A ansiedade do triunfo toma conta de todos, seja nos negócios, esportes, estudos, no dia a dia banal.
Por Fernando Fabbrini*
Os patriarcas gregos não eram bobos. Já na primeira Olimpíada ficou estabelecido que os prêmios aos vencedores seriam simbólicos: nada além de coroas feitas com folhas de louro que o atleta guardaria em casa com muito orgulho até que uma cozinheira descuidada botasse tudo na sopa. A simplicidade deste prêmio tinha algo de divino. Afinal, os jogos eram dedicados aos deuses do Olimpo que recomendavam “seja humilde na sua vitória”; “o vencedor de hoje será o derrotado de amanhã”, na vida tudo passa. Alguém já me disse que o simples fato de inclinar a cabeça para receber a medalha é proposital; além de configurar uma reverência clássica, remete igualmente à uma atitude de modéstia.
Os esportes trazem – ou deveriam trazer, penso eu – este tipo de mensagem sutil, porém importantíssima, referindo-se ao efêmero das coisas, à transitoriedade. Ao entrar no ginásio, na piscina ou no tatame o atleta deverá aceitar que sairá de lá com uma vitória ou uma derrota. Obvio, não? Usei o verbo “aceitar” de propósito, na plenitude de seu significado. Para cada vencedor existirá um derrotado, é a regra; mas o esporte é como a vida, um sobe-e-desce constante. Perder ou ganhar são situações transitórias e cabe ao atleta trabalhar internamente o espírito esportivo, a lealdade, a busca da excelência, a disciplina.
Os budistas costumam dizer que se a vitória é doce, a derrota é sábia – porque com ela aprendemos muito mais. Falhar, cair, estrepar-se vez ou outra é indispensável no processo do aprendizado. Vexames e fracassos terríveis constam das biografias de grande atletas, cientistas brilhantes e gênios da música. Na pior das hipóteses, o malogro nos dá as preciosas referências do “como não fazer”, ensinamentos fundamentais até para camundongos de laboratório diante de comedouros automáticos.
Minha coluna de hoje está parecendo a reflexão profunda de um pedagogo qualificado. Enganam-se: é somente o desabafo de um cidadão comum atento à onda insuportável de “vitória” e de “sucesso” que nos assola. A ansiedade do triunfo toma conta de todos, seja nos negócios, nos esportes, estudos, no dia a dia banal. Pudera: se de um lado a vida foi ficando difícil para a maioria, para outros nunca foi tão fácil “ganhar” – e tão difícil “perder”.
O rapaz ganha o carro porque passou no vestibular. A menina ganha o celular porque quis. Os pais exigem que o filho ganhe uma nota suficiente para escapar da bomba no colégio. Levar um fora da namorada é “perder”, algo inadmissível. E por aí vai. Há uma necessidade doentia de “ganhar” e de exibir sucessos; uma chuva de prêmios, títulos e condecorações que chega a ser cômica. Daqui a pouco, o sujeito vai limpar a calçada e a sociedade lhe entregará a Comenda Comunitária do Gari Voluntário, com discursos e aplausos na Câmara.
As regras do jogo da ascensão estão cada vez menos confiáveis e mais elásticas. A fraude – oficial ou generalizada – virou uma coisa socialmente aceita e descaradamente impune. É nessa brecha tentadora da ética que os jovens se atiram na busca de seus sonhos. Há “doppings” de todos os formatos e aplicações. Com suaves prestações mensais, golpes baixos ou subornando o árbitro, qualquer idiota exibe o título de campeão em alguma coisa. As revistas de famosos e celebridades mostram apenas o resultado do acúmulo do dinheiro – sem mencionar, é claro, as origens da fortuna.
E onde andarão os perdedores, estes indivíduos tão comuns e tão humanos? Foram extintos dentro de nós. Ninguém tem a grandeza de admitir um mísero momento de condição desvantajosa. Estamos todos, pelas aparências e por obra do marketing pessoal, rumo ao estrelato coletivo. Haja óculos Ray-Ban e flashes para tanta gente.
Porém, pela eterna lei da oferta e da procura, a inflação de vitoriosos traz um efeito colateral decepcionante: faz despencar o valor das conquistas no mercado. Portanto, caro amigo, prepare seu filho para a vida. Ensine-o a perder, principalmente. Dependendo do cenário e das condições gerais, vencer, hoje em dia, é mole – e ninguém mais leva isso muito a sério.
*Fernando Fabbrini é roteirista, cronista e escritor, com dois livros publicados. Participa de coletâneas literárias no Brasil e na Itália e publica suas crônicas também às quintas-feiras no jornal O TEMPO.
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