'A dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.'
Por Taís Cruz Habibe*
Viver na era da “sociedade da informação” é uma realidade e, apesar de tal “denominação” não ser recente, a sua compreensão evoluiu ao longo dos anos, acompanhando, justamente, aquilo que mais a caracteriza: as inovações tecnológicas que podem resultar, especialmente na dinâmica, na recriação e na propagação de informações ou comunicações que são capazes de influenciar o comportamento das pessoas.
A internet certamente é um dos principais veículos condutores das informações, diante do seu alcance, em curto período de tempo, da propagação das mensagens. As redes sociais são responsáveis, por exemplo, por uma alteração no comportamento das pessoas, na forma de se relacionarem e se comunicarem.
Tal realidade, como não poderia ser diferente e, a depender do comportamento das pessoas no meio virtual, pode gerar sérias consequências jurídicas que merecem a atenção dos operadores do Direito que, também diante de inovações, devem se adequar às novas questões postas a debate.
Um dos inúmeros problemas que podem ser questionados no meio eletrônico decorre da violação aos Direitos da Personalidade (art. 11 e seguintes do Código Civil) e, cujo alicerce em nosso sistema está na Constituição da República, ao consagrar a Dignidade da Pessoa Humana como princípio fundamental (art. 1º, III), atribuindo à pessoa, portanto, um valor supremo no Ordenamento Jurídico.
A violação a tais Direitos, como a intimidade, a imagem e a honra, por exemplo, decorre de um comportamento do ofensor pautado na excessiva liberdade que as redes sociais propiciam. O uso indevido da imagem, as ofensas e a exposição podem se exteriorizar em um meio virtual com amplas possibilidades de divulgação e de, consequentemente, gerar danos à vítima. Embora o direito à informação e à livre manifestação do pensamento também possua previsão constitucional, é importante que os Direitos da Personalidade não sejam violados por tal liberdade.
Assim como se pode concluir pelos estudos de Dworkin e Alexy acerca da viabilidade de ponderação ou não de Princípios, nota-se, a título exemplificativo, que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais já manifestou entendimento acerca de tal necessidade, concluindo que deve de ser feita a ponderação entre a liberdade de informação e o respeito aos direitos da personalidade, ambos princípios constitucionais: “(...) O direito à liberdade de comunicação e informação é garantido nos arts. 220 e 5º, IX, da Constituição, devendo-se, em caso de colisão com outro direito fundamental, aplicar a ponderação de interesses, por meio do princípio da proporcionalidade.” (Apelação Cível nº 1.0518.08.158861-9/001)
Exemplos mais concretos de violação aos Direitos da Personalidade também já foram analisados pelos Tribunais de um modo geral: (i) a foto de pessoa divulgada em jornal de grande circulação como autora de crime e que, posteriormente, não foi sequer indiciada, configura violação à honra e enseja indenização por danos morais pelo ofensor1.
As diversas situações como as apresentadas resultaram na compilação de um estudo inédito feito pelo Superior Tribunal de Justiça, que divulgou em seu site, em 07/10/2015, uma pesquisa contendo 65 julgados sobre crimes virtuais contra a honra. O objetivo da referida compilação é, especialmente, facilitar o estudo do tema e servir de referência para os julgamentos realizados pelos Tribunais Federais e Estaduais.
Evidencia-se no Direito Comparado, pautando-se pelo exemplo da União Europeia, uma crescente preocupação com a utilização responsável das redes sociais e com a prevenção dos problemas a elas associados, tais como o comércio eletrônico e os Direitos da Personalidade. Um Parecer do Comitê Econômico e Social Europeu sobre a utilização das redes sociais (2012/C 351/07) aponta, além das ideias já debatidas acima, outra interessante preocupação: os problemas específicos das redes sociais vão além da sua ampla e célere propagação de informações, muitas vezes indevidas; as redes são utilizadas por milhões de jovens que sequer são alertados ou devidamente orientados sobre a sua utilização inteligente e responsável, o que pode resultar, consequentemente, no uso das redes para fins danosos, em especial aqueles que violam os Direitos da Personalidade.
Neste contexto e, considerando que os conteúdos divulgados na internet dificilmente são suprimidos da rede, a União Europeia trouxe a debate o “Direito ao Esquecimento” na “Sociedade da Informação”. Trata-se de um direito dos cidadãos no controle de seus dados pessoais, permitindo que se exija das empresas, como o Facebook e Youtube, por exemplo, sejam apagadas as informações após solicitação ou cancelamento do serviço.
Em maio de 2014, decisão inédita do Tribunal de Justiça da União Europeia determinou que o Google eliminasse um anúncio publicado em um jornal em 1998. O anúncio aparecia nos resultados das pesquisas do Google quando o ofendido digitava o seu nome, o que estava, segundo informado, infringindo o seu direito à privacidade, pois seu nome e imagem estariam relacionados a uma dívida que já não mais possuía.
A situação apresentada complica-se na medida em que outras pessoas podem copiar o texto ou foto e depois compartilhar o conteúdo em outras páginas da internet, o que dificulta ou impossibilita o chamado direito de ser esquecido. A internet, de forma positiva e negativa, não permite muitas vezes esquecer o que nela é divulgado, perenizando as informações disponibilizadas.
A decisão do Tribunal Europeu foi baseada na Diretiva 1995/46/CE, relativa à proteção das pessoas no que diz respeito aos dados pessoais e à livre circulação de tais dados. O art. 1º da referida norma estabelece, por exemplo, a necessidade der ser preservada a vida privada das pessoas em razão das suas liberdades e direitos fundamentais. A Diretiva 2002/58/CE, seguindo a mesma linha, também regulamenta o tratamento de dados pessoais e a proteção da privacidade diante das comunicações eletrônicas, preservando expressamente o direito à privacidade (art. 1º).
No Brasil, o Superior Tribunal de Justiça também analisou situações semelhantes nos Recursos nº 1.334.097/RJ e 1.335.153/RJ. Os casos chegaram à análise do Judiciário tendo em vista a pretensão das vítimas de apagar o registro de suas histórias relativas a crimes ocorridos há muitos anos.
A Tese do Direito ao Esquecimento foi, inclusive, debatida e aprovada pelo Enunciado nº 531 da Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal, ao estabelecer que “a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”.
Não há dúvidas de que o Direito já evoluiu muito para acompanhar a “Sociedade da Informação”. Os exemplos da União Europeia e do nosso Ordenamento Jurídico representam premissas importantes para a continuidade dessa evolução e para o aprofundamento dos estudos sobre a matéria. No Brasil, a Lei nº 12.965/14, denominada Marco Civil da Internet, está pautada em tal premissa. É importante, de toda forma, que a evolução e os estudos não se afastem da íntima relação entre os avanços tecnológicos, a internet, a liberdade, a informação e os Direitos da Personalidade.
1Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – Apelação Cível nº 70011633310); (ii) as reclamações excessivas de consumidor em sites e redes sociais, por insatisfação quanto a produto ou serviço adquirido, expondo a imagem da empresa, geram danos morais. Tribunal de Justiça do Distrito Federal – Apelação Cível nº 0045083-79.2014.807.0001); (iii) o envio de e-mails por terceiro, com conversas e fotos íntimas a diversas pessoas do círculo de amizade de noivos, na véspera do casamento, viola a intimidade e gera danos morais (Tribunal de Justiça de São Paulo – Apelação Cível nº 0015045-05.2012.8.26.0073).
* Taís Cruz Habibe é mestra em Direito Privado pela PUC/MG (2011), especialista em Direito Civil pela PUC/MG (2004), graduada em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva (2003), coordenadora da Área Cível Empresarial do Ayres Ribeiro Advogados e professora de graduação e pós-graduação na Faculdade Novos Horizontes.
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