segunda-feira, 16 de novembro de 2015

A privatização da TAP

Um dramalhão em quatro actos e um prólogo.
Por José Couto Nogueira*
Na sexta-feira passada, 13 de Novembro, fechou a cortina sobre o quarto acto da ópera trágico-aérea que tem sido a alienação pelo Estado português da sua companhia aérea, a Air Portugal, sempre conhecida dos dois lados do Atlântico como TAP.
Prólogo
Inaugurados em 1945 como um serviço público (isto é, uma espécie de Direção Geral da administração estatal) os Transportes Aéreos Portugueses foram privatizados em 1953, passando a Sociedade Anónima, mas os ativos mantiveram-se na posse do Estado a 100%.
Na longa história da companhia há alguns sucessos notáveis, como o baixo número de acidentes, ou ter sido a primeira aérea europeia a operar exclusivamente com jatos, em 1967. E está intimamente ligada ao Brasil, desde o primeiro voo Lisboa/Rio, em 1966.
As guerras nas colónias portuguesas e o intenso intercâmbio com o Brasil, sobretudo depois da extinção da Panair, em 1965, deram à companhia os seus anos de ouro, com os aviões sempre lotados e as rotas cada vez mais frequentes.
I Acto
Em 1975, com a Revolução, a companhia foi nacionalizada, um mero ato simbólico, uma vez que era sempre o Governo que escolhia a administração e arcava com os eventuais prejuízos. Nessa época, convém lembrar, todos os países europeus tinham as suas companhias de bandeira, pois os transportes aéreos eram considerados um serviço público, como os correios ou os telefones. (Ao contrário do modelo do continente americano, em que as companhias aéreas são por norma privadas.)
II Acto
Em 1979/80, passados os excessos pós-revolucionários, a transportadora entra na era do marketing, mudando de imagem e de nome: TAP Air Portugal. Novos uniformes, retorno das hierarquias, atitude contemporânea. Mas as décadas de 80/90 trazem enormes prejuízos, tanto pelo aumento do custo do combustível como pelas gestões erráticas.
Em desespero com a inadimplência contínua, o Estado foi pegar na Varig o seu administrador maravilha, Fernando Pinto. Mal recebido pelos sindicados portugueses, Pinto no entanto persistiu e conseguiu sucessos concretos, tornando a companhia rentável. Entretanto, por toda a Europa, as companhias de bandeira faliam, ou se fundiam, ou eram privatizadas. Só Portugal mantinha orgulhosamente a “sua” transportadora aérea, considerada com um estimável símbolo nacional, embora o contribuinte que nunca voa pagasse tanto como os passageiros.
A grande desgraça foi a compra da Varig Engenharia e Manutenção, quando a Varig acabou, em 2006. Na altura parecia uma boa ideia mas, por razões conhecidas que seria longo detalhar aqui, acabou por ser um negócio ruinoso – o grande erro de Pinto, numa administração razoavelmente bem sucedida, que enfrentou as crises do petróleo e o feroz sindicato dos pilotos.
III Acto
Em 2011, no auge da crise, com a entrada da chamada troika de credores em Portugal (FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia) a coligação de direita (PSD/CDS) ganha as eleições e começa imediatamente um programa económico neo-liberal, em parte por convicção, em parte por imposição da Europa, Alemanha à cabeça. Esse programa inclui a privatização das grandes empresas estatais absurdamente deficitárias por via de administrações politicamente nomeadas e o recurso fácil ao Estado para cobrir os défices. Na lista das vendáveis, entre os correios e as estruturas aéreas, estava a TAP.
Surgiram logo dificuldades. Por um lado, os sindicatos dominados pelo Partido Comunista e o Sindicato dos Pilotos, não político mas altamente politizado, opunham-se determinantemente à venda e fizeram greves suicidas, que geraram ainda mais prejuízo. (A lógica destas greves, difícil de justificar, é outro drama.) Simultaneamente, com as grandes transportadoras europeias e mundiais a passar por uma crise de sobrevivência – basta dizer que faliram as companhias de bandeira da Suíça e da Bélgica – não havia comprador.
Apareceu um, finalmente. O mais suspeito possível para a desconfiada e anti-venda opinião pública portuguesa. Germán Efromovich, um colombiano filho de poloneses, com passaportes brasileiro e colombiano e negócios vários, entre o petróleo e os medicamentos, e dono da Avianca. O típico entrepreneur internacional que ganha a vida a fazer jogadas de alto risco, nada a ver com o comprador que todos esperavam, uma companhia de aviação clássica e de boa reputação.
A verdade é que o Governo estava tão desejoso de vender que até levou Efromovich a sério – até ao momento em que percebeu que dinheiro, ele não tinha. É que a TAP estava metida numa situação sem saída; falida, precisava que o Estado metesse muitos milhões, mas o Estado não os tinha, e se os tivesse não poderia metê-los, por via das normas europeias da concorrência. Quem comprasse, fosse a rainha de Inglaterra, fosse um sindicato mexicano, precisava de por dinheiro vivo em cima da mesa. Efromovich tinha promessas e promissórias, nada mais.
IV Acto
A TAP lá se aguentou, a dívida a crescer, e o Governo resolveu esperar uma melhor altura. No ano passado, lançou novo concurso. Desta vez apareceu outro grupo, constituído pelo brasileiro/norte-americano David Neeleman e pelo português Humberto Pedrosa, dono do enorme grupo de transportes Barraqueiro. Diz-se que o verdadeiro investidor será Neeleman e que Pedrosa só entra porque as normas europeias exigem que o comprador seja português. Pedrosa é um empreendedor à antiga, conhecido, com mais de cinco mil empregados. Neeleman terá uma história um pouco nebulosa, mas oficialmente é dono da norte-americana JetBlue, um sucesso no meio da crise mundial, e da brasileira Azul. São pessoal do ramo, a querer expandir-se, nenhum problema – para o Governo, porque os sindicatos da TAP, os partidos da esquerda e, em geral, a população, continuam hostis à venda, seja por razões corporativas, ideológicas ou patrióticas.
(Os trabalhadores são sempre contrários à privatização das empresas porque, segundo a direita, não querem trabalhar e, segundo a esquerda, não querem ser explorados.)
O negócio foi mal feito e à pressa, dizem os críticos. O Estado português recebe uma quantia ridícula, que não dá nem para comprar um avião. Mas o fato é que os compradores – que formaram uma empresa, a Gateway – ficam com a enorme dívida e com os sindicatos; e prometem investir o tão necessário dinheiro vivo (na própria sexta-feira, 150 milhões de euros, senão a companhia parava), comprar 59 aviões e mudar completamente a orientação estratégica da TAP, que vai competir com as low-cost.
Contudo, o problema não é apenas este, que ficaria assim resolvido. É que na sexta-feira, data da assinatura do contrato, o Governo  minoritário já tinha sido derrubado na votação da Assembleia da República e encontra-se em gestão – uma fórmula que não lhe permite grandes manobras – enquanto espera que o Presidente da República nomeie um novo Governo de esquerda, formado por um acordo feito à pressa, pós-eleitoral, entre o PS e os dois partidos marxistas, o PCP e o BE. Claro que o novo executivo, caso o Presidente escolha essa opção, se opõe ao negócio. Não há acordo entre os três; os socialistas querem alienar apenas 49% e os marxistas querem manter a empresa no Estado. Naquilo que os três concordam, mais o eleitorado de esquerda e todos os que se opõem a perda de um bem nacional, é que o Governo não tem poderes constitucionais para fechar o negócio. Os constitucionalistas, alguns ainda autores da Constituição de 1976, não são unânimes perante esta situação inédita.
Também não se sabe se o Presidente vai manter a coligação de direita até às próximas eleições, no verão de 2016, ou se optará pela frente das esquerdas. Esta, já garantiu que vai reverter o negócio. É pouco provável que tenha fundos para as inevitáveis indemnizações à Gateway, mas não deixará de dificultar a vida aos compradores.
As variáveis são muitas, para que se possa prever o desfecho.
Afinal, o dramalhão ainda poderá ter um V Acto.
*O jornalista José Couto Nogueira, nascido em Lisboa, tem longa carreira feita dos dois lados do Atlântico. No Brasil foi chefe de redação da Vogue, redator da Status, colunista da Playboy e diretor da Around/AZ. Em Nova Iorque foi correspondente do Estado de São Paulo e da Bizz. Tem três romances publicados em Portugal.

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