Vamos tratar o semelhante como irmão e a natureza como dom para dela cuidarmos.
Por Dom José Aberto Moura*
Nós, humanos, não teríamos condição de nos relacionar com o divino a não ser que o próprio Deus nos desse condição e liberdade de nos aproximar dele com confiança e certeza de sua bondade e misericórdia. Os antigos judeus tinham a convicção de que, quem visse Deus, morreria: “Ai de mim, estou perdido! Sou apenas um homem de lábios impuros, mas eu vi com meus olhos o rei, o Senhor dos exércitos” (Isaías 6,5). Esta mesma atitude viveu Moisés quando viu Deus no monte Horeb. No entanto, o próprio Criador se aproxima com bondade do ser humano. Ele o criara para a felicidade junto a si. Mas, sempre quis a correspondência de obediência da criatura humana a seu projeto de cuidado uns dos outros. Ele é a fonte de amor e respeita a decisão do ser humano, que optou por se colocar no lugar divino para coordenar toda a sua vida.
Apesar da opção equivocada do homem, que, após sua opção contrária à divina, quis de novo ter acesso a Deus, inventou religiões para refazer essa ligação. No entanto, sozinhos não conseguimos o intento, a não ser por misericórdia da grandiosidade do amor divino. De fato, Ele, Deus, comunidade de pessoas divinas, mandou seu filho para tornar-se humano e nos propiciar a ligação com Ele. Isto ocorre de forma a instalar o perdão, a compaixão e a justiça misericordiosa. Essa justiça é diferente da humana, que leva a pessoa a dar o que o outro merece. Para Deus a justiça, no entanto, é dar o que o outro necessita. Como lembra Paulo, “Cristo morreu por nossos pecados” (1 Coríntios 15,3). Agora, por causa do Filho, que se deu em oferta em nosso lugar, temos o direito, de novo, a ter um lugar na eternidade feliz com Deus, se colocarmos nossa parte de realização do projeto dele enquanto estamos vivendo aqui.
Nosso desafio para vivermos na misericórdia divina é fazermos o “dever de casa”, ou seja, tornar nosso convívio neste planeta como de filhos e filhas do mesmo Deus. Dessa forma, de acordo com o vivido e ensinado pelo Filho de Deus, que nos adotou também com a mesma filiação, vamos tratar o semelhante como irmão e a natureza como dom para dela cuidarmos com carinho e a usarmos com sabedoria e juízo.
O convívio fraterno nos leva a colocar em prática o amor humano permeado com o divino. Isso nos torna pessoas de responsabilidade em formarmos famílias com os critérios do Filho de Deus. Convivemos na sociedade como pessoas que cuidam umas das outras, utilizando os talentos e oportunidades para fazer a promoção do bem comum nas profissões, na educação, na ciência, na técnica, na arte, na economia, na política e em toda a atividade humana. As injustiças vão ser rechaçadas. As discriminações superadas. A fome, a miséria e todo tipo de diminuição da vida e da pessoa humana serão banidos. A concentração de recursos em poucos vai ser reorientada... Como é importante fazer tudo, e principalmente a política, voltar-se para isso!
A misericórdia humana vai ser entrelaçada com a misericórdia divina. Então, vamos viver um mundo novo, em que acontecerão a harmonia e a paz. Sem misericórdia não há justiça nem paz. Assim todo coração de pedra vai se transformar em coração humano, pulsado pelo amor divino! O olhar de cada um vai ser como o de Jesus, ou seja, cheio de compaixão. Todos gostaríamos que os outros nos tratassem como gente de coração. O mesmo deveremos fazer com o semelhante, a partir dos deixados de lado no convívio social justo e fraterno!
CNBB, 03-02-2016.
*Dom José Aberto Moura: Arcebispo de Montes Claros (MG).
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