sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Elogio da política de Bergoglio

Entrevista com Riccardo Cristiano, especialista em geopolítica do Oriente Médio
Franciscus PP
O cenário internacional está vivendo mudanças que para alguns especialistas em geopolítica qualificam-se como importantes. Os eventos vão desde a dramática crise dos migrantes com números bíblicos de vítimas no Mediterrâneo aos grandes êxodos para a Europa que colocam a dura prova a política das fronteiras abertas; de uma superlotação dos países que acolhem, à remoção das sanções contra o Irã e o flerte entre a potência pérsica e os Estados Unidos, considerados até pouco tempo, “As-Shaytan al-akbar” (O grande demônio); da luta internacional contra auto-denominado Estado islâmico às acusações russas contra Ankara e seu pacto secreto com os terroristas de Al-Baghdadi…
Portanto, com esse panorama nos voltamos a Riccardo Cristiano, jornalista da Rai, especialista em política do Oriente Médio e autor de várias obras de aprofundamento sobre temas quentes dessa área.
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ZENIT: O cidadão europeu médio, mas também o mais prudente, se depara com um complexo tabuleiro de xadrez do qual não se interessaria caso não lhe despertasse medo e se não tocasse na sua porta com violência e insistência (pensemos nos atentados em París, mas não só). A questão surge amarga, alimentada com todo o medo do desconhecido: onde estamos? O que está acontecendo?
Riccardo Cristiano: Eu tenho um sentimento desagradável de que estamos de volta ao mesmo ponto em que se vivia no fim do império Otomano quando se chegou a conceber o genocídio dos armênios como fruto de uma política defensiva dos unionitas. No livroMezzanotte a Istanbul (Meia noite em Istambul), Charles King reflete sobre a formação da Turquia Kemalista e não fala mal dos unionistas, que  acolhem alguns casos de modernidade. Mas o autor afirma que perante o medo dos império (o império russo e outros) chegam a conceber o genocídio como um sistema para acabar com o possível aliado do inimigo. Escreve King: “Os funcionários do governo otomano estavam determinados a desmascarar qualquer quinta coluna (ou suposta) que fosse favorável aos objetivos territoriais dos aliados. Na Anatólia oriental unidades do exército e milícias irregulares organizaram a deportação de aldeias armênias inteiras e de outros cristãos considerados potencialmente leais à Rússia”.
ZENIT: E como isso se aplica aos nossos dias?
Riccardo Cristiano: O meu medo é que no emaranhado caótico de tantas frentes, se chege à solução bárbara que passa silenciosa, como o genocídio dos armênios. Também hoje é possível chegar a conceber soluções finais deste tipo. Os turcomanos são um problema? Tornam-se um sujeito candidato a um genocídio. A Turquia corre o risco de perder a sua unidade estadual, e chega-se a conceber a transferência de pessoas. Os cristãos deixam a Turquia, os muçulmanos deixam a Grécia. De fato, são arrancadas comunidades tecidas de cansativa vida comum. O dado que unifica os dois nacionalismos: o grego e o turco é a religião. Mas isso não foi feito em nome da religião, mas em nome dos nacionalismos.
ZENIT: Então, a sua leitura dos fatos contemporâneos não é religiosa? Nem sequer na luta aberta entre xiismo e Sunismo guiados respectivamente pelo Irã e Arábia Saudita?
Riccardo Cristiano: Como o genocídio foi concebido usando a alavancagem religiosa, mas na sua fundação houve mais o dado nacionalista, também hoje nos encontramos diante de dois motores primários: o nacionalismo e o imperialismo. O nacionalismo está lá e pode chegar a pensar em termos extremos. A rivalidade entre árabes e persas é uma rivalidade imperial que sempre olhou para o Mediterrâneo. Temos de nos adaptar ao imperialismo de um e do outro ou buscar uma política inclusiva que faça emergir os estados e dê a cada um o próprio.
Falando em termos concretos, os sauditas querem garantir-se fazendo-se portadores do imperialismo árabe. O Irã quer alavancar o dado religioso para propor a cultura imperialista iraniana.
ZENIT: É bem sabido que a distinção entre política e religião são “valores” ocidentais. O homo islamicus é um homem que não pode – precisamente porque tanto o seu livro sagrado quanto o seu profeta – falam de simultânea e recíproca confluência entre “din wa dunya” (religião e mundo). Tendo em conta isso, o seu não é, talvez, um ponto de vista de um ocidental leigo capaz de distinguir entre dado religioso e dado político?
Riccardo Cristiano: Eu não posso julgar a partir da mente do outro, julgo a partir da minha cultura. E os dados da minha cultura me ensinam que viver juntos em algumas áreas do mundo árabe foi possível, apesar da diferença religiosa. Em outras áreas não foi possível pelo fechamento impenetrável de algumas áreas. Pense que até há pouco tempo não conhecíamos a configuração de alguns terrenos da Arábia Saudita.
As outras áreas, como Líbano, Síria, Egito são símbolos mundiais de convivência. Difícil sim, mas factível.
ZENIT: Como se faz para construir a cidadania da qual fala muitas vezes nos seus escritos?
Riccardo Cristiano: Criando um espaço comum na base da própria cidadania. Se temos uma região complexa do ponto de vista da sua composição étnica cultural, devemos protege-la. Não se pode fazer como o tratado de Losanna, onde os libaneses cristãos foram destinados às montanhas, e os muçulmanos à planície.
Agora fazemos a mesma escolha de Losanna? Ou tentamos proteger o espaço como espaço aberto através de uma política inclusiva. No caso específico do Líbano, este foi o milagre de Taef que, após 15 anos de guerra civil, destacou a necessidade de todos de uma habitabilidade comum do único Líbano.
A criação das realidades compactas são criadas com as deportações. O objetivo, então, qual é? Deportação de dezenas de milhões de pessoas? Eu acho que seja uma solução prejudicial que implicaria, se aplicada, em muito sofrimento e muito sangue.
ZENIT: Olhando para o cenário sírio (mas também o Iraque), o que você acha da presença ocidental e das intervenções dos grandes na área militar e política? Quais seriam as ações desejadas?
Riccardo Cristiano: Se colocarmos a Rússia contra a parede, a forçamos a intervir de forma extrema, e isso diz respeito à política russa e a Igreja Ortodoxa. Podem haver aqueles que falam da guerra santa. Para não colocar ninguém contra a parede é necessário que todos renunciem a algo em troca de um legítimo lucro. O Ocidente demonstrou que não sabe desempenhar esse papel, por várias razões, difíceis de enumerar.
A diplomacia do Papa Francisco compreendeu isso. Que não é possível excluir ningue´m. E não se trata só do Oriente Médio. Pensemos na Ucrânia, no Irã, etc.
O problema é convencer-nos de que não é torcendo por quem está mais próximo às nossas visões que se ajuda a mudar o problema. Ajuda-se a resolver o problema convencendo-se de que não existe atalhos. Em um lugar onde o estado foi borrado do mapa por 50 anos, não posso somente fazer um suporte técnico, mas eu tenho que fazer propriamente m nation bulding, encontrando os chefes das tribos e ajudando-os a conceber-se como nação.
Assim também a intervenção do 2003 no Iraque que queria exportar a democracia. Contribuiu só a dividir o país em facções e a causar milhões de mortes.
ZENIT: Você acabou de publicar um livro sobre o Papa Francisco com o título interessante: Bergoglio sfida globale (Bergoglio desafio global). Como é possível que um especialista em política se interesse pelo Papa Francisco?
Riccardo Cristiano: Podemos começar olhando para o jubileu da misericórdia, cuja geopolítica é o diálogo. Este diálogo que, no tabuleiro político mundial ninguém está procurando. Francisco nos convida a conhecer a força do diálogo, que é uma força que ninguém usa.
Isso não significa nunca mais recorrer à força. O cardeal Parolin, secretário de Estado da Santa Sé, justamente convidava a ONU a responder de forma adequada ao perigo do Isis. Se o mundo tivesse sido capaz de responder envolvendo envolvendo internamente o mundo árabe sunita no seu sentido mais amplo, não teríamos tido tantas vítimas quanto agora.
Mas voltando a Francisco: o único que fala a este mundo é o discurso sobre a misericórdia de papa Francisco. Tentar fazer espaço ao outro para que tenha um espaço vital próprio. Temos uma responsabilidade para com a raça humana, de parar as barbaridades que estão devorando milhões de pessoas. Vejo tantos juízos sobre a situação, mas pouca capacidade de propor respostas adequadas. A única coisa que vejo como factível é cortar os extremos e dobrar a estrada da inclusão.
ZENIT: Para quem prejudicialmente olha para o discurso do Papa como bonachão, ou até, como evangélico, como responde?
Riccardo Cristiano: Eu falo do que eu vejo. O papa foi capaz de conter diversas questões pelas consequências dramáticas. Um exemplo é a questão ucraniana, onde não houve uma atitude de condenação que exclui um dos jogadores. E estamos falando também de uma situação onde os próprios fieis são também envolvidos. Isso é um grande ato de responsabilidade e de coragem diplomática. A diplomacia vaticana não se resignou ao status quo, mas convidou a uma resolução justa a favor de todos os jogadores.
E no discurso ao corpo diplomático do começo do ano o Papa não convidou a uma separação, mas a uma integração dos cristãos em seus países, convidando-os a integrar-se na própria sociedade. São propostas politicamente credíveis e viáveis. A outra lógica, que parece mais lógica, aquela da espada e da destruição vale também para quem a quer aplicar se vem alguém mais forte do que ele. Zenit

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