Para trabalhar com Direito Penal, é preciso ser humano, pouco importa se homem ou mulher.
Por Andréa Maria Nessrala Bahury*
Recebi um telefonema do setor de Comunicação da Escola Superior Dom Helder Câmara, solicitando que eu escrevesse algo sobre a atuação profissional da mulher no Direito Penal. Em um primeiro momento pensei não aceitar, pois não teria tempo para elaborar um bom texto sobre o tema proposto.
Ao perceberem minha hesitação, me disseram que bastaria que eu falasse um pouco sobre minha própria experiência e, então, pensei se tinha algo a dizer como mulher. Percebi, em uma fração de segundo, a dificuldade em fazer a separação homem e mulher em minha atuação profissional e também na vida. Não sei como, talvez por certa inibição em dizer não ou, até mesmo inconscientemente, atraída pelo desafio, acabei aceitando.
Agora me vejo aqui sem saber o que dizer como mulher e um tanto quanto vulnerável, pois escrever é sempre uma exposição. Penso que talvez me sinta mais a vontade se falar sobre o Direito Penal e isso pode parecer, em uma visão estereotipada, um pouco masculino, que seja...
O Direito Penal, entendido aqui em uma acepção ampla, abrangendo também o Direito Processual Penal – afinal, não há aplicação do Direito Penal a não ser por meio do processo –, é um dos ramos do Direito, em meu sentir, que se exige maior alteridade.
É preciso ter a sensibilidade para poder ver, ouvir e sentir o outro. Saber se colocar no lugar do outro, seja a vítima, seus familiares, testemunhas e o próprio acusado. Perceber o que aconteceu de forma sensível e não puramente técnica. Reconhecer que a aplicação da lei, em sua literalidade, nem sempre constituirá o justo em um determinado caso concreto.
Por meio do Processo Penal se reconstitui um fato criminoso pretérito. O crime aconteceu em um tempo passado e, para saber como os fatos ocorreram, será necessária a produção de provas, não somente documentais ou periciais juntadas nos autos, mas também “a prova viva”, aquela obtida por meio das narrativas dos “personagens” que fazem parte do processo, como vítimas, testemunhas, informantes, peritos e acusados, cada um trazendo para o momento presente, na audiência de instrução e julgamento, a sua versão dos fatos.
O papel das partes, Ministério Público, querelante, acusado e sua defesa técnica, é de fundamental importância, trabalham as provas e atuam de forma a persuadir o órgão julgador de que os fatos aconteceram de acordo com as suas respectivas pretensões.
No dia a dia forense se ouvem histórias, as memórias são reavivadas e é preciso estar receptivo, é preciso estar atento a cada uma delas, perceber que se tratam de distintas percepções, estar livre de preconceitos para poder realizar a difícil tarefa de “juntar os fragmentos”.
As idas à carceragem do Fórum são constantes para a realização dos reconhecimentos e também visitas aos estabelecimentos prisionais fazem parte da rotina daqueles que trabalham neste ramo do direito.
E há os que temem, os que perguntam se não é difícil lidar com isso, chegam até a utilizar a expressão “tem que ter estômago”, porque os locais são feios, sujos, escuros, sem areação, insalubres e os que lá estão são “criminosos”, “degradados” e “degradantes”.
Os que lá estão são seres humanos e, para trabalhar com Direito Penal, eu diria que é preciso ser humano, pouco importa se homem ou mulher. Atuar no Direito Penal permite desenvolver, a todo tempo, a nossa humanidade...
E você, aluna/aluno, se é esse o seu desejo, não hesite, pois o Direito Penal está precisando de mais humanidade.
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*Andréa Maria Nessrala Bahury é promotora de Justiça da Comarca de Belo Horizonte, professora de Direito Processual Penal na Escola Superior Dom Helder Câmara, mestre em Sociologia e doutoranda em Teoria do Estado e Direito Constitucional.
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