“Nosso filme é o primeiro que tem um anão como protagonista dramático, humano”, acredita Pedro.
Talvez o primeiro filme nacional com um protagonista anão que não tem como função na trama fazer o público rir, Altas Expectativas traz outra novidade: é o primeiro trabalho grande no cinema de Camila Márdila após o sucesso de Que Horas Ela Volta?, que lhe rendeu o prêmio de melhor atriz no Festival de Sundance, dividido com Regina Casé. No longa, a Lena de Camila é a paixão de Décio de Gigante Leo, que a conquista a despeito da diferença de 50 centímetros de altura entre os dois - retratada na história, mas não seu assunto principal.
O filme foi rodado em fevereiro no prédio histórico do Jockey Clube do Rio, na Gávea. É entre cavalos, jóqueis e apostadores que fica o café que a melancólica Lena, descrita na sinopse como “uma bela mulher que não sabe rir”, herda de um tio, que lhe deixou também dívidas. Décio é um treinador experiente e premiado que desperta seu interesse com bilhetinhos bem-humorados e amizade sincera.
O roteiro e a direção da jovem dupla Pedro Antonio e Alvaro Campos, que usou de truques de câmera para que o foco estivesse no relacionamento entre os personagens, e não no 1,10 m de Décio. “Não privilegiamos a dificuldade física. Aproximamos a grande angular do rosto do Leo, para que ficasse maior em relação ao fundo, e não demos destaque a momentos em que ele sobe numa cadeira, por exemplo. Não buscamos olhos de compaixão e, sim, focar na dramaturgia, fazer com que, depois de meia hora de filme, a pessoa esqueça que é um anão”, diz Campos.
Com o parceiro, ele assistiu a produções que deram destaque a anões, como as séries Game of Thrones e Life is Too Short e os filmes O Agente da Estação e Willow - Na Terra da Magia, para se inspirar. “Nosso filme é o primeiro que tem um anão como protagonista dramático, humano”, acredita Pedro. “Tem cenas engraçadas porque a vida é engraçada.” O playboy Flávio, papel de Milhem Cortaz, que disputa a atenção de Lena com Décio, traz humor para o filme, assim como os personagens de Maria Eduarda Carvalho (Lia) e de Felipe Abib (Tassius).
“Lena carrega o mundo nas costas. Décio é deslocado como ela e a conforta. Acaba sendo a única pessoa que parece se conectar com ela de forma diferente, então eles se encontram nas diferenças. Ela tem um olhar horizontal para ele, o enxerga antes do julgamento da altura”, analisa a atriz, de 28 anos, natural do Distrito Federal e radicada no Rio. Décio rejeita as piadas sobre a deficiência física, mas acaba virando comediante para chegar a seu coração.
Estreante no cinema, Gigante Leo começou a carreira fazendo graça - venceu o Prêmio Multishow de Humor e participou do Porta dos Fundos. Ele não tem interesse no papel limitado usualmente destinado a anões. “O humor, o stand up são minhas zonas de conforto. Mas pessoal e profissionalmente carrego a bandeira de que o anão pode fazer qualquer papel.”
O ator tem 36 anos, faz peças desde criança, é servidor público e rodou o filme durante as férias - formado em ciências da computação e com mestrado em engenharia de software, é funcionário do Tribunal de Contas do Município do Rio. Casado com uma mulher de 1,65 m, ele percebe que, no filme, assim como na sua relação amorosa particular, o nanismo não é um dado fundamental. “É óbvio que no filme está sempre presente, mas o que é importante é que o personagem sofre de amor, tem problemas no trabalho, como qualquer um.”
Camila, depois de Sundance, fez participações nos filmes O Outro Lado do Paraíso, de André Ristum, Tudo Bem Quando Acaba Bem, de José Eduardo Belmonte, e Cora Coralina - Todas as Vidas, de Renato Barbieri. Altas Expectativas, que deve estrear no segundo semestre, será o maior deles. Camila não se deixa atingir pela pressão pós-Jéssica, a filha da empregada que não aceita ficar restrita ao quartinho dos fundos. “Que Horas Ela Volta? foi um projeto muito especial, sobre o abismo social no Brasil, e fiquei com vontade de fazer algo complemente diferente, um personagem que funcionasse em outra vibração.”
Agência Estado
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