segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

A NATO tenta se reinventar

A OTAN figurou na Guerra Fria como uma aliança de países contra a “ameaça” comunista.
Putin está furioso. Na escalada do que ele considera como provocações à integridade e estabilidade da Federação Russa, a NATO acaba de integrar mais um país muito próximo das suas fronteiras. Trata-se da Albânia, uma potência que dificilmente se poderá considerar ameaçadora, dado que tem três milhões de habitantes e 15 mil efectivos nas forças armadas. A admissão na NATO é vista pelos russos como mais uma provocação norte-americana, num quadro de tensão renascida e crescente entre os velhos adversários dos tempos da Guerra Fria.
Quase desconhecida no Brasil, por razões óbvias, a  NATO (North Atlantic Treaty Organization) ou OTAN (Organisation du Traité de l'Atlantique Nord), está precisamente na origem da Guerra Fria – há até quem diga que foi com a sua criação que ela começou.
Constituída em 1949 por iniciativa do Presidente Truman, logo a seguir ao confronto provocado pelo fechamento do corredor terrestre entre Berlim e a República Federal da Alemanha, era uma aliança dos países ditos ocidentais contra a “ameaça” comunista, embora a expressão “comunismo” ou a Rússia Soviética nunca sejam mencionadas no documento fundador. Oficialmente, tratava-se de um pacto defensivo – se um dos países fosse atacado por “alguém”, todos os outros viriam em sua defesa. Originalmente, a Alemanha não fazia parte do tratado, embora os exercícios conjuntos da Aliança se desenrolassem em solo germânico – jogos de guerra cujo cenário era inevitavelmente uma invasão soviética.
Aos treze países iniciais (EUA, Canadá, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, França, Grã Bretanha, Portugal, Noruega, Dinamarca e Islândia) juntaram-se em 1952 a Grécia e a Turquia. Mas foi em 1955, quando a República Federal da Alemanha passou a ter oficialmente forças armadas e entrou para o clube, que a URSS resolveu revidar, criando uma aliança semelhante de magnetismo contrário: o Pacto de Varsóvia. Cristalizava-se assim a Guerra Fria, que nunca chegou a quente, embora fervesse em várias alturas, como quando os russos enviaram mísseis para Cuba (1962), em contrapartida dos mísseis americanos estacionados na Turquia.
Quando a União Soviética se desfez (historicamente, em Novembro de 1989, com a queda do muro de Berlim) a NATO deixava de ter razão para existir. Na prática, nunca tinha entrado em acção; as guerras que houve entre os dois blocos foram sempre em países terceiros – as chamadas “proxy wars” — uma vez que se considerou sempre, muito sensatamente, que uma confrontação directa entre a NATO e o Pacto de Varsóvia seria a III Guerra Mundial e o inevitável holocausto nuclear.
Sem guerra real, a NATO foi-se tornado uma organização burocrática, espalhada por sumptuosos quartéis-generais e habitada por hierarquias militares que não eram mais do que altos funcionários públicos fardados. Para as forças armadas dos países participantes, pertencer à NATO era abrir muitas oportunidades de mordomias esplêndidas, cocktails, festas engalanadas, visitas de cortesia e tardes de war games. Portanto, esse maná de luxos não podia acabar assim de repente, só porque os aparatchniks russos descobriram que podiam viver melhor como grandes capitalistas do que como funcionários do partido.
Uma vez que a NATO nunca se tinha assumido como anti-comunista, o fim do comunismo não esgotava o tão apreciado objectivo de defesa mútua. Antes pelo contrário: podia alargar-se a Aliança a outros países, ex-comunistas, também interessados em alianças com o Ocidente e arranjar ocupação para os generais ociosos. Assim, em 1999, a Hungria, a República Checa e a Polónia também aderiram, seguidas em 2004 pela Estónia, Letónia, Lituânia, Eslovénia República Eslovaca, Bulgária e Roménia.
A Federação Russa não via nada disto com bons olhos, evidentemente, mas o país estava a atravessar uma crise económica e de liderança, na difícil passagem do comunismo predador para o capitalismo selvagem. E, de repente, tudo mudou. Descobriu-se gás natural e revelou-se Putin, um líder como os russos gostam, dominador, orgulhoso e pronto para a briga.
A Rússia voltou a ter equipamentos militares em ordem de marcha e ambições expansionistas. No mínimo, recuperar territórios perdidos. A NATO, um tanto estupidamente, resolveu cutucar a onça com vara curta, e o terreno escolhido foi o mix étnico da Ucrânia. Sobre esse conflito, muito já se disse e muito há para dizer. Agora, a Federação Russa resolveu assumir o seu papel imperial e aproveitou bem a catástrofe síria.
Depois dos atentados de Paris, Hollande chamou à pedra a NATO; quando um país é atacado, os outros têm de defendê-lo. Só que a NATO não tem tropas próprias; é preciso juntar as dos seus membros e mandá-las para a Síria, situação que nenhum país da Aliança está preparado para enfrentrar. É preciso que a NATO se modernize, esqueça as frentes de batalha de tanques e as linhas de trincheiras e entre na guerra do século XXI. Consegui-lo-á? Aceitam-se apostas.


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