Por Gilmar P. da Silva SJ
Assistir e ler jornais têm sido algo desolador. As notícias políticas deixam a impressão de que a corrupção é endêmica e que somos manipulados de todos os lados. Sobre o mundo afora, sabe-se de guerras, terrorismo, direitos humanos negados, mortes. Ameaças econômicas rondam os lares, seja na forma do desemprego, seja no encarecimento dos bens de consumo. Até algumas operadoras de internet fixa têm a parcimônia de alterar o sistema de cobrança dos dados, prejudicando os clientes, e ainda dizem, de modo deslavado, que assim será melhor. Mas para quem? Após os surtos de zika, dengue e chikungunya, somos assolados pela H1N1.São tantas coisas a nos escapar, que a sensação desoladora que nos sobrevém se afigura como apequenamento. O que está em nosso poder fazer? E em caso de fazermos algo, quem se beneficiará de nossa ação? Tem sido difícil um olhar mais amplo sobre nossa situação e os rumos que tomaremos. Haveria de se subir em ombros de gigantes para alcançar melhor visão, mas estes são raros. Poucos são os lumiares de pareceres lúcidos em meio a torrentes de intolerância e discursos de ódio – aliás, se quer a paz, não leia comentários de notícias na internet.
Parece que, justamente, esse sentimento de impotência nos foi programado. É como se alguém ou algum grupo estivesse se beneficiando da ameaça do caos para enfraquecer nossa capacidade de resistência à nova ordem que querem instaurar. Soa como teoria da conspiração, mas o fato é que as oposições se acirram cada vez mais como se caminhássemos para a barbárie. A divisão entre “coxinhas” e “petralhas” ou direita e esquerda é só uma expressão da binariedade constante a que somos enquadrados. Se você é contra x, é a favor de y, o que lhe torna um causador do mau e, por isso, deve ser eliminado. Estamos lutando uns contra os outros, manipulados em nossos sentimentos e na nossa capacidade de percepção.
Em situações de descrença e desolação há de se preocupar com a busca da salvação. Mais cedo ou mais tarde surge uma nova figura messiânica, uma perspectiva salvadora ou algo que se afigure como promessa de cura para um mundo sofrido. É mais comum do que se pensa essa coisa de gerar o caos para apresentar-se como o possível para uma nova ordem. Foi assim com Hitler, que jogou a culpa de todos os males nos judeus; foi assim na ditadura, cujo mal-estar provocado apontava para o risco de uma “ameaça comunista”. Preparemo-nos para os lobos em pele de cordeiro. Eles já estão no meio de nós.
Com o fim das grandes utopias, particularmente de direita e esquerda, com o fim das grandes narrativas, a falência de um protótipo de mundo pautado pela racionalidade, sob a égide dos mestres da suspeita e nas concepções de pós-tudo (pós-humano, pós-estruturalismo, pós-moderno etc.), nossa geração caminha estranhamente. Queremos colo, mas esse não há. Queremos nos apropriar de nosso lugar no mundo, como adultos, e isso nos escapa. Tanta indefinição, tanta desordem! Nada mais acertado que, após a segunda lei da termodinâmica, o mundo seja visto e medido desde sua entropia.
Amores Urbanos
A geração que hoje tem cerca de 30 anos foi a que cresceu em meio essa reviravolta do mundo, que viu a queda do muro de Berlin na sua infância e que ainda colhia os resquícios e recalques do período ditatorial presentes na cultura. Está no seu imaginário, a liberação sexual, o boom da Aids, a proliferação das drogas sintéticas. Trata-se de uma geração que, de modo geral, preparou-se muito e se depara com o fim da juventude com uma série de indefinições, dificuldades de entrada no mercado de trabalho e mesmo de certa estabilidade afetiva.
Muito acertadamente a diretora Vera Egito lança o filme Amores Urbanos. A história conta com três amigos, afigurados mais como anti-heróis do que mocinhos, que vivem no mesmo prédio na cidade de São Paulo. As desventuras profissionais e amoras que enfrentam, nessa comédia dramática, são o mote para esboçar o rosto da geração que nasceu na passagem dos anos 70 para os anos 80 e seus inícios.
O filme é o primeiro longa-metragem da diretora e conta com a estreia no cinema dos cantores Ana Cañas e Thiago Pethit. Ele assina a trilha sonora com Camila Cornelsen, responsável pela fotografia. Além dos cantores, o elenco se compõe de Maria Laura Nogueira (Julia) e Renata Gaspar (Mica), que junto com Thiago (Diego) constituem a tríade de protagonistas. Também fazem parte Lucas Veríssimo Brilhante, Bernardo Fonseca, Emanuelle Junqueira e Sarah Oliveira, que faz participação especial. Amores Urbanos estreou mundialmente no dia 05 de Março no Miami International Film Festival, com o nome Restless Love. Segundo a produtora Paranoïd, sua estreia nos cinemas será no dia 19 de Maio.
Gilmar P. da Silva SJ
Mestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, com pesquisa em Signo e Significação nas Mídias, Cultura e Ambientes Midiáticos. Graduação em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Possui Graduação em Filosofia (Bacharelado e Licenciatura) pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. Experiência na área de Filosofia, com ênfase na filosofia kierkegaardiana.
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