terça-feira, 15 de março de 2016

Papa Francisco, a solidão do maratonista

Francisco começou uma obra de limpeza no IOR, fechando contas e estabelecendo regras.
Por Marco Politi
Três anos depois da eleição, em vez de se perguntar em que ponto o papa está, é preciso se perguntar onde está a Igreja Católica. Os canteiros abertos por Bergoglio estão diante dos olhos de todos e tiveram o efeito de sacudir equilíbrios centenários. Francisco constrói uma Igreja menos monárquica e mais colegial, criando o "Conselho da Coroa" de nove cardeais, que deve ajudá-lo no governo, do qual fazem parte expoentes de todas as tendências eclesiais (dos reformistas aos centristas, passando pelos conservadores). Um exemplo de pluralismo e de inclusividade. E deu liberdade de expressão e poder real de fazer propostas àquele parlamento sui generis que é o Sínodo dos bispos.
Francisco começou uma obra de limpeza no IOR, fechando milhares de contas, estabelecendo regras detalhadas para a abertura e o monitoramento das contas correntes, criando uma comissão antilavagem de dinheiro, firmando acordos de cooperação judiciária com muitos Estados, deixando que agências internacionais independentes peneirassem as finanças vaticanas, instituindo um Secretariado para a Economia, encarregado pelo controle dos contratos (eterna fonte de corrupção) e pelo monitoramento dos orçamentos das administrações individuais da Santa Sé.
Francisco é o primeiro pontífice que processou por pedofilia um arcebispo diplomata vaticano (Jozef Wesolowski), colocando-o na prisão, e que criou um tribunal especial para os bispos negligentes na perseguição dos abusos sexuais nas suas dioceses.
Francisco iniciou uma reforma da Cúria. Propôs uma nova abordagem pastoral na temática sexual – da superação do veto à comunhão aos divorciados recasados ao respeito pelas escolhas de vida dos homossexuais – até recebendo no Vaticano um transexual com a sua namorada.
Francisco lançou a ideia de colocar as mulheres em posições de responsabilidade na Igreja, lá onde "se decide e se exerce a autoridade". Francisco dialoga com os não crentes e é o primeiro pontífice a escrever uma encíclica (sobre a ecologia) partindo de dados científicos para chegar às escolhas que um cristão deve fazer em nome do Evangelho, em vez de colocar na cátedra a "doutrina", pregando para a ciência como ela deve se comportar.
Francisco começou a nomear bispos, escolhendo-os entre pessoas não carreiristas, imersas na vida paroquial de todos os dias. Cutucando os padres a não serem burocratas dos sacramentos e os bispos a não se acreditarem como príncipes. E fustigando os males que afligem parte do pessoal da Cúria: narcisismo, autorreferencialidade, Alzheimer espiritual.
Francisco desvinculou a Santa Sé da política italiana, relançou a presença internacional do Vaticano no cenário internacional, abriu um diálogo com os ortodoxos russos e com os protestantes no 500º aniversário da Reforma de Lutero. Ele mediou entre EUA e Cuba, evitou em 2013 uma invasão ocidental na Síria (que hoje Obama reconhece que teria sido um trágico erro). Convidou para Roma o presidente chinês, Xi Jinping. Esses são fatos.
Mas o fato que mais chama a atenção enquanto ele começa o quarto ano do seu pontificado é a enorme resistência que o aparato eclesiástico lhe opõe, não só na Cúria Romana, mas também na massa dos episcopados espalhados pelo mundo. É uma resistência que nasce do tradicionalismo, do conservadorismo mais estreito, do medo do novo, do cômodo apego à rotina, de uma visão doutrinária do cristianismo, da recusa da maioria dos padres e bispos de assumirem um estilo de vida pobre, abandonando o dos funcionários do sagrado. Novos escândalos financeiros indecentes explodem, como mostrou o Vatileaks 2.
A maioria dos bispos não apoiou Francisco nos dois Sínodos sobre a família para que houvesse regras claras para a readmissão à Eucaristia dos divorciados recasados e para que fosse reconhecido o valor positivo das uniões homossexuais. A maioria dos bispos não move um dedo para fazer com que as mulheres assumam papéis de liderança nos inúmeros órgãos eclesiásticos (onde não estão em jogo poderes sacramentais). A maioria dos bispos se recusa a apoiar a regra de que um bispo tem a obrigação de denunciar à autoridade judiciária um padre predador de menores. Muitos cardeais eleitores – dos Estados Unidos e não só – não votariam mais em Bergoglio em um conclave.
A Igreja é um organismo enorme, composto por mais de 1,2 milhão de fiéis. Um enorme corpo institucional, inervado por milhares de bispos, centenas de milhares de padres, freiras, freis, centenas e centenas de milhares de membros de associações, movimentos, instituições de vários gêneros. Mover esse corpo na direção de uma reforma radical, que sacuda das estruturas e das práticas da Igreja "200 anos de pó" – como disse o cardeal Martini antes de morrer – é uma operação muito fatigante.
Com a lucidez do bobo da corte, Benigni disse que Francisco "tenta puxar a Igreja para Jesus Cristo". Nesse esforço, Bergoglio está substancialmente sozinho, no sentido de que só uma minoria na Igreja o apoia concretamente. A grande maioria dos fiéis o aplaude, mas fica olhando.
Falta, de baixo, um forte movimento de bispos, padres, teólogos, fiéis comprometidos. Como aconteceu, ao contrário, durante o Concílio Vaticano II, quando, em muitas partes da Igreja, se manifestavam iniciativas de apoio ativo à virada reformadora.
Ao contrário, desencadeou-se na rede uma campanha anti-Bergoglio extremamente agressiva. Francisco, criticam-no alguns dos seus defensores, cometeu dois erros: não mudou todos os chefes da Cúria e não transformou as suas exortações em instruções a serem seguidas. Isso não parece estar no seu temperamento.
Só 40% dos católicos praticantes italianos (SWG, agosto de 2015) acha que ele vai conseguir mudar a Igreja e a Cúria. Assim, ele continua a sua corrida na solidão do maratonista. E o tempo do pontificado, por sua declaração, não é muito.
Il Fatto Quotidiano, 13-04-2016.

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