quarta-feira, 13 de abril de 2016

Ciência e Teologia: duas questões de fé

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Ciência e Teologia: duas questões de fé
O principal ponto de convergência entre ciência e teologia é a fé.
Vemos uma grande resistência por parte da teologia em aceitar a ciência ao longo de sua história
Vemos uma grande resistência por parte da teologia em aceitar a ciência ao longo de sua história

Fabrício Veliq*

É muito comum, ainda em dias atuais, a ideia de que teologia e ciência não têm nada a ver entre si. A principal asseveração é que a teologia trata a respeito da fé e coisas não comprovadas racionalmente, enquanto a ciência trabalha os dados empíricos, frutos da observação e dos cálculos. Essas considerações, frutos do racionalismo de Descartes (embora o próprio Descartes, em toda sua formulação, ainda mantenha Deus como ponto importante para seu racionalismo) se tornam cada vez maiores a partir dos experimentos de Galileu Galilei e a criação do Cálculo Infinitesimal por Newton e Leibniz.

As novas maneiras de explicar a realidade trazidas por Galileu e pelo Cálculo Infinitesimal de Newton e Leibniz trazem consigo uma nova forma de pensar, ou seja, muda-se drasticamente a maneira com a qual o mundo é visto, surgindo uma nova forma de fazer ciência, independente da fé da Igreja. A partir de agora, para se provar alguma coisa, não é mais necessária a consulta aos documentos eclesiais, nem a prova das Escrituras, mas somente dados corretos, analisados e submetidos ao rigor do cálculo newtoniano e à física de Galileu que são os critérios de verdade ou falsidade para determinado evento.

Diante desse novo cenário da sociedade não é difícil perceber porque a teologia foi considerada como não científica e, em alguns momentos e regimes em nossa história, digna de escárnio e descrédito. Afinal, se o que é importante são os dados e aquilo que é tangível e calculado, e a teologia, como o próprio nome já diz, estuda aquilo que não é nem tangível e nem pode ser calculado, como ela teria algum valor visto por esse prisma?

Da mesma forma, porém, vemos uma grande resistência por parte da teologia em aceitar a ciência ao longo de sua história. Casos como o de Giordano Bruno, a afronta ao próprio Galileu para que negasse suas ideias, a negação do darwinismo, dentre outros mostram como esse diálogo não foi suscitado durante muito tempo, o que, sem dúvida, cooperou e ainda coopera para essa ideia de que são duas coisas que não têm nada a ver.

Ironicamente, o principal ponto de convergência entre ciência e teologia é a fé, sendo que o que distingue a fé científica da fé teológica é o objeto da fé, somente.

Explico-me: toda ciência, até dias atuais, baseia-se em um axioma, ou seja, uma afirmação que não necessita ser provada. Esse axioma é o princípio da lógica aristotélica chamado “princípio do terceiro excluído”. Esse princípio quer dizer que determinada afirmativa não pode ser falsa e verdadeira ao mesmo tempo, ou é verdadeira, ou é falsa. Embora o princípio seja extremamente trivial, suas consequências são imprescindíveis para explicar o mundo em que vivemos. É a partir dele que podemos afirmar que um ângulo reto tem sempre 90 graus. Se não fosse esse princípio eu poderia dizer que um ângulo de 60 graus também seria reto. Por que não posso dizer que um ângulo reto tem 90 graus e 60 graus ao mesmo tempo? Justamente porque uma afirmação, pelo princípio do terceiro excluído, não pode ser falsa e verdadeira ao mesmo tempo. Se o ângulo reto for de 90 graus, então a informação de que ele tem 60 graus será falsa e vice-versa.

Dessa forma, a ciência parte de algo que não pode ser provado (axioma) e, a partir dele, deduz as explicações acerca da realidade, por meio do seu ponto de suas observações, cálculos e teoremas. De semelhante modo, o axioma da teologia é a existência de Deus e é a partir dele que essa deduz as explicações acerca da realidade.

Se concordamos nesse ponto, fazer o diálogo entre ciência e teologia não se torna tarefa impossível, antes, tarefa salutar. Ambas têm muito a cooperar na promoção de um mundo melhor, com maior qualidade de vida e mais comunhão entre humanos e planeta. O que falta, talvez a ambas, é a consciência de que a forma de ver o mundo é somente uma dentre as várias formas possíveis. Já é possível vislumbrar essas novas formas possíveis: na ciência já se veicula a ideia de uma lógica onde o princípio do terceiro excluído não seja válido, o que mudaria consideravelmente a forma de se fazer ciência. Na teologia, é o diálogo inter-religioso que tem surgido como paradigma para se fazer teologia hoje, considerando o mundo em sua pluralidade e diversidade, o que mostra uma abertura para outras maneiras possíveis de se teologizar.

Diante disso, parece-nos claro que ciência e teologia não devem ser vistas como inimigas mortais, de maneira que onde uma está a outra tem que sair, mas devem ser vistas como companheiras que visam a melhoria do mundo e do planeta a partir da fé, mesmo que seus objetos de fé sejam diferentes.

*Fabrício Veliq é formado em matemática pela UFMG, graduando em filosofia pela UFMG, mestre em teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE) com a dissertação “A relação entre o Jesus histórico e o Cristo da fé no pensamento de “Joseph Ratzinger” e doutorando em teologia na FAJE com a tese “A pneumatologia hermenêutica de Jürgen Moltmann como aporte para o diálogo inter-religioso”. Atualmente ministra cursos de teologia no curso de Teologia para Leigos do Colégio Santo Antônio, ligado à ordem Franciscana. É protestante e ama falar sobre teologia em suas diversas conversas por aí. Escreve às quartas-feiras.

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