Jogador do Real Madrid coloca a glória individual em primeiro lugar
Por John Carlin*
Rafael Nadal já disse várias vezes que o pior para sua carreira como tenista seria “ceder à empáfia”. Ou seja, acreditar realmente ser aquele colosso projetado na imprensa desde o início de sua triunfal trajetória aos 17 anos. Mas quando Nadal faz tal comentário sempre tem a inteligência e a humildade de acrescentar que existem pessoas de todos os tipos; que para outros atletas acreditar em sua própria lenda pode ser o segredo do sucesso.
Cristiano Ronaldo, a estrela do Real Madrid (destroçado pelo Barcelona no sábado, 21, numa goleada de 4x0), pertence à segunda categoria. Deixou isso claro em uma entrevista publicada na semana passada: “Talvez para você Messi seja o melhor; na minha cabeça, sou eu. E todos devemos pensar sobre nós mesmos”.
Diante da demonstração do narcisismo de Ronaldo, existem duas reações possíveis: uma sensação de ternura e outra de ridículo total. Para aqueles de nós capazes de manter a mente aberta, a estreia nessa semana do filme com seu nome talvez nos dê a oportunidade de resolver a questão.
O trailer, divulgado há alguns dias na Internet, e as críticas de jornalistas ingleses que viram o filme nos deixam várias pistas. Segundo vemos no trailer Ronaldo exige que seus amigos confirmem que sim, ele é o melhor; teve uma infância dura e triste; é um pai atento e carinhoso com o filho que conseguiu graças a uma negociação biológica-comercial com uma mulher sem nome, de paradeiro desconhecido; e se sacrificou muito, como Nadal, para se transformar no que ninguém pode negar que é, um dos melhores jogadores de futebol de todos os tempos.
As críticas jornalísticas mostram uma pessoa que joga um esporte de equipe, mas coloca a glória individual em primeiro lugar. Existe pouco reconhecimento, dizem, à contribuição de seus colegas no Manchester United e no Real Madrid à fábrica de gols que tem nos pés. A Bola de Ouro parece ter a mesma importância para ele, ou mais, do que qualquer troféu coletivo. Sua obsessão não é tanto o grande rival do Real Madrid, o Barcelona, mas sim seu grande rival pessoal, Leo Messi. Contam que diz no filme, após Messi ganhar sua terceira Bola de Ouro consecutiva em 2012, que “não irá mais “ à premiação anual da FIFA.
“Se Cristiano é tão infantil como suspeitamos, então perdoaremos suas bobagens como perdoamos as de qualquer criança”.
Podemos ter certeza de que Ronaldo jamais fará com Messi o que Nadal faz com Roger Federer: reconhecer publicamente que seu adversário é o maior. Messi está para Federer assim como Ronaldo está para Nadal. Messi e Federer nasceram para jogar futebol e tênis da mesma maneira que um pássaro nasce para voar. Ronaldo poderia ter sido um atleta olímpico, ou um fisiculturista, e Nadal um jogador de futebol, e até mesmo um jogador de rúgbi. Com Messi e Federer não existe possibilidade de dúvida ou opção. Trabalharão duro na academia e terão cuidado com o que comem, mas não precisam forçar a máquina tanto como Ronaldo e Nadal para render o máximo. O talento de Messi e de Federer é cem por cento orgânico e natural.
Talvez Ronaldo, bem, bem no fundo, saiba disso; talvez intua que Messi é um jogador mais completo e por isso sente a necessidade, em um exercício quase desesperado de autoconvencimento, de lembrar permanentemente a si mesmo e a todos que ele é o melhor. Por isso, segundo contam os que viram o filme, seu agente Jorge Mendes não cansa de adulá-lo sempre que o vê. A suspeita deve ser que a vida de Ronaldo é a crônica de uma patologia anunciada; que a arrogância, sempre a outra face da insegurança, é inevitável em um ser humano que nasceu na pobreza, que foi abandonado por um pai alcoólatra e que subitamente se tornou rico e famoso muito jovem.
A interpretação generosa do personagem egocêntrico que Ronaldo representa diante do mundo é a de não ser uma pessoa ruim, mas que peca por um excesso de candura; que é um menino faminto de amor no corpo de um Adônis de 30 anos. E se o fantástico jogador multimilionário que conheceremos através do filme é tão infantil e tão vulnerável como suspeitamos, então perdoaremos suas bobagens como perdoamos qualquer criança empenhada todo santo dia em chamar a atenção.
‘Ronaldo’, o filme. Veja o trailer:
*John Carlin, jornalista inglês, é correspondente do El País em Barcelona.
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