Os mesmos caminhos só podem nos levar aos mesmos lugares.
Por Max Velati*
Quem me contou esta história foi o escritor Paulo Coelho. Era para ser uma espécie de piada, mas acabou se transformando em um tema para reflexão que me assombra há mais de vinte anos. Aviso ao leitor que não vai ter graça, mas talvez alguma coisa “ligue” em você exatamente como aconteceu comigo.
Um homem sonhou que um anjo entrava no quarto e dizia que aquela região seria inundada, mas ele não precisava temer o dilúvio. Deus enviara o anjo para dizer que ele seria salvo.
O homem acordou muito assustado e com razão; foi um daqueles sonhos que parecem mais reais do que a realidade; cores brilhantes, efeitos especiais, som estéreo surround. E para seu maior espanto, naquela manhã começou mesmo a chover forte. A chuva engrossou e se transformou logo numa tempestade e as ruas da cidade ficaram inundadas.
Correu então a notícia que uma das barragens havia se rompido e instalou-se na região o caos e o pânico.
Os bombeiros passavam de botes infláveis evacuando as casas e logo um bote foi enviado à casa do homem que havia sonhado com um anjo. A água já batia nos joelhos e um bombeiro gritou para que ele se apresasse, mas o homem recusou a ajuda. Explicou que estava seguro e que o bombeiro podia seguir caminho e salvar outras pessoas. O bote se foi e o homem continuou na casa, sereno diante do perigo cada vez maior e com a água já entrando pelas janelas.
A tempestade piorou e uma segunda barragem se rompeu.
O homem que havia sonhado com o anjo teve que se refugiar no telhado da casa e um segundo bote dos bombeiros apareceu para o resgate. Os bombeiros gritaram que a água subiria ainda mais e que ele precisava embarcar, mas o homem não se mexeu. Tudo estava acontecendo exatamente como o anjo havia dito e por isso ele não tinha nada a temer.
O segundo bote se foi e o homem permaneceu no telhado, sereno diante do desastre.
A chuva e o vento varriam impiedosamente o que havia sido antes uma cidade. O homem teve que subir na chaminé e tinha a água já nos joelhos quando surgiu um helicóptero. Os bombeiros lançaram uma corda e gritaram para que ele a agarrasse, pois não havia um segundo sequer a perder. O homem gesticulou para que fossem embora e gritou que não arredaria o pé dali.
Foi então que a terceira barragem se rompeu e o homem que havia sonhado com o anjo morreu afogado.
Ao chegar ao Céu ele foi recebido pessoalmente por São Pedro. O portão do Paraíso foi solenemente aberto, mas o homem se recusou a entrar. Disse que havia sido enganado por Deus e que aquele lugar não era confiável. São Pedro ficou intrigado e decidiu conversar com Deus para saber o que havia acontecido.
São Pedro voltou alguns minutos depois sacudindo a cabeça. Explicou que havia levado o caso a Deus e que o Todo Poderoso havia dito que enviara dois botes salva-vidas e um helicóptero, três missões de socorro, e o homem havia recusado todas as três alternativas.
A história acaba aqui, mas fiquei remoendo isso por mais de vinte anos e recentemente esta piada sem graça adquiriu na minha vida proporções surpreendentes.
Há duas semanas não me canso de pensar sobre quantos botes e helicópteros já vieram em meu socorro e eu estupidamente ignorei ou recusei. Diante da crise econômica, dos protestos, da suja política nacional, do terrorismo devastando o mundo, fiquei pensando se não deveria abrir os olhos e prestar mais atenção aos avisos, aos alertas, nas sirenes, nas inúmeras missões de resgate já enviadas. Afinal, li “A Laranja Mecânica”, o terrível e profético “1984”, o refrescante “Walden” e tantas outras obras de arte e sinais que deixam claro que os mesmos caminhos só podem nos levar aos mesmos lugares.
Por sugestão da minha mulher há oito dias eu e minha família desligamos a televisão e algumas coisas estranhas começaram a acontecer. Ouvimos mais música, a comida ficou melhor e começamos a perceber que entramos em uma bolha que nos protege do clima de ódio que tomou conta do país. Pequenos sucessos desta vida tão à margem estão fortalecendo as nossas convicções de que talvez haja uma nova vida nos esperando e aproveitamos a Páscoa para ritualizar esta renovação.
De um modo bastante prático comecei a entender que a minha biografia é mais importante do que a biografia do Lula, do Temer, da Dilma ou do Eduardo Cunha. Tenho que proteger a minha história, entender melhor as minhas razões, meus desafios e se possível gastar com sabedoria o meu tempo. Não sei quantos dias de vida tenho pela frente e devo aproveitá-los da forma mais rica e positiva, aprendendo novas artes e ofícios, plantando árvores, fortalecendo amizades, em resumo, o oposto do que todo mundo anda fazendo por estes dias, destruindo laços em nome da política, de partidos, de pessoas e políticos que sequer conhecem pessoalmente.
Estou embarcando num dos botes salva-vidas. Pretendo dividir com você aqui nesta coluna semanal as dores e delícias desta nova aventura.
Abaixo, um dos alertas lançados em 1981 e a mensagem é clara: fuja!
*Max Velati trabalhou muitos anos em Publicidade, Jornalismo e publicou sob pseudônimos uma dezena de livros sobre Filosofia e História para o público juvenil. Atualmente, além da literatura, é professor de esgrima e chargista de Economia da Folha de S. Paulo. Publica no Dom Total toda sexta feira.
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