Manfredo Araújo de Oliveira*
Em sua exortação “A alegria do Evangelho” de 2013, diz o papa que os pastores acolhendo as contribuições das diversas ciências exprimem opiniões sobre aquilo que diz respeito à vida das pessoas, dado que a evangelização implica e exige a promoção integral de cada ser humano. É o que ele acabou de fazer em suas viagens recentes a Cuba e aos Estados Unidos afirmando que a ação dos evangelizadores não acontece adequadamente sem a preocupação de conhecer os traços fundamentais do mundo de hoje que é marcado por profundas transformações.
Estas grandes mudanças têm uma de suas fontes principais no fato de que nossa vida é hoje configurada a partir do que o papa chama de Paradigma Tecnocrático: tudo o que fazemos tem a presença da técnica; portanto, ela também exerce o seu domínio sobre a economia e a política. Foi precisamente a nova revolução tecnológica no âmbito da informação, dos transportes e das comunicações, que tornou possível a gestação de um modo novo de acumulação e regulação do capital, a globalização. Trata-se de um tipo de “liberalismo transnacional” que pôs no centro da economia os mercados financeiros produtores da especulação em grande escala e estimuladores da criação dos paraísos fiscais, uma “financeirização que sufoca a economia real”.
Aqui fica claro que, em sua íntima vinculação com este sistema econômico, o desenvolvimento tecnológico se faz em função da maximização dos lucros sem preocupação com uma melhor distribuição da riqueza, com um cuidado responsável do meio ambiente e dos direitos das gerações futuras. Aqui, o superdesenvolvimento dissipador e consumista convive com a miséria desumanizadora.
Para o papa, isto deu origem a uma “idolatria do dinheiro” e revela a profunda crise antropológica que nos marca: a negação da primazia do ser humano e sua redução a “ser de consumo”. Isto produz uma economia sem rosto e sem objetivo verdadeiramente humano que degrada o ambiente humano e o ambiente natural em conjunto. Seus efeitos mais graves recaem sobre os pobres: seus problemas são colocados como um apêndice. O ser humano, reduzido a bem de consumo, pode ser usado e depois lançado fora o que se configura como a cultura do descartável. O novo é que não se trata mais apenas de exploração e opressão, mas de “exclusão”: essa economia mata.
A globalização transformou a organização econômica, as relações sociais, os modelos de vida e cultura, os estados e a política e acelerou mudanças. No entanto, diz o papa, os problemas da fome (a comida desperdiçada atualmente é aproximadamente um terço dos alimentos produzidos) e da miséria no mundo não serão, como se propala, resolvidos simplesmente pelo mercado, pois “o mercado, por si mesmo, não garante o desenvolvimento humano integral, nem a inclusão social”.
Além disto se produziu entre nós a “globalização da indiferença”: fascinados pela cultura de bem-estar nos fizemos incapazes de ouvir os clamores de suas vítimas. “...Já não choramos à vista do drama dos outros, nem nos interessamos por cuidar deles...”.
*Manfredo.oliveira2012@gmail.com
Professor de Filosofia da Universidade Federal do Ceará (UFC)
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