terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Hélio Gurovitz: Trump foi o maior derrotado em Iowa

Ao lado da mulher e dos filhos, Marco Rubio discursa após a divulgação do resultado do caucus republicano em Iowa, na segunda (1º)

















Três surpresas emergiram nesta madrugada nas votações em Iowa para as candidaturas presidenciais nos dois maiores partidos americanos: a derrota do favorito Donald Trump, o empate virtual entre Hillary Clinton e Bernie Sanders e a votação expressiva de Marco Rubio, que terminou a um ponto de Trump em terceiro lugar. Cada uma dessas surpresas terá efeitos nas próximas votações que embaralham a decisão sobre ambas as candidaturas.
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O Estado de Iowa carrega um peso desproporcional nas eleições americanas, pois costuma apontar quem terá mais chances de levar as primárias. O resultado da votação, em si, tem menos importância do que o cenário que ela desenha. Ainda é impossível prever quem levará a candidatura republicana, mas a partir de hoje o caminho ficou mais estreito.

Donald Trump foi, de longe, o maior derrotado da noite. Não se trata de uma derrota definitiva. Desde o início, Iowa era um estado cuja demografia – majoritariamente branca, majoritariamente evangélica – favorecia Cruz. Mas Trump era dado como o primeiro colocado em todas as previsões. O mero fato de ele ter de trocar sua proverbial arrogância por um discurso de concessão em que reconhece o valor dos demais candidatos significa que terá um caminho mais difícil pela frente.

O maior vitorioso não foi Cruz, mas Rubio. Como escrevi ontem, os principais líderes republicanos estão insatisfeitos tanto com Trump – visto como um “oportunista” – quanto com Cruz – tido como um “radical inflexível”. Prefeririam um nome como Jeb Bush, John Kasich ou Chris Christie e esperavam que alguém com chance de derrotar Cruz e Trump surgisse em Iowa. Esse alguém surgiu: Rubio. A partir de agora, dependendo do resultado nos próximos estados, a elite partidária tenderá a se agrupar em torno dele.

Rubio tem posições conservadoras firmes em relação a todos os temas caros aos republicanos – como aborto, religião, armas, política de saúde e impostos – e soa tão ortodoxo quanto Cruz aos olhos dos radicais do Tea Party. Mas é considerado bem mais confiável no tema que realmente interessa aos doadores de campanha e caciques do partido: a economia. Não tem o perfil agressivo e desafiador de Cruz.

Cruz promete fechar dezenas de programas de governo, acabar com subsídios e criou uma resistência enorme a seu nome ao longo dos três anos como senador em Washington, graças a sua oposição sistemática aos líderes do partido, em todas as tentativas de conciliação com o governo Obama. Sua atitude em 2013, ao levar à interrupção dos serviços públicos ("government shutdown") – impedindo, com um discurso interminável em plenário, que fosse o cumprido o prazo para elevação do teto da dívida – mostrou quão imprevisível ele pode ser.

A vitória de Cruz ontem foi conquistada pela competência para reunir partidários que comparecessem aos “caucuses”, as reuniões em que são feitas as votações em Iowa. Ele contou com um apoio decisivo das lideranças evangélicas e de uma força de voluntários, engajada a ponto de fraudar alguns panfletos. Desde o início, porém, Iowa era um estado especialmente favorável a Cruz. Será mais difícil repetir a façanha em estados onde a população branca e evangélica esteja em menor proporção entre os republicanos. Nos estados mais plurais, o nome de Rubio – ou mesmo algum outro – poderá emergir como o candidato da elite republicana para derrotar o aventureiro Trump.

Em New Hampshire, próximo estado a realizar primárias no próximo dia 9, Trump ainda é o favorito, com 58% de chance de vencer, segundo o site FiveThirtyEight. Mas Cruz e Rubio aparecem bem mais próximos nas pesquisas. Trata-se de um estado menos homogêneo que Iowa, onde os demais candidatos também têm chance. Começa a acontecer aquilo que todos esperavam desde que Trump apareceu na campanha, no primeiro semestre do ano passado. Candidatos com maior respaldo partidário aos poucos contrapõem a realidade da política ao mito do forasteiro destemido que reinventará a política.

Outra derrotada na madrugada de ontem foi a democrata Hillary Clinton, que esperava vencer o socialista Bernie Sanders por uma margem bem menos apertada do que a registrada. O empate virtual de Sanders promete tornar a corrida um pouco mais emocionante do que esperavam os estrategistas da campanha de Hillary. Sanders é o favorito em New Hampshire, onde a demografia lhe favorece – ele tem menos sucesso entre os negros e mais entre os jovens e a população rural; New Hampshire é um estado em que há uma população predominantemente branca, com simpatias esquerdistas.

Duas “vitórias” seguidas de Sanders certamente trarão alguma emoção para Hillary. Mas, apesar de flutuações eventuais, ela tem mantido mais de 50% da preferência do partido em todas as pesquisas de opinião realizadas desde o início da corrida eleitoral. Não há muitas chances de Sanders manter o desempenho quando estados maiores e mais diversos começarem a votar. No final, Hillary será a candidata democrata. Entre os republicanos, o resultado ainda é imprevisível – mas Cruz e Rubio largaram na frente.

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