sábado, 19 de março de 2016

O que diz a Doutrina Social da Igreja sobre a atual situação política no Brasil

“Não nos contentemos com a corrupção que inunda o nosso País”, afirmou em entrevista a ZENIT o Pe. Anderson Alves, professor de Teologia moral na Universidade Católica de Petrópolis.
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Foto: Wikipedia
“O que diz a Doutrina Social da Igreja sobre a atual situação política no Brasil”, foi o tema da conversa que tivemos com o Sacerdote e professor de Teologia moral na Universidade Católica de Petrópolis, Pe. Anderson Alves. Acompanhe essa entrevista abaixo:
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ZENIT: Qual deveria ser, na sua opinião, a atitude dos sacerdotes do Brasil perante a atual conjuntura política?
Pe. Anderson: Parece-me que é fundamental analisar a crise atual com prudência e a partir dos princípios da Doutrina Social da Igreja. A primeira tarefa dos sacerdotes atualmente é a de aprofundar o seu conhecimento da Doutrina Social da Igreja para procurar nela luzes que iluminem a atual crise e levá-las aos leigos católicos, aos quais corresponde a atuação direta na vida política.
Segundo o Compêndio de Doutrina Social da Igreja, a D.S.I. cumpre duas funções: a deanúncio e a de denúncia (n. 81). Anúncio do que a Igreja tem de próprio: “uma visão global do homem e da humanidade”, extraída dos princípios evangélicos. E isso não só no nível dos princípios, mas também prático. A D.S.I. oferece critérios de juízo, normas e diretrizes de ação. Com isso, a Igreja não busca estruturar e organizar concretamente a sociedade, mas exercer uma tarefa de cobrança, orientação e formação das consciências. Essa deve ser a primeira tarefa dos sacerdotes nesse momento.
A doutrina social tem também um dever de denúncia, principalmente do pecado, pessoal e institucionalizado, verdadeira causa do mal presente. A Igreja condena o pecado de injustiça, de violência, da corrupção, do autoritarismo sectário de modo explícito. E os sacerdotes não podem se omitir nessa tarefa.
Os sacerdotes devem ainda recordar aos fiéis que a participação na vida política é uma oportunidade de mudar a sociedade a partir da verdadeira caridade, a qual não se opõe, mas inclui a justiça. A justiça consiste em dar ao outro o que é seu; e a caridade significa dar ao outro o que é nosso. Pela caridade, nós nos doamos ao próximo. De modo que a caridade não pode ser esquecida na atuação social do cristão, mas deve ser o princípio inspirador de todas as suas ações, ao lado da justiça.
ZENIT: Como a Igreja Católica no Brasil pode ajudar nesse processo de conscientização política da população? 
Pe. Anderson: Através da transformação do indivíduo, fazendo com que ele se dê conta de sua própria dignidade de “filho de Deus” é que se pode pensar em transformar o mundo. Nesse sentido, formando o sujeito, a Igreja se torna capaz de “renovar as relações sociais”. Assim a comunidade eclesial, que vive a mensagem de Jesus, “se propõe como lugar de comunhão, de testemunho e de missão e como fermento de redenção e de transformação das relações sociais. A pregação do Evangelho de Jesus induz os discípulos a antecipar o futuro renovando as relações recíprocas” (Compêndio de D.S.I., n. 52).
Isso não se dá de forma automática, mas exige a criatividade e prudência para agir corretamente em cada época histórica. A Gaudium et Spes do Concílio Vaticano II nos diz que “a transformação das relações sociais que responde às exigências do Reino de Deus não está estabelecida nas suas determinações concretas uma vez por todas. Trata-se antes de uma tarefa confiada à comunidade cristã, que a deve elaborar e realizar através da reflexão e da práxis inspiradas no Evangelho”. É através do Evangelho e de suas ações práticas no dia a dia que se constrói o cidadão que irá plasmar a sociedade.
ZENIT: Um sacerdote, um clérigo, não é, sem dúvida um agente público de nenhum governo, mas, ainda assim, ele tem alguma função política em uma nação, ou só rezar? 
Pe. Anderson: Parece-me que a função principal dos clérigos seja rezar e manter a sua comunidade firme no caminho da fé em Jesus Cristo. Daí se parte para todo o restante. A oração não pode ser menosprezada. Por ela os mártires venceram às perseguições, desde a época do antigo Império Romano, e pela oração de São João Paulo II e de muitos cristãos perseguidos no leste europeu caiu um dos sistemas mais corruptos e brutais para com os cristãos da História da humanidade. E isso se deu sem derramamento de sangue: um autêntico milagre.
Certamente, os clérigos não deveriam participar ativamente em questões de política partidária. Mas seu ministério é público e eles agem como formadores de consciências. Nesse sentido, eles recordam aos fiéis o mais importante ensinamento do Concílio Vaticano II: todo batizado é chamado à santidade, e essa implica a harmonia de fé e obras. O leigo católico consciente sabe que a fé deve estar presente em toda a sua vida: em suas relações com Deus e com o próximo. Deve, pois, ser um princípio unificador das suas ações. Tudo o que faz deve ser uma expressão de fé. Isso inclui sua vida profissional e sua atuação política. Seu compromisso social é um meio de santidade e uma forma de agradar a Deus.
Por isso o leigo bem formado não cede às pressões do laicismo, que pretende fazê-lo crer que haja uma ruptura entre fé privada e atividade social. O leigo não se refugia então num intimismo paralisante. Também não confunde o Reino de Deus com a construção de um reino sobre a Terra. O fiel cristão busca sempre a vida eterna, amando o mundo que lhe foi dado por Deus para ser cultivado e promovido.
Nesse sentido, os sacerdotes devem estimular a presença de suas comunidades na vida política, não apenas como candidatos, mas com um efetivo exercício da cidadania. O Papa Francisco disse em uma audiência aos jovens em 2013[1]: “Envolver-se na política é uma obrigação para um cristão. Nós, cristãos, não podemos nos fazer de Pilatos e lavar as mãos. Não podemos! Devemos nos envolver na política porque a política é uma das formas mais elevadas da caridade, porque ela procura o bem comum… A política está muito suja, mas eu me pergunto: está suja por quê? Porque os cristãos não se envolveram nela com espírito evangélico? É uma pergunta que eu faço.”
ZENIT: Como cidadãos, na sua opinião, os clérigos deveriam apoiar o povo nessa hora? Como? 
Pe. Anderson: Os ministros ordenados (bispos, presbíteros e diáconos) existem para servir ao povo de Deus. Eles devem se configurar cada vez mais a Cristo, “que não veio para ser servido, mas para servir” (Mat. 20, 28). Nesse sentido, precisam estimular a mudança social e pessoal a partir do Evangelho. Devem mostrar que não são paixões ou ideologias que salvam uma nação e plasmam uma sociedade. Os sacerdotes devem ajudar o povo a guardar a fé e olhar para o futuro com esperança, trabalhando com responsabilidade.
Precisam mobilizar e direcionar suas comunidades para que exerçam sua cidadania para a construção da verdadeira paz, dentro dos valores da sua fé. Porque somente através da fé em Deus e em Jesus Cristo é possível iluminar os princípios morais que servem de alicerce para a verdadeira prosperidade de uma sociedade.
ZENIT: O que significa a paz? Só uma ausência de guerra? 
Pe. Anderson: Diz o Compêndio de Doutrina Social (n. 494) que “a paz é um valor e um dever universal e encontra o seu fundamento na ordem racional e moral da sociedade que tem as suas raízes no próprio Deus […]. A paz não é simplesmente ausência de guerra e tampouco um equilíbrio estável entre forças adversárias, mas se funda sobre uma correta concepção de pessoa humana e exige a edificação de uma ordem segundo a justiça e a caridade”.
A paz é fruto da justiça e do amor. De modo que “para a construção de uma sociedade pacífica e para o desenvolvimento integral de indivíduos, povos e nações, resulta essencial a defesa e a promoção dos direitos humanos”. Um indivíduo que se dá conta disso, não fica indiferente diante da injustiça, da corrupção e do abuso dos mais fracos. 
ZENIT: Que mensagem você daria, como sacerdote, aos brasileiros, nesse momento político único e inédito que estamos vivendo?
Pe. Anderson: Que não deixem de lutar pelo Brasil. Que não se contentem com a corrupção que inunda o nosso País, que não a justifiquem e não tenham medo de manifestar sua fé na vida pública. O fim não justifica os meios. Para que uma ação moral seja boa é preciso que o mesmo ato realizado seja bom e também a intenção com que ele é feito. Roubar, extorquir, ameaçar nunca será lícito, nem mesmo com a intenção de ajudar os pobres. O cristão pode se manifestar nessa hora de crise, sempre segundo critérios evangélicos.
Certamente a política é hoje um lugar de muitas paixões, mas os cristãos devem deixar de lado paixões ou ideologias e serem guiados pela reta razão (prudência) e pela legalidade. Que avancem sem medo na construção de uma sociedade mais justa e fraterna através da prática do anúncio do Evangelho e da denúncia do pecado. E que estudem seriamente a riquíssima doutrina que a Igreja lhes oferece como subsídio para este trabalho.
Nós pastores, precisamos certamente continuar educando nossas comunidades, antes no anúncio do Evangelho, e também na conscientização dos reais desafios da sociedade e na mobilização em direção à construção da verdadeira paz e fraternidade.

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