quinta-feira, 3 de março de 2016

Pedofilia. Terceiro depoimento de Pell: “Enganado pelo sistema, não fui informado sobre as vítimas”

Continua o interrogatório da Comissão de inquérito ao cardeal, que criticou o seu predecessor em Melbourne e explica o esquema de compensação para freiar as ações judiciais contra a diocese. As vítimas pedem audiência com o Papa
Pell, cardeal
Pell, Cardeal
Começa de onde havia terminado o terceiro depoimento do cardeal George Pell perante a Comissão Real australiana, ou seja, dos 54 casos de abusos sexuais de menores realizados pelo Pe. Gerard Ridsdale, predador religiosa acusado por mais de 130 crimes, mudado seis vezes, que agora, aos 81 anos, encontra-se na cadeia.
 Pontualmente às 22 (hora de Roma) o prefeito da Secretaria para a Economia entra na Sala Verdi do Hotel Quirinale e se conectar por meio de vídeo-conferência com Gail Furness que o interroga sobre os abusos acontecidos nos anos 70 e 80 na diocese australiana de Ballarat, onde ocupava o cargo de vigário episcopal do bispo Ronald Mulkearns.
 Para examiná-lo, na primeira fila, ainda estão as 14 vítimas de abusos que vieram da Austrália a Roma graças a uma campanha de crowdfunding para escutar de perto os depoimentos do cardeal. Ontem pediram audiência com o Papa antes de voltar ao próprio país.
 Furness levanta a questão já colocado durante a segunda audiência pública do 1º de março: como é possível que o cardeal, então consultor do bispo, não soubesse dos horroees realizados por Ridsdale, notoriamente reconhecido como pedófilo e homossexual? Nas mãos da Comissão existem, de fato, documentos que confirmam os relatos dos pais, estudantes e professores sobre abusos realizado pelo religioso; muitos vêm da escola de Saint Alfio, o colégio dos ‘Christian Brothers’, onde Ridsdale era capelão.
 Impossível não saber, portanto. A advogada insta e pergunta a Pell se na reunião de consultores de 1982 tivesse corrido a voz sobre esses fatos do pe. Ridsdale. O ex-arcebispo de Melbourne e depois de Sydney nega com firmeza: “Eu não estava ciente dessas discussões”. O tom, em comparação à audiência de ontem, pareceu mais relaxado e o cardeal se mostrou bem disposto para responder às perguntas da Comissão de Inquérito.
 Muitas delas dizem respeito à figura de Edward Dowlan, outro religioso professor no colégio St. Patrick condenado a seis anos e seis meses de prisão. Dezesseis as acusações contra ele por abusar de 11 alunos de quatro escolas diferentes. Pell, que no depoimento de domingo, 29 de Fevereiro, rejeitava as acusações de ter ignorado os avisos sobre o sacerdote, fala que nos anos 70 tinha ouvido “rumores de comportamentos inadequados”. “Concluí que se referiam a comportamentos pedófilos”, diz.
 Apesar disso o nome Dowlan – como o de Ridsdale e muitos outros – não terminou na mesa da polícia de Ballarat mas nos registros de uma outra paróquia. “Não sabia exatamente do que ele estava sendo acusado – explica Pell – mas 40 anos atrás ou mais pensei que com a transferência fossem adotadas medidas mais adequadas”.
 Interveio, então, Peter McClellan, chefe da Comissão Real e perguntou: “Fez essas suposições,mas se informou?”. “Não. Não o fiz!”, replica o ministro das finanças vaticanas admitndo, como no depoimento de domingo, de nunca ter sabido o nome nem a quantidade das vítimas, muito menos que tais abusos fossem de público domínio na escola.
 O foco então se move para a década 1987-1996, quando Pell, transferido para Melborune, primeiramente foi nomeado pároco de Menton e, alguns anos depois, bispo auxiliar. Na época o cardeal começou um esquema de compensação para as vítimas a fim de desencorajar os processos judiciais, caros para a diocese. Chamava-se Melbourne Response e tinha sido duramente criticado pelos sobreviventes e pelas suas famílias durante todo o curso da investigação conduzida pela Comissão Nacional de Inquérito.
 Comissão que hoje perguntou ao prelado se, um vez nomeado bispo auxiliar, tivesse continuado com a política de remoção dos sacerdotes, em vez daquela de denúncia às autoridades. A propósito o cardeal recorda o direito canônico em matéria de papeis e responsabilidades eclesiais, e sublinha que “o bispo auxiliar não tem o poder de tomar decisões contra a vontade do arcebispo”. Quando depois foi nomeado ele próprio arcebispo, “nas decisões que tomei em matéria de pessoal nenhum dos consultores ou o comitê consultivo têm culpa, porque eram as minhas decisões”, esclarece.
 Surgiram outros dois nomes durante o interrogatório: Frank Little, arcebispo de Melbourne de 1974 a 1996, morto em 2008, e Peter Searson, sacerdote, pedófilo, ficha limpa. A Comissão acredita que tem provas de que Little guardasse um dossiê secreto, cheio, abarrotado, de “cartas de denúncias feitas por todos os tipos de pessoas, dos pais especialmente, das próprias vítimas”. O prelado era, portanto, consciente da presença de sacerdotes pedófilos na sua diocese, mas a sua decisão – como se lê nos documentos – foi de transferi-los de paróquia em paróquia.
 Little demitiu-se 4 anos antes, em 1996. “O arcebispo renunciou por motivos de saúde, não é verdade?”, pergunta Furness provocatoriamente. Pell responde na mesma moeda: “Isto é o que foi dito, tinha, de fato, tinha quatro ou cinco problemas de saúde diferentes”. “Quando você diz que foi dito – insta a consultora – está sugerindo que existem razões para as demissões?”. “Demitiu-se 4 anos antes – explica Pell – e suspeito que a sua situação seja paralela à do bispo Mulkearns que renunciou cedo, talvez com 8 anos de antecedência. É provável que uma das razões destas demissões foram problemas surgidos pelo modo com que lidou com os casos de pedofilia”.
 “Portanto, eu não ficaria surpreso se foi pedido ao arcebispo Little para entregar a sua renúncia, mas certamente estava doente”, disse o cardeal. E acrescenta: “Sir Little em algumas ocasiões não agiu como deveria e certamente não deu e não procurou informações adequadas colocando-as a disposição do pessoal do comitê consultivo”. A este respeito, o prefeito das finanças do Vaticano menciona Denis Hart, seu vigário geral, cuja nomeação – diz – representou um bom passo porque era um “excelente administrador”.
 Passou-se, então, para Peter Searson, pároco de Sunbury, abusador em série no biênio de 1984-1986. Todos sabiam, muitos reclamaram, especialmente alguns pais que suspeitavam do modo estranho do sacerdote confessar os seus filhos, fazendo-os sentar no colo e acariciando-os. O sacerdote, além do mais, gravava as confissões violando o sigilo sacramental. Nunca, porém, foi acusado, muito menos pelo arcebispo Little; e isso até a sua morte, em 2009.
 Contra ele foi elaborado só um documento de uma página e meia que recolhia vários relatos e um juízo sobre a sua posição mental que o enquadrava como “psicologicamente incapaz de ser um pastor ou pároco de uma paróquia”. Nas mesmas páginas torna-se evidente que os responsáveis pela Igreja local tinham decidido rever constantemente a situação, em vez de denunciar o pároco às autoridades.
 Sobre a conduta do padre e sobre alguns de seus comportamentos bizarros (violência em animais, sempre andava com uma arma), Pell é lacônico: “Nunca fui informado que este documento havia sido preparado e nunca fui informado sobre a variedade e a gravidade dos problemas”, diz, “não acredito que teria podido fazer mais do que fiz”.
 “Não consigo recordar exatamente”, continua depois respondendo a uma pergunta sobre quando tomou conhecimento de tais casos. “Presumo que foi na primeira vez que visitei a paróquia de Sunbury… era um homem desconcertante, é um dos padres mais desagradáveis ​​que conheci. Rapidamente percebi que era uma personalidade difícil”.
 Impressão confirmada por uma lista de queixas compilada pelo Escritório de Educação Católica, entregue ao Pell, então bispo regional, em 1989. O cardeal, no entanto, afirma que nunca recebeu “nenhuma adequada informação básica sobre os problemas de longo prazo de Searson”. McClellan contesta estas afirmações, mas o cardeal, sereno, reitera: “A Secretaria de Educação não me forneceu informações” “Na verdade, não havia indicações claras sobre comportamentos do padre, e se não aprofundou a sua curiosidade com investigações mais aprofundadas deve-se só à confiança que ele deu ao departamento de educação católica”.
 O cardeal, em seguida, afirma que foi enganado pelo “sistema da época”, porque “sabiam que eu teria feito perguntas incômodas se eu tivesse sido melhor informado”. Nunca ele teria aceito tais crimes e, mais, teria tomado “medidas decisivas”. O que, pelo contrário, o cardeal Pell nunca fez. E é precisamente isso o que as vítimas, frustradas e decepcionadas, agora lhe censuram. Zenit

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