sábado, 23 de janeiro de 2016

Para rir melhor

Um mundo perfeito (perfacere/ já feito/ completo) é um mundo onde não há tempo ou mudança, onde impera a realidade do eterno e não se fala do ser, com inicial minúscula, mas do Ser, com maiúscula. A este, a antiguidade clássica atribuiu quatro categorias: beleza, bondade, unidade e verdade. Tudo que possuísse uma ou mais dessas quatro características participaria mais da totalidade do Ser.

Em compensação, tudo o que fosse feio, mau, fragmentado e falso apontaria não para a completude e perfeição eternas, mas indicaria a realidade de finitude dos seres. Ou seja, tudo isso apontaria para o limite do ser, para sua morte. Ao contrário da perfeição eterna, os que habitam no tempo estão sujeitos à mudança, estão na realidade dos que vão se fazendo, do ser sendo, dos imperfeitos e incompletos, dos que ainda não são.

Acontece que as quatro categorias sofrem da percepção cultural, de fatores que não são fáceis de serem estabelecidos como definidores em absoluto. No período clássico, por exemplo, considerava-se belo aquilo que era harmônico e, por isso, presava-se por simetria, proporção etc. Contudo, algo pode ser harmônico e nem por isso agradar à visão ou aos ouvidos. Do mesmo modo, aquilo que aponta para a finitude não é necessariamente feio, mau, fragmentado e falso, mas pode se afigurar como tal dependendo do padrão cultural.

Aqui entra o humor. Ele é uma maneira de acolher, de encontrar graça no que se afigura como desgraça. Se o gozo é fruto da completude, de modo paradoxal o humor é uma reconciliação com a finitude, um modo de trazer para si uma realidade rejeitada e integrá-la, encontrando aí o motivo do seu gozar. O humor se volta para aquilo que, ainda que culturalmente estabelecido, não seja bom, nem belo, nem uno e nem verdadeiro. Rimos do que revela a finitude da realidade porque vemos aí um espelho do que quereríamos rejeitar em nós mesmos.

A arte, por sua vez, tem modos de trazer essa realidade à tona de modo que ela não seja um ataque e que nos faça sentir mal. Diferentemente, o sarcasmo obriga as pessoas a se verem finitas, como alguém que cortasse a carne do outro para lhe mostrar sua fragilidade. Aliás, a palavra sarcasmo quer dizer isso, cortar a carne. Já a comédia, que surge das festas dionisíacas em que se celebrava o caos em lugar da ordem e perfeição, evidencia uma finitude que é comum a todos e aponta para a possibilidade de viver com elas. É como se dissesse: “Não está nada bom, então vamos aproveitar”.  Parece que nesse ponto está a diferença entre uma obra que ofende e outra que não, uma é ataque e outra é celebração. Geralmente no humor sentimo-nos implicados naquilo de que rimos e acolhemos nossa finitude e quem nos faz rir também está implicado porque são expressões da finitude humana. Já as formas que ferem parecem excluir uma parte, como se dissessem que um grupo ou modo de ser é bom e o outro não, estabelecendo diferenças e gerando exclusões.

A diferença entre uma boa comédia e um espetáculo que apresenta apenas reforço de estereótipos é bem sutil e delicada. Dependerá muito da relação entre ator e público e das tessituras que entremeiam o roteiro. Aliás, em diversos dicionários de teatro pelo mundo é atribuído ao comediante o significado daquele que já dominou as outras artes teatrais, porque é mais difícil fazer rir do que fazer chorar. Há muita gente produzindo comédia de qualidade duvidosa simplesmente porque atrai maior público. Geralmente são textos rasos e atuações simplórias que, em vez de produzirem humor, apresentam apenas estupidez.

42ª Campanha de Popularização do Teatro e da Dança

Janeiro é tempo de Campanha de Popularização do Teatro e da Dança. A edição belorizontina está na sua 42ª edição. Nela há grupos fantásticos apresentando peças de grande envergadura tanto na qualidade textual como na atuação, cenografia, iluminação, direção etc. Infelizmente o maior número de peças é de comédia, dentre as quais figuram besteiróis, escrachos e mais do mesmo. Há algumas boas e que, geralmente não são as que têm sucesso de público. Embora em menor quantidade, a mostra conta com outros gêneros: Cênico Musical, Contemporâneo, Drama, Drama Cômico, Drama Musical, Fábula, Improvisação, Multigênero, Musical, Teatro Documentário, Tragédia, Tragicomédia e Tragicomédia Romântica. Isso sem falar da Dança, Teatro Infantil e Teatro de Rua. É importante dar visibilidade ao diversos modos de se fazer teatro que sobrevivem à custa de muito suor, uma vez que não são tão rentáveis e dificilmente conseguem patrocínio.

Na 42ª Campanha, o Sinparc promove ações especiais, destacando algumas mostras dentro da programação, com espetáculos reunidas conforme o gênero, processos criativos ou especificidades de cada montagem. Essas peças são indicadas com um selo “mostra – campanha 2016” e todas são muito boas.

Os preços das peças variam entre 5, 10, 12 e 15 reais, conforme o espetáculo. Uma novidade sobre a compra dos ingressos é o aplicativo da campanha. Além da Capital, o evento acontece também nas cidades de Betim, Conceição do Mato Dentro, Juiz de Fora, Nova Lima e Sete Lagoas. Maiores informações em www.sinparc.com.br.

Gilmar P. da Silva SJMestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, com pesquisa em Signo e Significação nas Mídias, Cultura e Ambientes Midiáticos. Graduação em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Possui Graduação em Filosofia (Bacharelado e Licenciatura) pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. Experiência na área de Filosofia, com ênfase na filosofia kierkegaardiana. 

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