sábado, 27 de fevereiro de 2016

Sofisticação e bom gosto

Na briga entre Sócrates e os sofistas, a história deu vitória àquele, propagando uma imagem negativa destes. O principal motivo foi a cobrança por seus ensinamentos, o que na visão socrática não passava de um falseamento na busca da verdade. Se Sócrates dizia se importar unicamente com a sabedoria, para ele, os sofistas se importavam em ter discípulos e com isso se manterem. De fato, há sempre o risco de instrumentalização do conhecimento com fins lucrativos. Aliás, dependendo de quem financia a pesquisa, muda-se a pergunta e obtêm-se outros resultados.

Todo mundo já viu pesquisas contraditórias sobre o que faz bem e o que faz mal. “Saiu num estudo de Harvard” – diz alguém categórico. “Numa pesquisa recente do MIT se descobriu que...” – afirma outro. E quando uma matéria jornalística quer parecer crível, termina o título com “afirma estudo”, independente do método utilizado. Ora, se se quer saber, por exemplo, se o café faz bem ou faz mal, a pergunta inicial deve ser “Quais as consequências da ingestão de café no organismo?”. Contudo, se a pesquisa for financiada pela indústria cafeeira, o pesquisador pode muda-la para “Quais os benefícios da ingestão de café?”. O que seria o oposto da questão de uma investigação patrocinada pela indústria do chá.

Justamente pela capacidade de fugir da verdade, segundo o interesse econômico, que os sofistas entraram para a história com o sinônimo de falsos e enganadores. Etimologicamente seriam sábios, mas na prática se lhe têm como embusteiros. De sofista vem a palavra sofisticação. Aliás, nos dicionários, o que aparece primeiro é o sentido de ato ou efeito de enganar, fraudar; falsificação. Só depois é que vem a noção de requinte e finura. E porque? Quem quer ludibriar age com excessiva sutileza. O sofisticado é antes de tudo algo sutil, cuja complexidade depende de certa perícia.

A busca por sofisticação, portanto, pode não ser pela densidade das coisas, mas pela aparência de complexidade que lhes dá o caráter de bem elaborado. Se você não gosta de algo sofisticado é porque não estaria à altura de entendê-lo, saboreá-lo, aproveitá-lo. Experimente não reconhecer o trabalho daquele músico que toca algo na linha do drone-metal-art-folk ou ainda aquela banda de banda de neo-post punk que, no seu último álbum, explora os elementos de psicodelia, krautrock e eletrônica, fazendo com que seu ouvinte faça uma experiência sensorial lisérgica. Não dá vontade, às vezes, de rir? É que a sofisticação costuma precisar de tradução. Mas não se engane, o involtini de zucchini é apenas abobrinha enrolada.

 
Oscar
 
O Óscar vem chegando e, muito provavelmente, o filme O regresso abocanhará muitas estatuetas. Trata-se de um longa-metragem sofisticado. São quase 3 horas de um filme chato e com metáforas rasas. Não vou questionar fotografia (excelente), música, mixagem de som etc. É um filme bem montado, mas só. A mensagem geral é a de se ter raízes sólidas para que o tronco (da vida) não se abale, o que é repetido várias vezes na memória que Hugh Glass (Leonardo DiCaprio) tem de sua esposa falecida. Em segunda instância, o filme fala de xenofobia, num contesto estadunidense atual de prévias eleitorais e discursos negativos sobre imigrantes. Ao olhar para o país no século XIX, Inãrritu quer mostrá-lo como resultante da mescla de nativos indígenas, britânicos e franceses; portanto, deve acolher a diversidade cultural. Outra mensagem exaustiva é de que “a vingança pertence a Deus”. Se sair do filme e disser que não gostou, provavelmente alguém mais cult que você irá lhe olhar com desdém.

Um longa autenticamente complexo e rico que está concorrendo também à categoria de melhor filme é A grande aposta. Esse, por sua vez, não pretende ser sofisticado. Geralmente, filmes de seu gênero, comédia dramática, não buscam ser sofisticados. É altamente irônico. Um grande exemplo são as cenas que entrecortam o filme, dando explicações sobre termos de mercado. Elas acabam por chamar o espectador de ignorante, deixando o mal-estar da alienação, à qual somos submetidos, mais evidente. E como o faz? Com os personagens conversando com a câmera, como numa quebra da “quarta parede” – parece que Brecht começou a ser assimilado por Hollywood, o que causa estranheza. Além disso, há uma narrativa complexa e camadas de sentido bem diversas, compondo uma tessitura densa, o que o torna muito difícil. Verborrágico, o filme coloca o espectador em tensão. A história é sobre a bolha imobiliária que gerou uma crise econômica mundia. É merecedor da estatueta.

Gilmar P. da Silva SJMestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, com pesquisa em Signo e Significação nas Mídias, Cultura e Ambientes Midiáticos. Graduação em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Possui Graduação em Filosofia (Bacharelado e Licenciatura) pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. Experiência na área de Filosofia, com ênfase na filosofia kierkegaardiana. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário