quarta-feira, 2 de março de 2016

Cardeal Pell diz que nada sabe pedofilia. Para os juízes é “impossível”

Em videoconferência de Roma, o cardeal disse: “Eu tenho o apoio do Papa”. Quando perguntado sobre o caso infame Ridsdale, se exime de qualquer responsabilidade e diz: “Uma triste história, mas não de grande interesse para mim”
Pell
PD
“Eu tenho o total apoio do Papa” diz, se protegendo com as mãos ,o cardeal George Pell, 74 anos, ao encontrar-se com os jornalistas que lotavam a parte de fora do Hotel Quirinale onde, ontem à tarde, houve a segunda audição, por meio de video conferência, com os membros da Royal Commission into Institutional Responses to Child Sexual Abuse, a Comissão real sobre as respostas institucionais aos abusos sexuais de menores.
O imponente ministro das finanças do Vaticano chegou pontual ao hotel, pronto para ser interrogado por cerca de 4 horas, até as 2h da madrugada. Na Austrália, por sua vez 8h da manhã. A atitude mudou desde a primeira deposição de domingo à noite em que ele admitiu que, sobre as questões dos abusos, “a Igreja cometeu erros enormes”.
Pell parte para o ataque, provavelmente sentindo-se forte pelo apoio do Papa, que encontrou em audiência de calendário ontem pela manhã, ou talvez aconselhado assim pelos advogados. Chega até a sugerir à Comissão para continuar “um método diverso de trabalho”. “Sabemos nós o que fazer”, replica Gail Furness, responsável pela audição. Em seguida, começa o interrogatório. 
As primeiras duas horas giram em torno àquele nome ainda capaz, depois de 40 anos, de dar escalafrios às vítimas que vieram à Roma da Austrália para pedir justiça: pe. Gerald Ridsdale. O caso do religioso, atualmente preso, é o mais controverso, e tristemente conhecido, na Austrália, de abusos sexuais de menores por parte do clero. Ridsdale é acusado de ter cometido 130 abusos em 53 crianças de idade inferior a 14 anos de 1960-80 na diocese de Ballarat, cidade natal de Pell, onde foi vice-pároco entre 1973 e 1983.
O religioso, antes de acabar atrás das grades, foi transferido, pelo menos, cinco vezes de paróquia em paróquia pelo mons. Ronald Mulkearns, do qual Pell era vigário, cargo que lhe permitia ajudar o bispo para as nomeações e as eventuais transferências dos sacerdotes na diocese.
O Cardeal – que com Ridsdale tinha compartilhado também a habitação nos primeiros anos de sacerdócio e acompanhou-o até a primeira audiência de seu julgamento em 1993 – afirma não estar ciente dos fatos. Naqueles anos, vários padres estiveram sujeitos a mudanças repentinas, muitas vezes silenciosas, precisamente porque causadas pelos crimes anteriores. Ninguém, porém, explica Pell, jamais imaginou que fossem pedofilias e que eram transferidos por este motivo.  
Mas Furness, meticulosa, replicou: “A Comissão Real, depois de examinar o caso Ridsdale transferido 5 vezes e ter considerado a posição que o atual cardeal Pell tinha em 1982, acredita que não é plausível que ele declare desconhecer as razões que tinham levado o bispo Ronald Mulkearns a estas medidas”. “Se houvesse evidências hoje de que as verdadeiras razões foram faladas nas reuniões que se faziam, então, seria plausível o que se afirma. Caso contrário, se trata de um absurdo”, rebate Pell.  
Em particular, durante a entrevista, é analisado o caso de Paul Levey, “abusado sexualmente o tempo todo quase todos os dias” por Ridsdale nos anos 70, na Paróquia de Mortlake. Levey está presente na Sala Verdi, onde o cardeal argumenta, na primeira fila junto com os outros sobreviventes, incluindo o sobrinho do sacerdote, David, também abusado pelo tio. Uma campanha de coleta de fundos foi lançada em um site e reuniu cerca de 130 mil euros permitindo-lhes fazer essa viagem para vir “olhar nos olhos” do cardeal e perguntar-lhe por que não levantou um dedo para impedir que tais crimes acontecessem debaixo do seu nariz, considerando o papel que tinha.  
A porta-voz desses sentimentos insistiu: por que pe. Ridsdale, que muitos conheciam os erros realizados, foi transferido de paróquia em vez de ter sido denunciado à polícia? Pell insiste que não sabe, na época, os motivos que levaram às contínuas transferências. Afirma, de fato, que apesar de morar junto com o religioso naquele período, nunca suspeitou sobre as inclinações e os seus comportamentos.  
Claro, aquele contínuo vagar pela diocese era um expediente “insólito”, mas – explica o cardeal – “eu pensava que fosse para a sua formação e que lhe teria garantido ampliar a sua experiência na prática”. Nesse sentido foi enganado pelo bispo Mulkearns que o havia feito acreditar que as transferências do sacerdote fossem destinadas a uma importante promoção. E é preciso dizer que pode haver toda uma série de razões para transferir um religioso: “inquietação, falta de vontade de relações humanas, mal-entendidos com os colegas”. “Ficou claro que tinha que haver razões de fundo”, diz o prefeito da Secretaria para a Economia, mas ele não sabia de nenhuma.
Em retrospectiva, no entanto, admite que as medidas relativas ao Bispo Mulkearns com relação a Ridsale foram “inaceitáveis”, porque “um risco para as crianças de Inglewood.” Pelo contrário foi “excelente” o trabalho realizado pelo vigário geral da época, mons. Henry Nolan (também seu primo) que interveio para distanciar Paul daquele sacerdote predador.
A Comissão se mostra impaciente diante das declarações do cardeal. Intervém, de fato, Peter McClellan, chefe da Comissão Real, e define como pouco crível o fato de que Pell não era ciente do que estava acontecendo ao seu redor, dado que também todos os consultores do bispo sabiam que Gerald Ridsdale era um pedófilo e abusasse de crianças .
Não só: existem documentos – que Furness mostra do monitor – que atestam as diferentes reivindicações feitas pelos pais das crianças com relação a Ridsdale. “É possível que nenhuma dessas pessoas tenha falado para você sobre o que se dizia com relação a Ridsdale?”, Perguntou McClellan, não escondendo uma pitada de nervosismo. E a porta-voz reitera: “Os padres são seres humanos como todos os outros, certamente terão conversado entre si sobre as razões verdadeiras das transferências”.
“Certamente, essas pessoas sabiam”, se justifica o cardeal, “posso só repetir o que disse antes. Por volta de 1980, me tornei presidente do Instituto de Formação católica que contava com 2000 estudantes entre Ballarat e Melbourne. Não era um pequeno trabalho. Ia para Melbourne, pelo menos, um par de vezes por semana, não estava em contato com a vida da diocese, com quem trabalha a templo integral nas paróquias, por isso não sabia o que acontecia”.
Além disso, acrescenta: “Os seres humanos em diferentes categorias têm abordagens muito diferentes para tais questões. Nós trabalhamos no âmbito da moral cristã e a discussão dos defeitos dos outros não é bem vista”. Portanto, explica Pell: “Estas informações não foram abordadas nas reuniões dos Consultores. No máximo se tocava em problemas de homossexualidade e não de pedofilia”.
Em qualquer caso, diz o cardeal, a história de Ridsdale, por “triste” que seja, “não era de grande interesse para mim”. Palavras que suscitam um forte zumbido na sala. E entre as vítimas – que já ontem protestavam com camisas vermelhas escritas “No more silence” ou duros cartazes do tipo “Pell go to hell” – cresce a raiva e a frustração.
As deposições do cardeal continuarão na tarde de hoje às 22 e, eventualmente, também amanhã. Zenit

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