Nasce novo Governo, com morte anunciada.
Por José Couto Nogueira*
Das eleições legislativas do passado dia 4 de Outubro resultou uma situação inédita em Portugal. (Para um background mais detalhado veja “Eleições legislativas em Portugal: ganham todos os partidos, perdem os eleitores”.)
A Coligação de direita, CD+PSD, que estava no governo desde 2011, com maioria absoluta (182 deputados em 230) ganhou novamente, mas perdeu o controle da Assembleia da República. Desta vez obteve apenas 107 eleitos, contra 86 do PS, socialista, 19 do Bloco de Esquerda (BE), trotskista, 18 do Partido Comunista (PCP), e um solitário do Partido dos Animais e Natureza, de cor política indefinida.
Tradicionalmente, o Presidente da República, Cavaco Silva, convidaria Pedro Passos Coelho, o líder da Coligação, para formar Governo, e depois o executivo que se virasse para conseguir acordos no parlamento que aprovassem seu Programa e Orçamento. Já aconteceu em três legislaturas anteriores, a formação de governos minoritários, que têm vida dura mas sobrevivem. Foram os casos de Cavaco Silva/PSD em 1986/97 e António Guterres/PS em 1995 e 1999. Também é tradição que o líder do principal partido derrotado se demita do cargo de Secretário Geral na noite das eleições.
Mas desta vez foi diferente. O líder do PS, António Costa, que estava à espera de maioria absoluta, em vez de se demitir anunciou imediatamente que não era tolerável o país continuar a ser governado pela direita, quando a esquerda tinha obtido no seu conjunto quase 60% dos votos. Ou seja, a maioria dos eleitores portugueses votara à esquerda, porque estava farta das políticas praticadas pela Coligação. Ora, o que acontece é que, embora a esquerda no seu conjunto seja maioritária, os três partidos que a formam não só são diferentes como, também, são inimigos. O BE e o PCP passaram a campanha inteira a atacar, não a Coligação, mas o PS, que consideram um partido de direita ou, pelo menos, que apoia e aceita as políticas do Governo ultraneoliberal de Passos Coelho. E o PS também passou o período pré-escrutínio a reclamar da postura de “partidos de protesto” do BE e PCP, que estão sempre prontos a criticar mas nunca se quiseram coligar com os “traidores da classe operária” do PS para governar.
No dia seguinte à eleição, deu-se uma viragem imprevisível: os três inimigos jurados de morte declararam de repente que estariam dispostos a unir esforços para derrubar a direita e fazer “um governo patriótico e de esquerda” (o velho slogan do PCP). Ora acontece que os programas destes dois partidos marxistas contêm uma série de medidas que são incompatíveis com a filosofia do PS e também com os compromissos internacionais do país – para não referir os interesses nacionais, que podem ser debatíveis. Do lado dos compromissos, estão a participação na NATO, os acordos de pagamento da dívida nacional com os credores e a inclusão na União Europeia, além de um sem número de tratados económicos e políticos. Quanto aos interesses, até hoje se discute, por exemplo, se Portugal deve fazer parte da zona euro. Também na política interna as diferenças são enormes: todos concordam, por exemplo, em melhorar as aposentadorias (brutalmente cortadas pelo Governo de direita) e aumentar o salário mínimo, mas a ritmos diferentes e em valores díspares. Também concordam em manter a qualidade do Serviço Nacional de Saúde (que tem vindo a degradar-se com cortes orçamentais) e travar as privatizações do ensino e de grandes empresas estratégicas. Mas, considerando este último ponto, os socialistas consideram a recompra de algumas dessas empresas, enquanto os marxistas as querem nacionalizar todas na marra, assim como todos os bancos.
Contudo, movidos pelo interesse comum de chegar ao poder, os três partidos têm estado em difíceis negociações, das quais pouco se sabe. Sobretudo, não convenceram o Presidente da República de que constituem uma garantia de estabilidade e um compromisso em manter os tratados internacionais. Assim sendo, Cavaco Silva empossou na sexta-feira um Governo liderado por Passos Coelho.
Acontece que esse Governo, não tendo maioria parlamentar, está condenado a cair logo nos primeiros dias. Tanto BE como PCP já disseram que o vão derrubar imediatamente com um voto de desconfiança, enquanto o PS poderá esperar pela apresentação do Programa de governo ou do Orçamento, dois documentos cuja rejeição implica na mesma queda.
O que fará então o Presidente Cavaco Silva? Pode obrigar a Coligação a continuar num chamado “governo de gestão”, praticamente sem poderes, o que seria muito negativo para os juros da dívida internacional – a principal preocupação do país. Ou pode convidar António Costa para formar Governo com o apoio da esquerda marxista, o que também seria péssimo sinal para os credores. Acresce que os três recém aliados ainda não disseram como conseguirão aumentar a despesa (implícita nas medidas que defendem) sem aumentar a receita (o que obrigaria a mais impostos). “Taxar os ricos”, por exemplo, o velho mantra da esquerda, não faz sentido numa época em que o dinheiro viaja internacionalmente com a maior facilidade. Reverter as privatizações, mesmo que parcialmente, tem custos elevados.
Não se sabe o que decidirá o Presidente. Até lá, o cenário é de um governo de direita zumbi, ou um governo de esquerda que parece impraticável.
Continua no próximo capítulo…

Das eleições legislativas do passado dia 4 de Outubro resultou uma situação inédita em Portugal. (Para um background mais detalhado veja “Eleições legislativas em Portugal: ganham todos os partidos, perdem os eleitores”.)
A Coligação de direita, CD+PSD, que estava no governo desde 2011, com maioria absoluta (182 deputados em 230) ganhou novamente, mas perdeu o controle da Assembleia da República. Desta vez obteve apenas 107 eleitos, contra 86 do PS, socialista, 19 do Bloco de Esquerda (BE), trotskista, 18 do Partido Comunista (PCP), e um solitário do Partido dos Animais e Natureza, de cor política indefinida.
Tradicionalmente, o Presidente da República, Cavaco Silva, convidaria Pedro Passos Coelho, o líder da Coligação, para formar Governo, e depois o executivo que se virasse para conseguir acordos no parlamento que aprovassem seu Programa e Orçamento. Já aconteceu em três legislaturas anteriores, a formação de governos minoritários, que têm vida dura mas sobrevivem. Foram os casos de Cavaco Silva/PSD em 1986/97 e António Guterres/PS em 1995 e 1999. Também é tradição que o líder do principal partido derrotado se demita do cargo de Secretário Geral na noite das eleições.
Mas desta vez foi diferente. O líder do PS, António Costa, que estava à espera de maioria absoluta, em vez de se demitir anunciou imediatamente que não era tolerável o país continuar a ser governado pela direita, quando a esquerda tinha obtido no seu conjunto quase 60% dos votos. Ou seja, a maioria dos eleitores portugueses votara à esquerda, porque estava farta das políticas praticadas pela Coligação. Ora, o que acontece é que, embora a esquerda no seu conjunto seja maioritária, os três partidos que a formam não só são diferentes como, também, são inimigos. O BE e o PCP passaram a campanha inteira a atacar, não a Coligação, mas o PS, que consideram um partido de direita ou, pelo menos, que apoia e aceita as políticas do Governo ultraneoliberal de Passos Coelho. E o PS também passou o período pré-escrutínio a reclamar da postura de “partidos de protesto” do BE e PCP, que estão sempre prontos a criticar mas nunca se quiseram coligar com os “traidores da classe operária” do PS para governar.
No dia seguinte à eleição, deu-se uma viragem imprevisível: os três inimigos jurados de morte declararam de repente que estariam dispostos a unir esforços para derrubar a direita e fazer “um governo patriótico e de esquerda” (o velho slogan do PCP). Ora acontece que os programas destes dois partidos marxistas contêm uma série de medidas que são incompatíveis com a filosofia do PS e também com os compromissos internacionais do país – para não referir os interesses nacionais, que podem ser debatíveis. Do lado dos compromissos, estão a participação na NATO, os acordos de pagamento da dívida nacional com os credores e a inclusão na União Europeia, além de um sem número de tratados económicos e políticos. Quanto aos interesses, até hoje se discute, por exemplo, se Portugal deve fazer parte da zona euro. Também na política interna as diferenças são enormes: todos concordam, por exemplo, em melhorar as aposentadorias (brutalmente cortadas pelo Governo de direita) e aumentar o salário mínimo, mas a ritmos diferentes e em valores díspares. Também concordam em manter a qualidade do Serviço Nacional de Saúde (que tem vindo a degradar-se com cortes orçamentais) e travar as privatizações do ensino e de grandes empresas estratégicas. Mas, considerando este último ponto, os socialistas consideram a recompra de algumas dessas empresas, enquanto os marxistas as querem nacionalizar todas na marra, assim como todos os bancos.
Contudo, movidos pelo interesse comum de chegar ao poder, os três partidos têm estado em difíceis negociações, das quais pouco se sabe. Sobretudo, não convenceram o Presidente da República de que constituem uma garantia de estabilidade e um compromisso em manter os tratados internacionais. Assim sendo, Cavaco Silva empossou na sexta-feira um Governo liderado por Passos Coelho.
Acontece que esse Governo, não tendo maioria parlamentar, está condenado a cair logo nos primeiros dias. Tanto BE como PCP já disseram que o vão derrubar imediatamente com um voto de desconfiança, enquanto o PS poderá esperar pela apresentação do Programa de governo ou do Orçamento, dois documentos cuja rejeição implica na mesma queda.
O que fará então o Presidente Cavaco Silva? Pode obrigar a Coligação a continuar num chamado “governo de gestão”, praticamente sem poderes, o que seria muito negativo para os juros da dívida internacional – a principal preocupação do país. Ou pode convidar António Costa para formar Governo com o apoio da esquerda marxista, o que também seria péssimo sinal para os credores. Acresce que os três recém aliados ainda não disseram como conseguirão aumentar a despesa (implícita nas medidas que defendem) sem aumentar a receita (o que obrigaria a mais impostos). “Taxar os ricos”, por exemplo, o velho mantra da esquerda, não faz sentido numa época em que o dinheiro viaja internacionalmente com a maior facilidade. Reverter as privatizações, mesmo que parcialmente, tem custos elevados.
Não se sabe o que decidirá o Presidente. Até lá, o cenário é de um governo de direita zumbi, ou um governo de esquerda que parece impraticável.
Continua no próximo capítulo…
*O jornalista José Couto Nogueira, nascido em Lisboa, tem longa carreira feita dos dois lados do Atlântico. No Brasil foi chefe de redação da Vogue, redator da Status, colunista da Playboy e diretor da Around/AZ. Em Nova Iorque foi correspondente do Estado de São Paulo e da Bizz. Tem três romances publicados em Portugal.
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