chamado pessoal do Senhor para servir o Evangelho.
Nos Institutos missionários, os formadores são chamados tanto a indicar com clareza e honestidade essa perspectiva de vida e ação, quanto a influir no discernimento de vocações missionárias autênticas. Dirijo-me de modo especial aos jovens, que ainda são capazes de testemunhos corajosos e atitudes generosas e por vezes contracorrentes: não deixem que lhes roubem o sonho de uma missão verdadeira, de doar-se ao seguimento a Jesus que requer o dom total de si. No segredo de sua consciência, pergunte-se o motivo pelo qual escolheu a vida religiosa missionária e meça a disponibilidade em aceitá-la por aquilo que é: dom de amor a serviço do anúncio do Evangelho, lembrando que, antes de ser uma necessidade para aqueles que não o conhecem, o anúncio do Evangelho é uma necessidade para quem ama o Mestre.
Hoje, a missão enfrenta o desafio de respeitar a necessidade de todos os povos poderem recomeçar de suas raízes e salvaguardar os valores de suas respectivas culturas. Trata-se de conhecer e respeitar as outras tradições e sistemas filosóficos e reconhecer, em cada povo e cultura, o direito de fazer-se ajudar por sua tradição na inteligência do mistério de Deus e no acolhimento ao Evangelho de Jesus, que é luz para as culturas e sua força transformadora.
Dentro dessa dinâmica complexa nos perguntamos: “Quem são os destinatários privilegiados do anúncio evangélico?” A resposta é clara e a encontramos no próprio Evangelho: os pobres, os pequenos e os enfermos, aqueles que muitas vezes são desprezados e esquecidos, aqueles que não podem te retribuir (cf. Lc 14,13-14). A evangelização dirigida preferencialmente a eles é sinal do Reino que Jesus veio trazer: «Existe um vínculo inseparável entre a nossa fé e os pobres. Não os deixemos nunca sozinhos» (EG, 48). Isso deve ser claro, especialmente para as pessoas que abraçam a vida consagrada missionária: com o voto de pobreza se escolhe seguir Cristo nessa sua preferência, não ideologicamente, mas como Ele, identificando-se com os pobres, vivendo como eles na precariedade da existência cotidiana e na renúncia de todo o poder para se tornar irmãos e irmãs dos últimos, levando-lhes o testemunho da alegria do Evangelho e a expressão da caridade de Deus.
Para viver o testemunho cristão e os sinais do amor do Pai entre os pequenos e os pobres, os consagrados são chamados a promover, no serviço da missão, a presença dos fiéis leigos. O Concílio Ecumênico Vaticano II afirmou: «Os leigos colaboram na obra de evangelização da Igreja, participando como testemunhas e como instrumentos vivos da sua missão salvífica» (AG, 41). É necessário que os consagrados missionários se abram sempre mais corajosamente para aqueles que estão dispostos a colaborar com eles, mesmo que por um tempo limitado, por uma experiência a campo. São irmãos e irmãs que desejam partilhar a vocação missionária inerente ao Batismo. As casas e estruturas das missões são lugares naturais para o seu acolhimento e apoio humano, espiritual e apostólico.
As Instituições e Obras missionárias da Igreja estão totalmente a serviço daqueles que não conhecem o Evangelho de Jesus. Para realizar de maneira eficaz esse objetivo, elas precisam dos carismas e do compromisso missionário dos consagrados, mas também os consagrados precisam de uma estrutura de serviço, expressão da solicitude do Bispo de Roma para garantir a koinonia, de modo que a colaboração e a sinergia sejam partes integrantes do testemunho missionário. Jesus colocou a unidade dos discípulos como uma condição para que o mundo creia (cf. Jo 17, 21). Essa convergência não equivale a uma submissão jurídico-organizacional a organismos institucionais ou a uma mortificação da fantasia do Espírito que inspira a diversidade, mas significa dar mais eficácia à mensagem do Evangelho e promover a unidade de propósitos que é também fruto do Espírito.
A Obra Missionária do Sucessor de Pedro tem um horizonte apostólico universal. Por isso precisa também dos muitos carismas da vida consagrada, para se dirigir ao vasto horizonte da evangelização e ser capaz de garantir uma presença adequada nas fronteiras e territórios alcançados.
Queridos irmãos e irmãs, a paixão do missionário é o Evangelho. São Paulo afirmou: «Ai de mim se eu não anunciar o Evangelho!» (1 Cor 9,16). O Evangelho é fonte de alegria, libertação e salvação para todos os homens. A Igreja é consciente desse dom, por isso não se cansa de proclamar incessantemente a todos «o que era desde o princípio, o que ouvimos e o que vimos com os nossos olhos» (1 Jo 1,1). A missão dos servidores da Palavra - bispos, sacerdotes, religiosos e leigos - é colocar todos, sem exceção, em relação pessoal com Cristo. No imenso campo da ação missionária da Igreja, todo batizado é chamado a viver bem o seu compromisso, segundo a sua situação pessoal. Os consagrados e consagradas podem dar uma resposta generosa a essa vocação universal a partir de uma intensa vida de oração e união com o Senhor e com o seu sacrifício redentor.
Confio a Maria, Mãe da Igreja e modelo de missionariedade, todos aqueles que, ad gentes ou no próprio território, em todos os estados de vida, colaboram com o anúncio do Evangelho e, de coração, concedo a cada um a Bênção Apostólica.
Vaticano, 24 de Maio – Solenidade de Pentecostes – de 2015.
Papa Francisco
Nenhum comentário:
Postar um comentário