segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Espanha: Um mês à procura de Governo

País está novamente a mudar. Que seja para melhor, é o que todos desejamos.
Por José Couto Nogueira*
As eleições legislativas de 20 de Dezembro deu um resultado inédito na Espanha pós-Franco: não só não consagrou a habitual maioria absoluta do PP (Partido Popular, de direita) ou do PSOE (Partido Socialista Obrero Español) como outros partidos obtiveram votações expressivas. Conforme reportamos na altura, o Podemos e o Cidadãos, duas forças que, precisamente, se opõem ao rotativismo dos grandes, conseguiram resultados que lhes dão peso, sobretudo quando nem PP nem PSOE têm deputados suficientes para governar sozinhos. Vistos com arrogância quando foram criados, o Cidadãos em 2006 e o Podemos em 2014, tiveram um crescimento exponencial, alimentado pela crise económica e pelo desgaste das propostas ineficientes dos partidos tradicionais. A estes dois recém-chegados juntam-se ainda votações pequenas mas significativas dos chamados “partidos regionais” que defendem a independência do Pais Basco, da Catalunha e da Galiza. O Podemos, até queria ter quatro grupos parlamentares - um em nome próprio e outros três com base nas candidaturas regionais.
Logo sabidos os resultados, começou a falar-se numa situação igual ao que aconteceu em Portugal no mês anterior; o partido de direita, que ganhou nas urnas, acabou por ser derrotado no parlamento por uma coligação de última hora dos partidos de esquerda. Mas, se no caso português foi muito difícil conseguir esse arranjo entre concorrentes, no caso espanhol é ainda mais complicado.
Para começo de conversa, o Podemos e o Cidadãos são bastante diferentes e têm programas pontualmente antagónicos. O Cidadãos, classificado como de centro-direita, recusa qualquer autonomia das três províncias contestatárias, enquanto o Podemos, de esquerda, aceita uma quase independência regional.
Começou imediatamente um rodopio de negociações. O PP de Mariano Rajoy propôs reformas muito mais além do que tinha no seu programa, e tentou o impensável, fazer uma aliança estratégica com o PSOE, dando-lhe alguns doces para ter pelo menos o seu apoio parlamentar – já que uma coligação seria totalmente contra-natura e nunca aceite pelos militantes de base. O PSOE claro que se aproximou das suas nemésis, também esticando bastante o seu programa para acolher propostas dos minorcas, mas sem ceder em pontos que considera intocáveis, como as autonomias.
Quanto aos outros partidos, todos se mostraram disponíveis para negociações, mas com pouca disposição para contrariar o que tinham prometido aos eleitores.
(Convém aqui abrir um parêntesis para lembrar que o sistema brasileiro, pelo qual o partido vencedor oferece ministérios e lugares-chave a amigos e inimigos para juntar todo o mundo no mesmo barco, sem considerações ideológicas ou pelas escolhas do eleitorado, é impossível nas democracias europeias. Fazem-se coligações, mas dentro da mesma cor politica, ou então frágeis alianças circunstanciais. Casos como o da Grécia, que juntou marxistas e fascistas, só numa situação de desespero nacional, e têm vida curta.)
A primeira decisão constitucional depois das eleições é a escolha do presidente das Cortes. O PSOE (22%) e o Ciudadanos (14%) chegaram a acordo para eleger o socialista Patxi López. O PP resolveu abdicar da sua candidatura e absteve-se, a pensar que sendo “simpático” poderá ainda conseguir que PSOE aceite Rajoy como Primeiro Ministro.
Na Mesa do Congresso, composta por oito elementos, o PSOE terá ainda um vice-presidente, ao passo que o PP terá direito a dois (a que se soma uma secretária). O Podemos e o Ciudadanos terão direito a dois lugares cada um.
O acordo foi feito entre o socialista Pedro Sanchez e o cidadão Albert Rivera. O líder do PSOE afirmou não ter discutido o assunto com o PP, sublinhando que o acordo foi feito apenas com o Ciudadanos. Mas, se Sánchez preferiu destacar o fim do confronto com o Ciudadanos, o partido de Rivera fala antes no fim do confronto entre PP e socialistas. No entanto, afirmou também não ter conseguido juntar à mesa o PSOE e o PP: os três “falaram em separado.
O Podemos, que tinha proposto a sua deputada Carolina Bescansa, veio logo acusar os socialistas de traírem os eleitores, pondo em risco um eventual governo de Sánchez. É "decepcionante" e "uma vergonha", disse Iglesias, que até chorou umas lágrimas de crocodilo à saída do Parlamento.
Mas o PSOE ainda está a contar com o eventual apoio do Podemos para chegar ao Governo, caso Mariano Rajoy (que deverá ser convidado pelo rei Felipe VI a formar governo após as consultas com os partidos) não consiga votos parlamentares para ser reeleito.
Neste jogo de poker tudos os inuendos e insinuações têm um significado e já apontam para a jogada seguinte.
Rajoy apresentou a sua cordial abstenção com uma espécie de ensaio geral do que pretende para garantir a investidura. O líder do PP insiste na ideia de querer um governo "viável e coerente" que permita "fazer de forma consensual as reformas pendentes" e dar "estabilidade, certeza e segurança" ao país, considerando que as alternativas (governo de esquerdas) iriam apenas gerar "insegurança, incerteza e uma legislação de curta duração".
A questão – uma das questões, já que são tantas – é que o Ciudadanos e o Podemos ainda se entendem menos do que o PP e o PSOE. Albert Rivera teve uma troca acesa de palavras com Iglesias na rádio. "Isto (a eleição de Lopez) não era o que as pessoas queriam e não o vão esquecer nas próximas eleições", disse o líder do Podemos, com Rivera a responder que já houve eleições e agora é hora de trabalhar.
Patxi López, num curto discurso após assumir a presidência, lembrou que "é mais o que nos une que o que nos separa", apelando à superação das diferenças. Defendeu ainda que "o diálogo e o entendimento" devem fazer parte do trabalho parlamentar, pedindo "colaboração e compromisso". Para a presidência do Senado, onde o PP tem a maioria, foi reeleito Pío García Escudero.
Enquanto decorrem estas escaramuças, os espanhóis assistem ao espectáculo inédito do novo Parlamento com uma frequência muito diferente do habitual na sisuda e institucional câmara baixa. Houve deputados ecologistas do Equo que chegaram de bicicleta (foram obrigados a ir pelas traseiras). Já os do Compromís foram a pé ao som de uma banda de música, uma deputada levou o bebé para o hemiciclo, há muitas caras novas e selfies, juramentos de tomada de posse que saíram fora do tradicional e até lágrimas. Uma deputada vestia uma t-shirt dizendo “working class girl”.
Carolina Bescansa deu de mamar ao seu bebé de meses no plenário na bancada parlamentar. Houve alguém na direita que não achou muita graça; na votação para a presidência do Parlamento, contou-se um voto nulo: estava escrito "o bebé de Bescansa". Carolina foi votar com o filho nos braços e deixou que brincasse com Pablo Iglesias.
O ministro do Interior (ainda PP), Jorge Fernández Díaz, acusou-a de "usar o bebé com fins políticos". Carme Chacón, socialista, que foi mãe quando era ministra da Defesa, também criticou: "Parece-me muito mal porque há muitas mães trabalhadores que não podem fazer o mesmo e penso que é um mau exemplo, já que se fizeram muitos esforços para que as deputadas, que não gozam de licença de maternidade, possam dar de mamar fora do salão."
A muito tradicional Espanha está novamente a mudar (a primeira vez foi com o fim do franquismo, em 1976). Que seja para melhor, é o que todos desejamos.
*O jornalista José Couto Nogueira, nascido em Lisboa, tem longa carreira feita dos dois lados do Atlântico. No Brasil foi chefe de redação da Vogue, redator da Status, colunista da Playboy e diretor da Around/AZ. Em Nova Iorque foi correspondente do Estado de São Paulo e da Bizz. Tem três romances publicados em Portugal.

Nenhum comentário:

Postar um comentário