No conjunto das celebrações do Ano Litúrgico, a Quaresma tem sempre um lugar especial.
Por Dom Genival Saraiva de França*
É comum haver a rememoração de acontecimentos do passado, mediante comemorações, em determinadas datas, em razão de sua significação social, cultural, política, religiosa. Assim, no universo religioso, pode-se considerar um fato do passado como, por exemplo, a Paixão de Cristo.
Todavia, quando relembrado numa encenação, tal como acontece em Nova Jerusalém e em outros lugares, esse fato se distingue das celebrações litúrgicas, nas paróquias e comunidades, porque estas fazem memória e tornam atual o mistério de Cristo que é celebrado ao longo do Ano Litúrgico.
Na fase preparatória da celebração da Páscoa, a Igreja vive o tempo da Quaresma que é muito rico, no plano da espiritualidade e da ação pastoral. No conjunto das celebrações do Ano Litúrgico, a Quaresma tem sempre um lugar especial porque prepara os fiéis para a celebração da Ressurreição do Senhor que é centro da vida da Igreja.
Em qualquer contexto, a misericórdia faz parte da natureza da Quaresma, como expressão orante e como prática corporal e espiritual, porém, em razão do Ano Santo da Misericórdia, essa linguagem se reveste de um significado particular na Quaresma de 2016, como frisa o Papa Francisco na Bula Misericordiae Vultus (O rosto da Misericórdia).
“A Quaresma deste Ano Jubilar seja vivida mais intensamente como tempo forte para celebrar e experimentar a misericórdia de Deus. Quantas páginas da Sagrada Escritura se podem meditar, nas semanas da Quaresma, para redescobrir o rosto misericordioso do Pai!
Com as palavras do profeta Miqueias, podemos também nós repetir: Vós, Senhor, sois um Deus que tira a iniquidade e perdoa o pecado, que não se obstina na ira, mas se compraz em usar de misericórdia. Vós, Senhor, voltareis para nós e tereis compaixão do vosso povo. Apagareis as nossas iniquidades e lançareis ao fundo do mar todos os nossos pecados (cf. 7, 18-19).”
O Papa também encontra no Profeta Isaías uma fonte de meditação e prática da misericórdia na Quaresma deste ano: “Acaso o jejum que eu prefiro não será isto: soltar as cadeias injustas; desamarrar as cordas do jugo; deixar livres os oprimidos, acabar com toda espécie de imposição? Não será repartir tua comida com quem tem fome?
Hospedar na tua casa os pobres sem destino? Vestir uma roupa naquele que encontras nu e jamais tentar te esconder do pobre teu irmão? Aí, então, qual novo amanhecer, vai brilhar a tua luz, e tuas feridas hão de sarar rapidamente.
Teus atos de justiça irão à tua frente e a glória do Senhor te seguirá. E quando o invocares, o Senhor te atenderá, e ao clamares, ele responderá:
‘Aqui estou!’ Se, pois, tirares do teu meio toda espécie de opressão, o dedo que acusa e a conversa maligna, se entregares ao faminto o que mais gostarias de comer, matando a fome de um humilhado, então a tua luz brilhará nas trevas, o teu escuro será igual ao meio-dia.
O Senhor te guiará todos os dias e vai satisfazer teu apetite, até no meio do deserto. Ele dará a teu corpo nova vida, e serás um jardim bem irrigado, mina d’água que nunca para de correr” (58, 6-11).
A Quaresma da misericórdia, como apropriadamente está sendo chamada este ano, contém apelos muito concretos que devem ser acolhidos pelas pessoas, famílias e comunidades, na linha da espiritualidade, da caridade, da justiça, da liberdade, da responsabilidade, do direito, do dever.
Por ser um “momento favorável”, a Quaresma do Ano Jubilar fala ao coração de quem pode ser portador de misericórdia junto a quem necessita desse dom de Deus.
CNBB, 29-02-2016.
*Dom Genival Saraiva de França: Bispo Emérito de Palmares (PE).
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