Grandes contaminadores devem revisar suas INDC, para reduzir o aquecimento global.
Por Andreas Sieber, Giselle Bernard e Ivo Bantel*
O dia 12 de dezembro de 2015 foi histórico porque, após décadas de negociações, 195 países concordaram em assinar o primeiro acordo global e vinculante para frear a mudança climática. “Todos os governos agora parecem reconhecer que a era dos combustíveis fósseis deve terminar, e logo”, disse Bill Mc Kibben, fundador da organização 350.org. Dois meses depois de se conseguir um acordo na COP 21, é momento de ver em que medida aqueles compromissos se traduzirão em ações concretas.
Na 21ª Conferência das Partes (COP-21) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (CMNUCC), realizada na capital da França, entre 30 de novembro e 12 de dezembro de 2015, conseguiu-se o histórico Acordo de Paris. Os governantes presentes na COP 21 se comprometeram a evitar que o aquecimento global supere os dois graus Celsius e a fazer todo o possível para que o aumento não seja superior a 1,5 grau.
Também decidiram conseguir a neutralidade de carbono na segunda metade deste século, o que obviamente foi um duro golpe para a indústria dos combustíveis fósseis. O secretário-geral da Eurocoal, Brian Ricketts, observou que sua indústria “será odiada e vilipendiada como aconteceu com os comerciantes de escravos”. Desde a COP-15, realizada em Copenhague, em 2009, o preço dos painéis solares caiu cerca de 80%.
“De repente é muito fácil ver o que temos de fazer em lugar de queimar carvão, gás ou petróleo”, afirmou Mc Kibben à IPS, embora, segundo ele, o Acordo de Paris esteja longe de ser suficiente.“Espero que ninguém tenha deixado Paris com a ideia de que conseguimos uma grande vitória e que não teremos que fazer mais nada. O problema é que estamos muito atrasados”, ressaltou.
Isso fica especialmente claro com as Contribuições Previstas e Determinadas em Nível Nacional (INDC), com as quais os países se comprometeram. Estas não farão mais do que inclinar a curva do aquecimento, de 3,6 graus, com as atuais políticas, para 2,7 graus. Mas as metas estão longe de serem suficientes para limitar o aumento de temperatura global abaixo dos dois ou 1,5 graus. A organização independente Climate Action Tracker (CAT) declarou que apenas cinco países enviaram suas INDC totalmente consistentes com o limite máximo de dois graus.
Grandes contaminadores como Estados Unidos, União Europeia, China ou Brasil, em especial, devem revisar suas INDC, porque têm mais probabilidade de intensificar o aquecimento global e de que este supere os dois graus. Se compararmos em escala os objetivos, os compromissos de muitos países, como Austrália, Canadá ou Rússia, na verdade, farão com que a temperatura média aumente mais de três graus.
Também é preocupante a falta de ambição em matéria de fundos para enfrentar a mudança climática. É um problema de justiça as nações mais ricas oferecerem seu apoio econômico, em especial aos países em desenvolvimento que sofrem as consequências do fenômeno.Em Copenhague foi fixada a meta de US$ 100 bilhões e, no entanto, o Acordo de Paris não fixou valor algum. Simplesmente diz que deve ser feito um esforço crescente, mas adia a revisão do objetivo dessa cifra, já insuficiente, para 2025.
Além disso, falta um marco para prestação de contas. Os debates a respeito também foram adiados para 2018. O consolo é o chamado às contribuições voluntárias, que teve uma boa resposta dos países. Em setembro de 2015, a China já havia comprometido US$ 3,1 bilhões em ajuda para que as nações em desenvolvimento enfrentem as consequências negativas da mudança climática. Em termos de redução de gases-estufa, o Acordo de Paris parece estar fazendo efeito.
Até há pouco tempo, o Vietnã tinha os maiores planos de desenvolvimento de carvão do sudeste da Ásia, cerca de 70 novas centrais de energia, o que aproximava esse país da capacidade operacional de carvão do Japão. Entretanto, em janeiro, o primeiro-ministro vietnamita, Nguyen Tan Dung anunciou o cancelamento dos futuros projetos a carvão. Em sua declaração se referiu ao Acordo de Paris e assegurou que “implantaria de forma responsável os compromissos internacionais para reduzir as emissões de gases-estufa”.
A China também impôs uma moratória sobre a exploração de carvão para os próximos três anos, e o presidente dos Estados Unidos, Brack Obama, deteve a extração em terras estatais. Embora as INDC não sejam suficientes, devem ser implantadas. Afinal, a COP-21 é apenas o começo, não a última tentativa da comunidade internacional para combater a mudança climática.
O Acordo de Paris é insuficiente inclusive para cumprir até seus próprios compromissos de longo prazo, mas contém um mecanismo chamado de ambição, segundo o qual, a partir de 2020, os países deverão atualizar seus compromissos climáticos a cada cinco anos e fixar novos objetivos e mais ambiciosos.
A Climate Interactive calculou quanto será preciso ampliar os compromissos para evitar que o aquecimento do planeta supere os dois graus, ou mesmo 1,5 grau. As emissões nacionais terão que alcançar seu máximo antes de 2030, e os países industrializados deverão reduzir suas emissões bem mais do que preveem.
Para além do documento legal surgido da COP 21, a conferência também foi um acontecimento que mobilizou a sociedade civil de diferentes partes do mundo. “Não houve muito trabalho de acompanhamento, mas pelo menos nos deu uma ferramenta para atuarmos”, ressaltou Mc Kibben.
O trabalho da sociedade civil talvez seja o elemento que leve à concretização das medidas mais ambiciosas ou, como disse o ex-secretário geral da ONU, Kofi Annan, “cidadãos comuns podem ajudar a concretizar a mudança que necessitamos e fazer com que os líderes realmente liderem”.
Para Mckibben, a luta contra as companhias de combustíveis fósseis, como ele a qualificou, apenas começou em Paris. “De agora em diante, quando alguém quiser propor uma nova mina de carvão ou um oleoduto, vamos dizer: não pode fazer isso porque disse que procuraria manter o aumento da temperatura abaixo de 1,5 grau e claramente isso é incompatível”, destacou.
Envolverde, 22-02-2016.
*Andreas Sieber, integrante do projeto Climatetracker, Giselle Bernard, estudante franco-britânica de ciências sociais residente em Londres e jornalista, e Ivo Bantel, jornalista especializado em ambiente e integrante da Climatetracker.
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