segunda-feira, 18 de abril de 2016

Manoel de Barros e a ecoteologia das insignificâncias


É urgente que nos conscientizemos da importância por esta Casa comum.
É urgente que nos conscientizemos da importância por esta Casa comum.
Por Felipe Magalhães Francisco*
“Crescei, multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a; dominai os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que se movem sobre a terra” (Gn 1,28). Essa bênção dada pelo Criador aos primeiros homem e mulher criados, e narrada pelo Gênesis, foi, por muito tempo, usada pelos defensores de causas ambientais como argumento a criticar a posição cristã de não combate aos abusos humanos contra a natureza. Verdadeira ou não, essa crítica hoje se faria injusta. Há um real esforço pela defesa da criação, por parte das instituições religiosas atualmente. O exemplo mais explícito disso é a figura do Papa Francisco, em consonância com tantos organismos religiosos ou não, trazendo à reflexão a importância da questão ambiental. Importante destacar que essa reflexão ecológica, bem como as ações que dela decorrem, faz justiça ao verdadeiro sentido da bênção dada pelo Criador: o convite ao zelo pela criação.
Não há como negar a importância do progresso, para a prosperidade da vida. No entanto, não há como não fazer um mea culpa, reconhecendo que esse progresso foi o responsável pela degradação da natureza. Temos visto que o capitalismo está levando tudo ao limite. Do ponto de vista simbólico, o capitalismo nos leva a enxergar tudo pelo prisma da utilidade: da utilidade das coisas à utilidade humana para a produção de riquezas. É nesse horizonte que a poesia inútil de Manoel de Barros (1916-2014) se desponta e nos chama a atenção para outro olhar para a natureza. O poeta das insignificâncias, como ele mesmo se intitula, frente ao utilitarismo humano, diz: “Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro. Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas)”.
A “ecoteologia” de Manoel de Barros – com a licença poética que aqui nos cabe para designar a sua obra – é um convite à comunhão com a natureza e a um olhar de fraternidade para com ela, tal como em Francisco de Assis. A relação com a natureza, sem interesses de utilidade, faz com o que o poeta dê um estatuto religioso às coisas insignificantes: “Todas as coisas apropriadas ao abandono me religam a Deus. Senhor, eu tenho orgulho do imprestável!”. Essa relação de comunhão com a natureza tem um valor escatológico – que remete à comunhão plena –, que faz com que o poeta valorize o invalorizável, simplesmente por respeito à existência de tais coisas: “As coisas tinham para nós uma desutilidade poética”. E mais: “É no ínfimo que eu vejo a exuberância”.
Para vencer ao ímpeto utilitarista, tão próprio dos humanos adultecidos, o poeta não abre mão da infância, como sentimento e como apropriação fraterna do mundo, “pois as coisas que não têm nome são mais pronunciadas por crianças”. Nomear algo, simbolicamente, significa impor uma autoridade sobre as coisas. Só as crianças têm a capacidade de se relacionar com essas coisas na gratuidade da relação. Não é sem motivos que a sabedoria de Jesus dá às crianças um lugar todo pleno no Reino dos Céus (cf. Mt 19,14), pois elas não têm medo de entrar no jogo, integralmente, para viverem a verdade da experiência com o mundo. Na lida com as coisas criadas, todos precisamos nos tornar crianças. A regra para nos desapegarmos do utilitarismo dos adultos, o próprio poeta nos dá: “Desaprender oito horas por dia ensina os princípios”.
O amor pela natureza, várias vezes demonstrado pelo poeta, é inspiração para um cuidado maior de nossa parte por esta Casa que nos abriga, chamando-nos a um olhar e a uma relação de comunhão e de vida compartilhada. É urgente que nos conscientizemos da importância de realmente nos responsabilizarmos por esta Casa comum, não apenas humana, mas de toda a fraternidade das criaturas. Precisamos fazer crescer e multiplicar nossa responsabilidade e nosso cuidado, a fim de que o direito à vida brote como fonte, e a justiça qual riacho que não seca (cf. Am 5,24), tal como nos alertou a Campanha da Fraternidade Ecumênica deste ano. E que ao fim, as criaturas todas, juntas, entoemos um salmo de louvor ao Criador por tamanha dádiva de vida em comunhão: “Louvado sejas, meu Senhor!”. 
* Felipe Magalhães Francisco é mestre em teologia e coordenador da Comissão Arquidiocesana de Publicações.

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