"A forma como o Sínodo e o documento pós-sinodal vão ser recebidos, e a reação às decisões papais a respeito de temas práticos como a Comunhão para os divorciados e recasados, irão nos dizer muitas coisas sobre o estado em que se encontra a Igreja", escreve Massimo Faggioli, professor de história do cristianismo e diretor do Institute for Catholicism and Citizenship, na University of St. Thomas, nos EUA, em artigo publicado por Commonweal, nesta semana, traduzido por Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo
O “processo sinodal”, conforme definido por Francisco, tornou-se numa das marcas do seu pontificado. Até agora, o conceito de “recepção” do Sínodo não se aplicava aos sínodos, mas esteve na maior parte reservado do Vaticano II e aos concílios ecumênicos – processo em curso que é mensurado em décadas e gerações, não em meses ou anos. Mas, na verdade, é correto se falar sobre a “recepção” do Sínodo recentemente concluído, que teve traços de um concílio: debates livres e honestos, assuntos sem scripts e um relatório final sem ser pré-fabricado.
O Sínodo dos Bispos enquanto instituição tem somente 50 anos, e inexiste um histórico da recepção dos sínodos (o primeiro foi celebrado em 1967), exceto talvez no caso do Sínodo Extraordinário de 1985 sobre a recepção doVaticano II. Para todos os demais sínodos, podemos somente falar da recepção das exortações apostólicas que se seguiram – documentos que não necessariamente resultaram dos debates sinodais e que certamente não eram frutos de um processo sinodal de dois anos de duração, como o foi este recentemente concluído. A recepção dos sínodos antes de Francisco esteve nas mãos de um episcopado amplamente moldado – quer dizer, nomeado – pelo papa que escreveu a exortação. A situação hoje é bem diferente.
A primeira diferença concernente à recepção do Sínodo de Francisco é que o processo sinodal está identificado com ele e com o seu papel na Igreja hoje. A recepção portanto corre o risco de ser um subconjunto da recepção (ou não recepção) do pontificado de Francisco, seja numa igreja local em particular, seja em um país inteiro – quase um referendo por parte do papa mesmo.
A segunda diferença é que a recepção deste Sínodo exige a sinodalidade (o que Francisco descreveu em sua alocução aos bispos no dia 17 de outubro de 2015). Mas na Igreja Católica de hoje, existem muito poucas ocasiões aos católicos de diferentes “convicções” e de diferentes projetos de vida (nós os chamamos vocações ou ministérios) de se juntarem. A sinodalidade é algo que estamos testando no mais algo nível, entre os bispos e o Papa Francisco, mas com certeza não dentro das nossas igrejas locais. Não está claro como o discurso sobre a sinodalidade deFrancisco, proferido no dia 17 do referido mês, vai se tornar realidade.
Além disso, a recepção do processo sinodal de Francisco nos Estados Unidos irá acontecer num ambiente em que os bispos e teólogos há muito pararam de falar uns com os outros, e onde os leigos são mais fragmentados – o grande traço do catolicismo americano. Isto vem tendo um impacto significativo no equilíbrio eclesiológico e eclesial das vozes e forças na Igreja, e na Igreja americana mais do que em qualquer outro lugar, por causa dos paralelos entre o sistema político bipartidário e das rachaduras evidentes entre os católicos americanos. O fato reconfortante é que, em termos globais, a Igreja Católica deste país é um caso excepcional.
A recepção dos concílios e ensinamentos católicos envolve os leigos e o sensus fidelium: sem os leigos não há recepção na Igreja sinodal. Porém o mais interessante vai ser ver como a recepção deste Sínodo e da exortação pós-sinodal e suas decisões resultará do trabalho dos bispos. Sabemos que todo o “trabalho de descrição” dos bispos fora refeito nestes dois últimos anos; em lugar de modelos de obediência a um pontífice focados numa lista precisa e curta de assuntos candentes, espera-se que eles agora sejam mais pastorais e “evangélicos”. A forma como o Sínodo e o documento pós-sinodal vão ser recebidos, e a reação às decisões papais a respeito de temas práticos como a Comunhão para os divorciados e recasados, irão nos dizer muitas coisas sobre o estado em que se encontra a Igreja.
A história da recepção também inclui casos eminentes de não recepção. Consideremos a Humanae vitae, de Paulo VI, cuja não recepção fora associada ao sensus fidelium ou atribuída simplesmente à insubordinação a um ensinamento papal. A linguagem que empregaremos para descrever as posturas diferentes diante da decisão de Francisco pode revelar muito a respeito das posturas cambiantes na Igreja no tocante ao exercício da primazia papal.
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