Talvez a maior penitência que possamos fazer na quaresma é pensar sobre nós mesmos.
Por Dom Pedro Carlos Cipollini*
Quarenta dias dura a quaresma. Nestes dias que precedem a Páscoa, os católicos estão vivendo um tempo de oração, reflexão e penitência, acompanhando Jesus Cristo, nos 40 dias (por isso quaresma) em que ele esteve no deserto preparando-se para cumprir sua missão. Porque se preparar tanto para a Páscoa? Porque a Páscoa é o centro, o núcleo da Revelação de Deus a nós. Jesus o Filho de Deus feito homem, morreu na cruz e ressuscitou. Ele entra na morte e a destrói, dando-nos a vida. Esta é nossa fé.
Nesta quaresma a Campanha da Fraternidade nos coloca um tema para pensar: “Casa comum: responsabilidade de todos”, trata-se do cuidado com a Terra, o saneamento básico, a água tratada. São necessidades urgentes. Segundo estatísticas disponíveis somente 39% da população tem rede de esgoto tratada. É tempo de mudar esta situação. Unir esforços de pessoas generosas e de boa vontade para transformar esta realidade.
Gostaria aqui, no entanto, de refletir com vocês sobre o tempo, já que sobre a quaresma se fazem muitas reflexões. O tempo passa, e depressa dizemos, Mas que é o tempo? Considerado ontologicamente é duração, persistência no existir, pois o que não tem existência não tem duração. A duração de seres imutáveis é eternidade, a duração de seres mutáveis chamamos de tempo. Santo Agostinho refletindo sobre o tempo se pergunta: “De que modo existe passado e futuro, se o passado já não existe e o futuro ainda não veio?” (Confissões,XI,14). É uma consideração filosófica.
O tempo corre, passa, vale dinheiro, dizemos. Mas quem o vende? Quem o compra? E quem perde? O que realmente existe é o presente, este é realidade e deve ser vivido intensamente. Vivemos mergulhados no tempo, mas somos nós que existimos. O que existe somos nós, que não gostamos de pensar no tempo, pois é incômodo. Algo nos diz que nascemos para sermos eternos, não para a morte. Muitos vivem como se fossem imortais, até o dia em que chega a morte. Saber gerir o tempo é uma arte.
Talvez a maior penitência que possamos fazer na quaresma é pensar sobre nós mesmos, que passamos pelo tempo ao invés de pensar que o tempo é que passa. E na maioria das vezes se passa pelo tempo perdendo tempo. No nosso ambiente de trabalho, na nossa vida, nas pequenas coisas às vezes se perde muito tempo. E se pensarmos no País? Quanta perda de tempo? Basta pensar na máquina legislativa e no sistema judicial. Quase tudo é colocado em compasso de espera. O atraso nas decisões é sempre para “ganhar tempo”. Ganhar tempo para quem? Muitas vezes é para interesses que não são de todos. Quantas vezes o egoísmo fala mais alto.
Refletindo sobre esta realidade do tempo, tirei do baú da memória alguns versos sobre o tempo. Recebi de um amigo e gostei, por isso partilho com vocês: “Deus pede estrita conta de meu tempo/ É forçoso do meu tempo já dar conta/ Mas como darei em tempo tanta conta/ Eu que gastei sem conta tanto tempo?/ Para ter minha conta feita a tempo/ Dado me foi bom tempo, e não fiz conta/Não quis, sobrando tempo, fazer conta/ Quero hoje fazer conta e falta tempo.
Oh! Meu Deus, vós todos que tendes tempo sem ter conta/ Não gasteis esse tempo em passatempo/ Cuidai enquanto é tempo em fazer conta/ Mas, meu Deus! Se os que contam com seu tempo/ Fizessem desse tempo alguma conta/ Não choravam como eu, nesse momento derradeiro, o não ter tempo, e ter a conta!”.
CNBB, 01-03-2016.
*Dom Pedro Carlos Cipollini: Bispo de Santo André (SP)
Nenhum comentário:
Postar um comentário