sábado, 19 de março de 2016

Tempos de confusão

Estamos perdidos no meio das palavras e imagens, soterrados por um monte de informação. Os grandes conglomerados de mídia têm suas agendas e interesses; o jornalismo independente, suas ideologias. Disto ninguém pode escapar: cada qual fala de seu lugar e, dada sua perspectiva, ninguém é imparcial. O máximo possível é tentar abordar um mesmo fato por diversos ângulos, mas mesmo isso já é assumir uma posição, ainda que multifocal.
 
Em épocas onde a hipermídia e a tecnologias favoreceram os fluxos informativos, “conhecer coisas” não é problema. O desafio está em saber o que se faz com aquilo que se aprende (ou se apreende), em testar sua veracidade e confiabilidade, em ler criticamente o que se recebe. Aliás, a mensagem não é só o conteúdo informado. Mesmo a plataforma em que algo se apoia já diz algo por si mesma. Lembro-me de umas cenas de uma gravação, durante o espetáculo Som e Luz do Museu Imperial de Petrópolis, que eram projetadas num leque d’água. A fluidez do suporte dava às imagens a noção de memória, afeto e passado; o que seria diferente se ocorresse numa parede. Isso ilustra, de alguma forma, a máxima de McLuhan que dizia que “o meio é a mensagem”.
 
Quando a presidenta Dilma diz numa gravação que Lula deveria usar o termo de posse caso precisasse, dizia da sua impossibilidade de participar da cerimonia que o empossaria ou de que, caso fosse “pego” por Moro, utiliza-se de foro privilegiado? O primeiro áudio divulgado e que circulou a internet, por si mesmo, não permite afirmar nada. Na binariedade de nossas discussões políticas, defensores e acusadores se digladiaram sem ainda terem ouvido todo o restante. Apesar de ambas as razões serem possíveis, impressiona-me que um trecho de conversa, destacado do seu contexto maior (a conversa inteira e as outras que lhe antecederam) seja tomado como uma prova factual de criminalidade. Ora, a mídia trabalha com recortes e cada edição que se faz uma “verdade” aparece. Um texto para ser bem entendido precisa de contexto. Mas o que vemos é a criação de uma verdade formada pela aura de suposições e possíveis. Mesmo o conteúdo da delação de Delcidio, que agora está público, por ter muitas páginas, não é lido. É mais fácil esperar que um grande canal de notícias faça a interpretação, pois é muita informação para ser digerida e averiguada – uma delação não constitui em si um prova cabal, porque quem cai pode querer levar alguém junto para ter um ponto de apoio para subir depois; carece de investigação.
 
O que tudo isso tem gerado? Angústia. Mesmo pessoas que não acompanham noticiários políticos estão com a sensação de mal-estar. Parece que algo ruim vai acontecer a qualquer momento; há um sentimento de estarmos sendo enganados de todos os lados; a ameaça de não se ter com o que pagar as contas ou de não poder levar uma vida digna paira no ar. Estamos sendo controlados em nossos afetos mais íntimos pelas descargas informativas. Se o capitalismo gera exclusão, miséria e guerras, as formas históricas de projetos comunistas se mostraram falhas. Perdemos as utopias tanto da direita como da esquerda. Se não dá para acreditar num “paraíso cubano”, o “sonho americano” também não é isso que se imaginava – e eis que Cuba e USA se reaproximam.
 
Parece que, paralela à reforma política, carecemos de uma transformação no sistema educacional, sobretudo para aprendermos a articular saberes, ler imagens e sermos críticos às informações. Mas não só. Precisamos também de uma educação dos afetos, pois é desde aí que somos manipulados. Na ausência de figuras referenciais e tocados na solidão existencial, cria-se midiaticamente a figura de heróis e vilões na tentativa de personificar nossas esperanças e ameaças. Nem Moro nem Lula serão nossos salvadores e aqui não se acusa ou defende ninguém. O que precisamos é de prudência porque há mais jogos de interesse do que pode supor nossa razão. Na sua incapacidade de processar tudo, cuidemos dos nossos afetos, porque é desde aí que começam a nos roubar de nós mesmos.




O camareiro
 
O exercício teatral constitui um verdadeiro aprendizado em relação à vida afetiva. A tarefa de um ator em fazer seu o sentimento do personagem, permite que transite em uma gama de afetos, exigindo discernimento em relação ao que é verdadeiramente seu. É claro que nem todos dão conta do processo de visitar seus afetos sem saírem mais perturbados. Aliás, o enfrentamento de si e dos próprios limites é tarefa dura quando se quer fugir da dor. E como diz a canção, “cada uma sabe a dor e a delícia de ser o que é”.

A peça O camareiro, em cartaz no Grande Teatro do Palácio das Artes,celebrando os 15 anos do Teatro em Movimento, nos dias 19 e 20 de março, é uma grande reflexão sobre a tarefa de educar o próprio afeto, deparar consigo mesmo e aprender com o outro. Na peça, um ator de teatro, à beira de um colapso nervoso, luta no limite de suas forças para interpretar mais uma vez o Rei Lear de Shakespeare. Mesmo senil e com sua saúde debilitada, o “Senhor”, como é chamado por todos, lidera com tirania sua companhia, que começa a desmoronar. Ele conta com Norman, seu dedicado camareiro, que desdobra-se para atender às exigências de seu patrão, cuida de sua saúde e tenta ajuda-lo a lembrar suas falas, já que o “Senhor" encontra-se confuso e desorientado. A dedicação e o esforço de Norman, que faz qualquer coisa para esse homem que ele aprendeu a amar e respeitar, mostra que existe uma forte ligação entre eles e que ambos, ator e camareiro, são servidores de algo maior que eles mesmos: o teatro.
 
EVENTO: O Camareiro
DATA: De 19 de Março, Sábado a 20 de Março, Domingo
HORÁRIO: Sábado às 20h e Domingo às 19h
DURAÇÃO: 120 minutos com 15 minutos de intervalo
LOCAL: Grande Teatro do Palácio das Artes
CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA: 12 anos
PREÇO PLATEIA I e II: R$ 80,00 (INTEIRA) | R$ 40,00 (MEIA)
PREÇO PLATEIA SUPERIOR: R$ 50,00 (INTEIRA) I R$ 25,00 (MEIA)
INFORMAÇÕES PARA O PÚBLICO: (31) 3236-7400

Gilmar P. da Silva SJ
Mestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, com pesquisa em Signo e Significação nas Mídias, Cultura e Ambientes Midiáticos. Graduação em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Possui Graduação em Filosofia (Bacharelado e Licenciatura) pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. Experiência na área de Filosofia, com ênfase na filosofia kierkegaardiana. 

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