sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Vida longa

Não ficamos mais sábios com o passar dos anos, descobrimos novas formas de piorar.
Por Max Velati*
O ano mal começou e já começou mal.
Nas primeiras semanas tivemos uma revoada de famosos indo para o Céu e esta semana - nem tão famoso assim, eu sei  - perdemos também o Sr. Yasutaro Koide, alfaiate de profissão. Nascido no Japão no dia 13 de março de 1903, o Sr. Koide era até então o homem mais velho do mundo, prestes a completar 113 anos. Nas entrevistas costumava revelar que o segredo de sua vida longa estava em se manter longe de cigarros, bebidas e não cometer excessos.
Fiquei pensando como deve ter sido difícil para o Sr. Koide manter esta sensatez num mundo que nos ultimos cem anos nada mais fez do que cometer excessos.
O Sr.Koide tinha apenas 8 anos e não deve ter entendido a importância do fato quando em 1911 Ernest Rhuterford descobriu a estrutura do átomo, mas certamente sentiu na pele aos 42 anos o estrago causado pela bomba em Hiroshima.
Deve ter ficado abismado aos dez anos ao ver a maravilhosa invenção do para-quedas e o no mesmo ano deve ter ficado estarrecido com o naufrágio do Titanic. Tinha onze anos quando a Primeira Grande Guerra começou e no mesmo ano viu o seu querido Japão enfrentar uma Guerra particular contra o vulcão Sakurajima.
O Sr. Koide viu o Primeiro Prêmio Nobel, o renascimento da Ku Klux Klan e o Horário de Verão instituído pela primeira vez. Também viu Mussolini marchar em Roma, o nascimento do cinema mudo e soube que Lindbergh havia cruzado o Atlântico. Viu a Depressão causada pelo crash da Bolsa, a marcha de Ghandi, a descoberta de Plutão e a terrível explosão do dirigível Hindenberg.
O Sr. Koide tinha 36 anos quando começou a Segunda Guerra e 48 quando o tratado de paz foi assinado com o Japão. Viu o assassinato de Martin Luther King, a descoberta do DNA, o pouso do homem na Lua e as primeiras calculadoras de bolso. Viu ainda o começo da AIDS, a Guerra das Malvinas e a Grande Fome na Etiópia. Viu também o desastre nuclear em Chernobyl e a queda do muro de Berlim. Viu o genocídio na Bósnia e o suposto fim da Guerra Fria. Viu com espanto nascer a Internet e a eleição de Mandela como presidente.
Mas o Sr. Koide viu mais.
Viu que não ficamos mais sábios com o passar dos anos. Bem ao contrário disso, descobrimos novas formas de piorar. Inventamos meios eficientes de tornar pobre o que era rico; uma regra de desvalorização que aplicamos a tudo, dos alimentos às relações humanas, do ar às florestas, dos rios aos oceanos.
O Sr. Koide viu em primeira mão como repetimos com insistência insana os mesmos erros década após década e tenho certeza que ele viu com surpresa como nos empenhamos em inventar erros inteiramente novos. O Sr. Koide sabe que não crescemos, não nos tornamos mais civilizados, não paramos de jogar lixo no chão, não desistimos de explorar a terra por dinheiro e de fazer guerras políticas, econômicas e étnicas.
O Sr. Koide viu que as promessas da tecnologia na maior parte dos casos se mostraram vazias. Também deve ter visto que as novas leis apenas criaram novos crimes e novos criminosos.
Na minha opinião, o Sr. Koide cansou de esperar que o mundo entendesse a sua sensatez.
*Max Velati trabalhou muitos anos em Publicidade, Jornalismo e publicou sob pseudônimos uma dezena de livros sobre Filosofia e História para o público juvenil. Atualmente, além da literatura, é professor de esgrima e chargista de Economia da Folha de S. Paulo. Publica no Dom Total toda sexta feira.

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