terça-feira, 26 de janeiro de 2016

As eleições presidenciais em Portugal

A disputa pelo cargo de presidente da República estabelece novo equilíbrio político.
O conservador Marcelo Rebelo de Sousa venceu as eleições.
Como é sabido, nos regimes semipresidencialistas o presidente da República tem um papel muito limitado. Pode demitir o governo, em certas condições, e promulgar eleições para que os cidadãos escolham outro Executivo. É mais ou menos o sistema das antigas (e remanescentes) monarquias, eliminando-se a sucessão hereditária. Se o sistema é bom ou mau, não vem para o caso; é o prevalecente nas democracias europeias – com a notável excepção da França, devida a de Gaule – e funciona razoavelmente.
Resta ao presidente, no dia-a-dia, aquilo a que se chama uma “magistratura de influência”, podendo nos seus discursos e conversas privadas influenciar as políticas do governo. Pode até – mas não deve – “segurar” um governo discutível, afirmando que não vê razões para o demitir. Pode também atrasar algumas leis criadas no Parlamento, criando-lhes dificuldades. Foi precisamente o que fez o presidente cessante, o mais impopular deste regime iniciado em 25 de abril de 1975. Cavaco Silva, eleito duas vezes, como é de praxe, durante os dez anos que ocupou o palácio de Belém foi somando antagonismos, inimizades e incompreensões, terminando no domingo o mandato com alívio geral da nação.
Nas eleições desse domingo, a situação era original em vários aspectos. Tinha um número nunca visto de candidatos – dez – mesmo sendo alguns irrelevantes (basta 7.500 assinaturas para propor um candidato). Todos se candidatavam pela primeira vez, embora alguns tivessem carreiras políticas. E há uma nova consciência da importância que o cargo pode ter, depois de ter sido tão mal exercido. Acresce que o PS voltou ao Executivo, depois de ter perdido nas urnas, com um apoio parlamentar inédito, criando um governo periclitante que o presidente da República poderá, ou não, sustentar ou dificultar.
Como é habitual, a direita tinha apenas um candidato relevante, o professor universitário e comentador de televisão Marcelo Rebelo de Sousa, extremamente popular, enquanto a esquerda se fragmentou por vários, conforme as suas muitas posturas quanto ao que deverá ser a “revolução popular”. Como a eleição pode ser em duas voltas, o que se esperava era que Marcelo não atingisse os 50% mais um voto, necessários para ganhar logo à primeira, e na segunda, também conforme o habitual, as esquerdas se juntassem no mais forte – no caso o professor universitário, sem carreira política, Sampaio da Nóvoa. A espectativa gorou-se; Marcelo teve 52,1% e Nóvoa apenas 22,83%.
Deste modo surge um novo equilíbrio no sistema, situação que muitos consideram a mais adequada aos interesses do país: um presidente de um lado (direita) e um governo do outro (esquerda). Marcelo já disse que favorece o diálogo e o consenso, pelo que não fará a vida difícil ao primeiro ministro socialista António Costa.
Os resultados têm altuns aspectos dignos de nota. Outra candidata da área socialista, Maria de Belém, com uma longa carreira política e que representava o “PS jurássico”, apoiada não oficialmente pela hierarquia católica e envolvida em várias manobras difíceis, teve uma votação vexatória, 4,24%.
Marisa Matias, a candidata do Bloco de Esquerda (que apoia o Governo PS) chegou num inesperado terceiro lugar, com 10% dos votos, muito à frente do candidato do Partido Comunista, Edgar Silva, com uns ridículos 3,9%.
O PCP atravessa um período complexo, dividido entre a linha dura, que é contra o apoio ao governo socialista, e a linha menos dura que o impôs, e esta derrota estrondosa poderá dificultar o seu suporte ao executivo PS. O partidão tem sido sucessivamente derrotado pelos comunistas pós-modernos do Bloco, e o secretário geral Jerónimo de Sousa certamente terá grandes dificuldades no Comité Central, que poderão levá-lo a não apoiar mais o governo.
Em dez candidatos não faltaram os folclóricos, como o calceteiro Vitorino Silva, desdentado, mas muito esperto (assim uma espécie de Tiririca), ou o “psicólogo motivacional” Jorge Sequeira, ou ainda o ex-autarca Paulo de Morais, que fez a campanha toda com o mote de acabar com a corrupção – uma motivação que, pelo menos papel, é universal e inatingível.
Por outro lado, a campanha, como sempre acontece, andou mais à volta de fait divers e mexericos contra uns e contra outros do que de ideias concretas – mas é o estilo português, do qual todos se queixam mas vivem bem com isso.
Portugal entra assim num novo ciclo político, simultaneamente periclitante e estável, em que terá de se concentrar no magno problema de gerir a sua dívida externa. Equilibrar os benefícios sociais, muito degradados nos últimos anos, com as despesas da dívida, será a tarefa quase impossível deste governo (nomeado em dezembro), agora com o apoio de um presidente que quer muito desfazer a má impressão do cargo que o anterior deixa.
Fora isso, o clima continua ameno e a criminalidade baixa.

Resultados:
Marcelo Rebelo de Sousa              52,10%
Sampaio da Nóvoa                         22,83%
Marisa Matias                                 10,12
Maria de Belém                              4,24% 
Edgar Silva                                     3,90% 
Vitorino Silva                                  3,29% 
Paulo de Morais                             2,16%  
Henrique Neto                                0,84%  
Jorge Sequeira                               0,30%  
Cândido Ferreira                            0,23%  
Abstenção                                      51,2%
*O jornalista José Couto Nogueira, nascido em Lisboa, tem longa carreira feita dos dois lados do Atlântico. No Brasil foi chefe de redação da Vogue, redator da Status, colunista da Playboy e diretor da Around/AZ. Em Nova Iorque foi correspondente do Estado de São Paulo e da Bizz. Tem três romances publicados em Portugal.

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